Sem nenhum preceito moral que os
contivesse em seus impulsos, os índios quando se entregavam (e ainda se
entregam) aos vícios da orgia, faziam-no de forma descontrolada. Além do uso
exagerado do fumo e da bebida, nesta oportunidade algumas tribos fazem também o
uso de drogas alucinógenas. Quando faziam uma dessas festas, bebiam por vários
dias seguidos. O pastor protestante francês Jean de Léry (século XVI)
testemunhou uma festa em que eles passaram três dias e três noites consecutivas
bebendo, e, mais ainda, “depois de bêbados a mais não poder, vomitaram quanto
tinham bebido e recomeçaram bem mais dispostos que antes... O curioso é que nada comem durante as
bebedeiras...”.
O padre Claude d’Abbeville (século XVII)
descreve uma dessas orgias:
“Nunca
senti tanto espanto como quando entrei numa dessas cabanas onde estava havendo
uma cauinagem; no primeiro plano se achavam esses grandes vasilhames de barro
cercados de fogo e com bebida fumegando; mais adiante, inúmeros selvagens,
homens e mulheres, alguns completamente nus, outros descabelados, outros ainda
revestidos de penas multicores, uns deitado expirando a fumaça do tabaco pela
boca e pelas narinas, outros dançando, saltando, cantando e gritando. E todos
tinham a cabeça enfeitada e a razão tão perturbada pelo cauim que reviravam os
olhos a ponto de parecer encontrar-me em presença de símbolos ou figuras infernais.
E se na verdade o Diabo se deleita na companhia de Baco e busca por meio da
dança perder as almas, há de por certo comprazer-se infinitamente nas reuniões
desse miserável povo, que sempre lhe pertenceu pela barbárie, pela crueldade
e pela embriaguez, e que somente
encontra satisfação em dançar e cauinar quando se apresenta uma oportunidade,
durante dois a três dias seguidos, sem repouso nem para dormir, até que todos
os potes se esvaziem. E o que é mais estranho, bebem e fumam sem comer o que
quer que seja”. [1]
Todos os cronistas confirmam o que se
diz acima. O padre Simão de Vasconcelos chegou a contar 32 tipos de bebidas
alcoólicas ou alucinógenas. Varnhagen acrescenta que no Alto Amazonas é comum
os índios fazer uso da coca e também de uma substância chamada “ypadu”, droga
ainda hoje cultivada e usada não só pelos índios como entre os brancos, para
isso existindo lá uma seita iniciática de seu consumo com o nome de “Santo
Daime”.
Sobre a origem do fumo
Sobre o fumo, que era usado em qualquer
dia, Gabriel Soares diz que “tomam este
fumo por mantença, e não podem andar sem ele na boca, aos quais dana o bafo e
os dentes, e lhes faz mui ruins cores. Esta cangoeira de fumo é um canudo que
se faz de uma folha de palma seca, e tem dentro três e quatro folhas secas da
erva santa, a que os índios chamam
petum...”[2]
O padre Manuel da Nóbrega, por sua vez, afirma que o fumo também ajuda a
digestão e a outros males corporais e a “purgar a fleuma do estômago”,
parecendo querer dizer se for usado como medicamento.
Indiscutivelmente o fumo é originário
das Américas. Jean de Léry informa que a
nicotina, “cujo nome diz prover do senhor Nicot, que primeiro a remeteu de
Portugal para a França, é originária da Flórida...” O cronista português Damião de Góes, por sua
fez, diz que a “Erva Santa” , ou a planta do fumo, foi levada do Brasil para
Portugal por Luiz de Góes. Da Flórida ou do Brasil, o fato é que a planta foi
introduzida na Europa no século XVI pelos viajantes que retornavam das Américas.
[1] “História
da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas –
Claude d’Abbeville – Ed. Itatiaia e Ed. Universidade de São Paulo, 1975, pág.
239
[2] “Tratado
Descritivo do Brasil em 1587”
– Gabriel Soares de Sousa – Typografia José Ignácio da Silva, 1879, pág. 296
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