(Comentários de dr. plinio corrêa de oliveira sobre
a santíssima virgem maria)
Hoje é festa das Sete
Dores de Nossa Senhora, colocada, com muita felicidade, logo depois da festa da
Exaltação da Santa Cruz. “ Festa estendida a toda Igreja por Pio VIII, em
memória da proteção da Santíssima Virgem na libertação de Pio VII”.
Sobre isto comenta D.
Guéranger:
“No decurso da oitava da
Natividade, o pensamento do sofrimento não se apresentava ao espírito do fiel,
mas se nós nos tivéssemos posto a questão “o que será essa criança”, nós
teríamos visto exatamente que se todas as nações devessem um dia proclamá-la
bem-aventurada, Maria deveria sofrer antes com seu Filho, para a salvação do
mundo. Ela mesma, pela voz da liturgia, nos convida a considerar sua dor: “Ó
vós todos que passais pelo caminho, parai e vede se há uma dor igual à minha dor.
Deus me pôs e estabeleceu na desolação. Minha dor é obra de Deus”.
“É Ele que,
predestinando-A a ser Mãe de seu Filho, uniu indissoluvelmente sua pessoa à
vida, aos mistérios, aos sofrimentos de Jesus para ser, na obra da Redenção,
sua fiel cooperadora. É preciso que o sofrimento seja um bem muito
considerável, para que Deus, que ama tanto Seu Filho, tenha dado sofrimento a
Ele. E como depois de Seu Filho, Ele ama a Santa Virgem mais do que qualquer
criatura, Ele quis dar a Ela também o sofrimento como o mais rico dos
presentes. Por Maria, o sofrimento não dava só no Calvário; o sofrimento lhe
veio com Jesus, “essa criança incômoda” como disse Bossuet, porque Jesus,
entrando em qualquer lugar, entra com Sua cruz; e a traz com seus espinhos, e a
distribui a todos que a amam”.
“A solenidade desse dia,
que nos mostra, sobretudo, Maria no Calvário, nos lembra, nessa dor suprema de
todas as dores, conhecidas ou não, que encheram a vida de Nossa Senhora. Se a
Igreja se deteve no número de sete, é porque esse número exprime sempre a idéia
de totalidade ou universalidade. Para compreender, com efeito, a extensão e
intensidade dos sofrimentos de Nossa Senhora, é preciso conhecer o que foi seu
amor por Jesus. E seu amor aumentou seu sofrimento. A natureza e a graça
concorrem juntas para produzir no coração de Maria impressões profundas. Nada é
mais forte e mais premente do que o amor que a natureza dá para um filho e
aquele que a graça dá para um Deus”.
São tantos pensamentos
excelentes, que se seria tentado a desenvolver excessivamente este Conferência.
Mas em todo caso, vamos nos concentrar sobre duas idéias que estão aqui: a
primeira das idéias é que Nosso Senhor, tendo amado com amor infinito ao Seu
Verbo Encarnado, Nosso Senhor Jesus Cristo, e tendo amado com um amor inferior
a esse, mas superior a todos os outros amores, a Nossa Senhora, lhes deu tudo
quanto há de bom. E por isso lhes deu aquela imensidade de cruzes que é
representado pelo número sete. São sete dores, quer dizer, são todas as dores.
E Nossa Senhora das Dores poderia ser chamada perfeitamente Nossa Senhora de
todas as Dores, porque não houve dor que Ela não tivesse.
Por causa disso, se é
verdade que todas as gerações A chamarão bem-aventurada, a um título menor, mas
imensamente real, todas a gerações A poderiam ter chamado “infeliz”. Ora, se
isso é assim, nós deveríamos compreender melhor, quando a dor entra na nossa
vida, que é uma prova de amor de Deus. E que enquanto a dor não penetrar em
nossa vida, nós não temos todas as provas de amor de Deus. E eu acrescentaria,
e justificarei daqui a pouco isto, nós não temos a principal prova de amor de
Deus.
O que quer dizer isto? Há
muitas pessoas que eu olho e vejo a cara. E no fundo da cara vejo isto:
falta-lhe ainda sofrer. Falta, no fundo, uma nota de maturidade, uma nota de
estabilidade, uma nota de racionalidade, uma elevação que só tem aquele que
sofreu, e aquele que sofreu muito; e quem leva uma vida sem sofrimento, leva
uma vida em que essa nota não transparece na fisionomia, e o que é muito pior,
não transparece na alma.
Nós devemos compreender
isso, e quando começam a aparecer os contratempos, dificuldades em nosso
apostolado, mal entendidos com os amigos dentro do Grupo, mal entendidos com os
nossos chefes, saúde que anda mal, negócios que andam mal, encrencas dentro de
casa, nós não deveríamos tomar isso como um bicho de sete cabeças, como o
espírito hollywoodiano gostaria que se tomasse, quer dizer como uma coisa que
não devia acontecer. Como foi que aconteceu uma coisa dessas? ... Não senhor!
Quem não sofre é que deve
se perguntar: como está me acontecendo isto, pois não estou sofrendo nada?
Porque o normal é sofrer. Aquele a quem Deus ama, aquele a quem Nossa Senhora
ama, este sofre, porque Deus não vai recusar a este filho, aquilo que Ele deu
em abundância aos dois entes que Ele mais amou, que são Nosso Senhor Jesus
Cristo e Nossa Senhora.
Os senhores compreendem,
então, que o normal é sofrer. E os senhores tenham isto por normal em sua vida:
tentações, provações, crises nervosas, toda espécie de coisa, a gente deve
pedir para que passem, mas na medida em que não passarem, a gente deve bendizer
a Deus, bendizer a Nossa Senhora. São Luís Grignion chega a dizer que quem não
sofre deve fazer peregrinações e orações pedindo sofrimento, embora ele condicione
este pedido à aprovação de um diretor espiritual, porque é um pedido muito
grave. Mas é porque quem não sofre, não vai indo tão bem quanto podia ir, e às
vezes vai indo inteiramente mal.
Aí os senhores têm a frase
estupenda de Bossuet, a respeito de Nosso Senhor Menino, “aquele menino
incômodo”. Como todos aqueles que querem seguir a Nossa Senhor são incômodos!
Às vezes temos a sensação experimental disso. Começamos a dar um conselho, um
exemplo, começamos a pedir um sacrifício, o semblante de nosso interlocutor vai
denunciando que ele nos está vendo incômodo. Como seria mais fácil dizer uma
piada alegre, fazer uma brincadeira, acabar tudo com um tapinha nas costas e
dispensar de uma obrigação!
Como mandar seria
agradável, se fosse isto! Mas mandar é o contrário: mandar é estar exigindo que
nosso subordinado tome as coisas a sério, que as olhe pelo seu lado mais
profundo. Que veja as coisas pelo seu lado mais alto, mais sério, mais sublime,
que veja de frente a sua própria alma, que se examine a si mesmo detidamente,
que procure corrigir efetivamente e seriamente os seus defeitos. E como isto é
incômodo!
Pois bem, o peso de sermos
incômodos é um dos maiores pesos, e também esse nós devemos carregar. Nas
nossas famílias nos acham incômodos porque lhes lembramos o dever. A resignação
alegra essa incomodidade. A coragem de sermos incômodos em todas as
circunstâncias; o votarmos a amizade de preferência aos nossos amigos
incômodos, quando a incomodidade d’Eles consiste em nos lembrar o dever, são as
virtudes que, no dia das Sete Dores de Nossa Senhora devemos pedir a Nossa
Senhora.
Ela, que também teve um
Filho que lhe trouxe tantos divinos incômodos, e que nos convidando a meditar
sobre a dor d’Ela, nos convida a meditar sobre a seriedade e a sublimidade da
sua e de nossa existência, e que a esse título é também para nós maternal e
estupendamente incômoda.
("Conferência", 15 de setembro, 1965 ou 1966 )
Ver também “Revista Dr. Plínio”, nº 66, setembro de 2003
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