(COMENTÁRIOS
DE PLINIO CORREA DE OLIVEIRA SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA)
É um costume comum festejar-se o
aniversário das pessoas. A razão disso está em que o aniversário da pessoa
representa o momento em que a pessoa entrou na cena dessa vida, e o momento em
que o ambiente em que essa pessoa é destinada a viver se enriquece com mais uma
presença.
Em princípio, todo nascimento é um
favor, é uma graça de Deus, é um enriquecimento para a sociedade humana, porque
todo homem tem um grande valor.
Ainda que ele seja concebido em pecado
original, ainda que a natureza humana seja inferior à natureza angélica, ainda
que o homem, além do pecado original, traga algum vício moral existente na
família, cada homem é uma criatura de grande valor. Cada criatura que aparece
na Terra representa um enriquecimento altamente ponderável para essa obra de
Deus em seu conjunto, que é a humanidade.
Assim, quando se festeja o aniversário
de uma pessoa, festeja-se a entrada de alguém no mundo, se festeja a entrada
daquele na cena do mundo com tudo quanto ele trouxe e que lhe é característico
de luz primordial, de virtudes que deverá realizar, de riquezas de alma que tem
dentro de si. E até mesmo o pecado original, com os defeitos que a pessoa leva
dentro de si, como coisa a ser vencida e combatida, como aumento de glória,
representa também algo no nascimento da pessoa e no enriquecimento em relação à
humanidade.
Concebida sem pecado, com todas as
riquezas naturais próprias à condição feminina e cheia de Graças: predicados de
Nossa Senhora
Nestas condições, a festa da
Natividade de Nossa Senhora leva-nos a perguntar qual o enriquecimento que Ela
trouxe para a humanidade e a que título especial a humanidade deve festejar seu
nascimento. Se nos colocarmos nessa perspectiva quase não se sabe o que dizer.
Porque na ordem da natureza, Nossa Senhora foi concebida sem pecado original.
Assim Ela, única no mundo desde o
pecado original, isenta de todas as manchas, um lírio incomparável na formosura
do gênero humano, algo, portanto, que deveria dar alegria à terra inteira e a
todos os coros angélicos. Apareceu nesse exílio, no meio dessa humanidade, uma
criatura sem pecado original.
Mas acontece que, além disso, Nossa
Senhora trazia consigo todas as riquezas naturais que dentro de uma mulher
possam caber. Nosso Senhor deu a Ela, segundo a ordem da natureza, uma
personalidade riquíssima, preciosíssima, valiosíssima e, a esse título, a
presença d’Ela entre os homens representava outro tesouro verdadeiramente
incalculável.
Mas, se a tudo isso juntarmos os
tesouros das graças que vinham com Ela, que Ela tinha consigo e que são as
maiores graças que Deus Nosso Senhor tenha concedido a alguém, graças verdadeiramente
incomensuráveis, compreendemos então o que representa a entrada de Nossa
Senhora no mundo.
O nascer do sol é uma realidade pálida
em relação à entrada de Nossa Senhora no mundo. Todos os fenômenos mais
grandiosos da natureza que representem algo de precioso, algo de inestimável,
nada são em comparação disso. A entrada mais solene que se possa imaginar de um
rei ou de uma rainha no seu reino, não é nada em comparação disso.
A alegria de todos os Anjos do Céu, a
alegria talvez de muitas almas justas que tenham ficado cientes desse fato,
talvez sentimentos confusos de alegria espalhados por aqui e por lá nas almas
boas, tudo isso deve ter saudado o momento bendito em que Nossa Senhora entrou
no mundo.
Há uma frase de Jó, que eu gosto muito
de citar e que me parece adequada para isso: “Bendito o dia que me viu
nascer, benditas as estrelas que me viram pequenino, bendito o momento em que
minha mãe disse: nasceu um varão”.
Também se poderia dizer: “Bendito o
dia em que viu Nossa Senhora nascer, benditas as estrelas que brilharam sobre
Nossa Senhora quando pequenina, bendito o momento em que os pais de Nossa
Senhora verificaram que tinha nascido a criatura virginal que era chamada a ser
a Mãe do Salvador”!
O nascimento de Nossa Senhora num
mundo imerso no paganismo e as irrupções da ação d’Ela na alma dos fiéis nos
períodos de provação
A Natividade de Nossa Senhora nos traz
outro pensamento. O mundo estava prostrado no paganismo. A situação do mundo
naquele tempo era parecida com a do mundo de hoje; todos os vícios imperavam,
todas as formas de idolatria tinham dominado a terra, a abominação tinha
penetrado na própria religião judaica, que era o prenúncio da religião
católica; o mal e o demônio venciam inteiramente.
Mas, no momento decretado por Deus em
sua misericórdia, Ele arrebenta a muralha, começa a derrocada da ordem do
demônio quando menos se podia imaginar, faz nascer Nossa Senhora e, com o
nascimento de Nossa Senhora que era a raiz bendita de onde nasceria Nosso
Senhor, começava a obra de derrocamento do demônio.
Quantas vezes não se passa coisa
semelhante na vida espiritual do católico! Quantas vezes a alma deste, daquele,
daquele outro, está em luta, está com problemas, contorcendo e revolvendo-se em
dificuldades! A pobre alma nem se dá idéia de quando virá o dia bendito em que
uma grande graça, um grande favor irá acabar com seus tormentos, com suas lutas
e, afinal de contas, proporcionar-lhe um grande progresso na vida espiritual.
Há aqui o nascimento, num sentido
especial da palavra, das irrupções de Nossa Senhora na alma do fiel. E que na
noite das maiores dificuldades, das maiores trevas, de repente Nossa Senhora
aparece e começa a quebrar as dificuldades com que ele se defronta.
Ela aparece como uma aurora em sua
vida e começa a representar algo de novo em sua vida espiritual, que ele nem
conhecia.
Há outra consideração também: Nossa
Senhora parece tão ausente!
O mundo de hoje é tão parecido com o
mundo daquele tempo que, se levarmos em conta que de um momento para o outro
Nossa Senhora pode começar a agir, pode tornar sua atividade mais constante,
mais contínua, mais intensa do que tem sido até aqui para a restauração de seu
Reino, podem começar a acontecer fatos extraordinários que façam sentir sua
presença, aí teremos mais uma irrupção de Nossa Senhora no mundo.
E essa irrupção poderia se fazer
através do nosso Movimento com tudo quanto ele tem de humanamente pobre, de
humanamente fraco. Mas que, como David, pela fé, pela dedicação e pelo uso das
táticas da RCR, poderia derrubar e esmagar o gigante da Revolução. Uma ação
assim seria uma irrupção de Nossa Senhora na História do mundo, uma
manifestação do desejo de Nossa Senhora de vencer. As muralhas que temos
derrubado, as graças de que, embora indignos, temos sido canais, não podem representar
senão a manifestação da vontade do Imaculado Coração de Maria de implantar seu
Reino.
Então, tudo isso nos deve dar muita
alegria e muita esperança, com a certeza de que Nossa Senhora nunca abandona
seus filhos, e que mesmo nas ocasiões mais difíceis Ela os visita, sua presença
como que irrompe entre eles, resolve seus problemas, cura suas dores, dá-lhes a
combatividade e a coragem necessárias para cumprirem seu dever até o fim, por
mais árduo que seja.
Devemos pedir para haver uma irrupção
de Nossa Senhora nos dia de hoje
Um prelado conversava comigo ontem
dizendo que sustenta uma tese, para a qual ele até pretende recolher material,
que é a seguinte:
Há elementos históricos para dizer que
todas as grandes almas que lutaram contra os hereges, os grandes martelos das
heresias aparecidos através dos séculos, têm sido escolhidos especialmente por
Nossa Senhora, pessoalmente por Nossa Senhora.
A suscitação dessas almas realmente
lembra algo de muito bonito existente no brasão dos padres do Imaculado Coração
de Maria! Coração de Nossa Senhora e no alto do brasão, São Miguel Arcanjo, e
depois essas palavras: “Os filhos d'Ela se levantaram e A proclamaram
Bem-aventurada”.
Essa presença de guerreiros
espirituais que, como soldados de São Miguel Arcanjo, armados com o gládio da
Fé se levantam para combater o adversário, proclamando o Coração de Maria
bem-aventurado, isto não seria também uma irrupção de Nossa Senhora na
História?
Eu acreditaria que fosse. E devemos
pedir que venham esses guerreiros indomáveis, de um ódio implacável ao demônio
e aos seus sequazes, à Revolução e às suas obras, desejosos de liquidar -
segundo a Lei de Deus e dos homens - a Revolução! Desse ódio à Revolução é que
devem estar cheios os corações daqueles que amam realmente Nossa Senhora.
Vamos pedir a Nossa Senhora essa graça
especial: que haja uma irrupção d'Ela no mundo de hoje, almas armadas de
espírito de luta legal e doutrinária, de espírito implacável de hostilidade à
Revolução satânica, para humilhá-la, para restabelecer definitivamente a
glória da Igreja, tão conspurcada pela Revolução neste momento.
De maneira tal que, quando morrerem,
se possa colocar na sepultura de cada um d’Eles, esta expressão: Este foi um
filho d'Ela, que se levantou e a proclamou Bem-aventurada nessa época de
apostasia, de humilhação e desfalecimento da Santa Igreja Católica, Apostólica,
Romana.
Nossa Senhora teve o uso da
razão desde o primeiro instante de seu ser e já neste momento começou a influir
no destino da humanidade
A festa da Natividade está para Nossa
Senhora como o Natal para Nosso Senhor. Assim como a festa do Natal celebra o
momento bendito em que Nosso Senhor entrou no mundo e começou a fazer
visivelmente parte da sociedade humana, a festa da Natividade celebra o momento
em que Nossa Senhora entrou no mundo e começou a fazer parte da sociedade
humana.
Os senhores me dirão: “Mas o que
representa para a sociedade humana a entrada de um bebê nessa sociedade? Uma
criança que não tem o uso da palavra, o uso da razão, uma criança que, afinal
de contas, não pesa no convívio dos homens...”
Com Nossa Senhora isto não houve. Como
Ela era concebida sem pecado original, teve o uso da razão desde o primeiro
instante de seu ser; e já a partir do ventre materno Nossa Senhora pensava, e tinha
pensamentos elevadíssimos e sublimíssimos, vivendo no seio de Santa Ana como
num verdadeiro tabernáculo.
Temos uma confirmação indireta disso
no que conta o Evangelho sobre São João Batista. Quando São João Batista - que
não foi isento do pecado original, mas teria sido purificado dele ao ouvir a
saudação de Maria a Santa Isabel - estremeceu de alegria no seio de Santa
Isabel ao ouvir a voz de Nossa Senhora cantando, saudando Santa Isabel. E Santa
Isabel disse isso a Nossa Senhora.
Assim também, Nossa Senhora viveu no
seio de Santa Ana e desde ali Ela começou a rezar pela humanidade, começou com
a ciência altíssima que tinha recebido pela graça de Deus, começou a pedir a
vinda do Messias, começou a pedir pela queda de todo Mal no gênero humano, e
desde ali formou-se, com certeza, em seu espírito, aquele intuito elevadíssimo,
de vir a ser uma servidora do Salvador, que pudesse servir a Mãe do Salvador e
ajudá-la. Na realidade, por essa forma Nossa Senhora já começou a influir nos
destinos da humanidade.
Mas acontece também que sua presença
na terra já era uma fonte de graças para todos aqueles que se aproximavam d’Ela
na sua infância e mesmo antes d'Ela nascer.
Se a Escritura nos diz que da túnica
de Nosso Senhor saía uma virtude que curava todos, ou melhor, os que tocavam em
seu manto beneficiavam-se de uma virtude curativa, quanto mais a Mãe de Nosso
Senhor, Aquela que estava escolhida como vaso de eleição.
A presença de Nossa Senhora nessa
terra, já como menina, mesmo como criancinha, era uma fonte enorme de graças.
Por isso se pode dizer que, embora Ela
fosse criancinha, já em seu natal graças enormes começaram a raiar para a
humanidade; já aí o demônio começou a ser esmagado e a vitória da
Contra-Revolução começou a ser afirmada e o demônio começou a perceber que algo
de seu cetro estava partido e que nunca mais se consertaria.
Compreende-se então como a vinda de
Nossa Senhora à terra foi uma graça para todos os homens e compreende-se a
importância da festa que celebramos hoje.
Semelhante a “aurora” do luar é o
“natal” de Nossa Senhora. Nesta noite devemos pedir a Nossa Senhora uma graça
que Ela queira nos conceder
Para resumir, tenham os senhores em
mente uma noite de Natal. Há 1963 anos e tanto - simplificando os dados
cronológicos - que Nosso Senhor nasceu.
Há 1963 anos que essa festa se repete
e em toda noite de Natal tem-se a sensação de que uma bênção enorme desce de
Céu sobre a terra e que, de algum modo, as energias espirituais de todos os
homens se renovam. Há uma verdadeira aurora.
É por causa disso que a noite de Natal
é única no ano. Isso que se dá com a noite de Natal nos dá uma idéia do que foi
a primeira noite de Natal, em que Nosso Senhor nasceu.
Ora, como tudo quanto é de Nossa
Senhora é muito parecido com o de Nosso Senhor, tudo quanto diz respeito a Ela
tem uma íntima conexão com o que diz respeito a Ele, pode-se também imaginar
assim na noite de hoje.
Seria bonito que numa noite como a de
hoje, tivéssemos uma noção mais viva e mais concreta da Natividade de Nossa
Senhora. Que semelhança há entre um e outro? Quando se fala em Natal de Nosso
Senhor, lembramo-nos do nascer do sol. Mas se Nosso Senhor é o sol, Nossa
Senhora é, muitas vezes, comparada à lua.
E como é bonito vermos a luz que
nasce! O nascer da lua não tem a glória do nascer do sol e nem é o nascer do
sol; mas quanto tem de parecido, de análogo com o nascer do sol. Como ele é
benfazejo, como ele alegra, como ele estimula, como ele consola. Isso nos
poderia dar a idéia do que foi esse bendito natal de Nossa Senhora. E como somos
- estímulo muito particular - filhos de Nossa Senhora pela consagração a seu
Sapiencial e Imaculado Coração conforme o método de São Luis Maria Grignion de
Montfort, não por méritos nossos, mas pela vontade d’Ela, podemos pedir nesta
noite de hoje, que Nossa Senhora nos dê alguma graça especial.
Já se disse que nas revelações
privadas de muitos santos conta-se que nas festas especiais de Nossa Senhora
Ela desce ao Purgatório, concede um grande número de graças e leva um número
enorme de almas para o Céu e, por outro lado, melhora as condições de muitas
almas que não leva para o Céu.
Isto nos dá um pouco a idéia do que
Ela faz na Igreja militante. Sua graça baixa sobre nós e nos obtém uma porção
de favores. É o momento de pedirmos a Nossa Senhora que nos conceda um favor.
Qual o favor que devemos pedir? Que
cada um se recolha um pouco, se concentre e peça uma graça qualquer.
Mas eu sugiro que esteja presente, de
modo especial, essa graça: de Nossa Senhora estabelecer com cada um de nós,
como que uma aliança especial. Como que constituir vínculos de uma filiação
especial na nossa relação com Ela, de maneira que nos tome debaixo de seu
amparo particular e que a esse título, nos cure da chaga da alma que Ela mais
entenda que nos deva curar. Às vezes não é bem o que imaginamos, mas outra
coisa. Aquilo de que mais necessitar nossa alma, que Ela nos dê nessa sua noite
de natal.
(“Conferência”, 08 de setembro de 1963)
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