quarta-feira, 17 de março de 2021

NOBREZA, HUMILDADE E A LÓGICA DE SÃO JOSÉ

 

Vou fazer um “Santo do Dia” com base num texto do livro “Suma dos dons de São José”, do Padre Isidoro de Isolano, dominicano do século XVI, um dos primeiros teólogos católicos a atacar Lutero. É um dos mais importantes doutores da teologia sobre São José. Essa ficha parece que contém dados muito interessantes sobre São José e o espírito da Contra-Revolução.

Aqui se trata do capítulo VII – “Objeções contra a nobreza de São José”:

  “Não está muito conforme com os mistérios das Sagradas Letras, essa nobreza de sangue tão louvada em São José”.

Aqui o autor trata de São José enquanto nobre de sangue. Sabemos que São José era, ao mesmo tempo, trabalhador manual, carpinteiro e como tal pertencente – ao menos do ponto de vista econômico – à camada mais modesta da sociedade. Mas de outro lado, ele era descendente do rei Davi, e de toda uma linhagem de reis de Israel. A Casa de Davi decaiu e, com o tempo, perdeu o trono, afastou-se do poder. Sua família continuou a morar em Israel, em Judá, mas cada vez menos influente, menos poderosa e menos rica. A tal ponto que, quando afinal, da raça de Davi nasceu Nosso Senhor Jesus Cristo, que era a esperança e a alegria de todo o povo, a Casa de Davi estava no auge de sua decadência. Os senhores vêem São José um trabalhador manual, um mero carpinteiro.

É bem verdade que nessas sociedades muito rudimentares as classes sociais e as classes econômicas não se diferenciam de um modo absolutamente tão nítido quanto nas sociedades mais desenvolvidas, e que nem sempre é um sinal de muita decadência econômica o fato da pessoa ter  pertencido a uma grande família e passar a exercer um trabalho manual. Eu conheço zonas do interior do Brasil, por exemplo, em que entre as melhores famílias do lugar há gente que é chauffeur de praça, carregador de estação etc., mas que depois se casa com ramos mais ricos da família e sobe de novo. Portanto, essa situação de São José não queria dizer necessariamente tanta prostração quanto seria um descendente de reis que chegasse a ser, hoje em dia, trabalhador manual.

Mas ao menos se pode dizer que era, na ordem econômica das coisas, o mínimo que uma pessoa pode ser. Esse era o São José. Então, São José Operário pode ser e deve ser cultuado enquanto operário, mas São José pode e deve também ser cultuado enquanto príncipe da Casa de Davi. É por essa razão que, falando a respeito de São José, o papa Leão XIII, que foi um dos Pontífices que mais inculcaram a devoção a São José, disse taxativamente que não só São José deve se cultuado também como modelo do príncipe, mas devia também ser o modelo, o ânimo, o estímulo de todos aqueles que pertencessem a grandes linhagens decadentes; para compreender como pela virtude, pela fidelidade a Deus essas pessoas podem erguer-se ao mais alto grau da santidade e podem realizar esplendidamente os desígnios da Providência sobre elas.

Esse Padre está exatamente analisando São José enquanto aristocrata. Então, diz:

“1º) São José foi  eleito para conhecer a verdade do Verbo de Deus. São Paulo disse: Não há, entre vós outros, muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Antes escolheu Deus a estultice do mundo para confundir os sábios, e a fraqueza para confundir os fortes. Logo, não se deve louvar a nobreza de São José escolhido por Deus”.

Ele adota o método de São Tomás de Aquino na Suma Teológica. Por exemplo sobre São José, São Tomás perguntaria: deve São José ser louvado também enquanto nobre? Então daria primeiro as razões pelas quais parece que não deve. Depois perguntaria: deve ser louvado como nobre? Parece que deve. São os argumentos positivos. Depois faria como quem está acertando uma conta  corrente, tem o débito e tem o crédito. E tiraria a conclusão no fim: se tais são os argumentos pró e tais argumentos contra, como responder? Então refutaria os argumentos da tese impugnada, faria alguma grande citação em abono da idéia dele – sobretudo citações da Sagrada Escritura – e depois tiraria a conclusão. É o método lógico perfeito.

Este autor adota esse mesmo processo. E começa por dar as razões pelas quais não se deve louvar a nobreza de São José. E aqui está uma razão tirada de São Paulo.

"Isso mesmo se confirma com a autoridade da glosa sobre essas palavras do Apóstolo: “O Deus humilde veio buscar os humildes e não os poderosos, entre os quais são considerados os nobres pelos mortais.”

No século XVI os nobres eram considerados poderosos. Na reviravolta das coisas de hoje, um diretor de sindicato é, o mais das vezes, mais poderoso do que um duque. Mas no século XVI o nobre fazia parte da categoria dos poderosos. Então, afirma ele: se é verdade que Nosso Senhor Jesus Cristo ao encarnar-Se não veio procurar os poderosos, não veio portanto procurar os nobres. Não há importância em ser nobre. Logo não se deve louvar São José enquanto nobre. É outro argumento.

  “3º) A humildade de Deus foi extrema na Encarnação. Mais humilhação era escolher um pai putativo pobre, do que um nobre. Logo, não deve exaltar-se a nobreza de São José".

Ou seja, Nosso Senhor Jesus Cristo veio para se humilhar. E, para se humilhar, Ele escolheu um pai putativo (da palavra latina putare, que quer dizer “imputado”, um pai a quem se atribui uma paternidade). Não era o verdadeiro pai. Portanto Nosso Senhor Jesus Cristo no estado de humilhação veio procurar um pobre. Então, não tem importância que esse pobre seja nobre. Ele não olhou para isso, mas só para o lado da pobreza. Ser nobre não vale nada. Como raciocínio está muito bem desenvolvido!  

 “4º) A nobreza não parece ser outra coisa se não antigüidade das riquezas, como disse Aristóteles. E José, pobre ao ponto de ter que exercer o ofício de carpinteiro para ganhar o pão de cada dia, não podia gabar-se de ser nobre”.

O argumento é interessante. Diz ele que, segundo Aristóteles, a verdadeira nobreza é ter uma fortuna muito antiga. Quem tem uma fortuna que passou por várias gerações, esse ficou nobre. Ora, São José não tinha mais fortuna, logo não era mais nobre. Logo não era o caso de louvar a nobreza dele.

Não sei se esses argumentos estão bem claramente expostos por mim. A mim parecem muito bem feitos; o autor sabia objetar bem! E deve fazer parte da destreza de nosso espírito que gostemos desse “florete” da argumentação, de ver argumentos ainda que sejam contra nossas teses e depois a resposta de nossas teses. É como uma esgrima, muito mais alta e bela do que a esgrima material: é a esgrima da inteligência. Aqui estão quatro estocadas bem desferidas contra nós. Vamos ver agora como o nosso bom Padre responde a essas estocadas.

“Para solucionar essas dificuldades, tenha-se em conta que a nobreza humana pode considerar-se em sua causa, em sua essência e em sua ação”.

Está bem lançado! Para responder, começa por ver o que é nobreza. Depois, desencaixar daí os argumentos contrários. E, para saber o que é a nobreza, ela deve ser considerada em sua causa, em sua essência e em suas ações. No que a causou, no que ela é e no que ela causa. Perfeito!  

“Considerando-a em sua causa, é a nobreza de origem, na que foi singularíssimo São José, pois tem sua origem numa tríplice dignidade: corporal, espiritual e celeste. Ou seja, uma dignidade real, sacerdotal e profética que é celestial, pois predizer o futuro é só de Deus. Davi foi rei, Abraão foi patriarca, Natan profeta e os três foram antepassados de São José”.

Ele está analisando a causa da nobreza. A causa da nobreza de São José foi porque ele descendeu de três espécies de varões diferentes, dignos a três títulos diferentes: o corpo, o espírito e as coisas celestes. São títulos bem escolhidos: nobre segundo o corpo é um dos elementos constitutivos de nossa personalidade; nobre segundo o espírito: a alma é o mais alto dos elementos constitutivos de nossa pessoa; nobre segundo as coisas de Deus, é mais alto ainda do que nós. E aqui está o universo. Porque  o que não diz respeito nem ao homem nem a Deus é  parte secundária e ancilar do universo. A parte principal é esta.

Então, vamos ver como São José era nobre segundo o corpo, segundo o espírito e segundo Deus. Ele era nobre segundo o corpo, porque era descendente de rei. Daqui a pouco vamos ver o que é isso.

Ele era nobre segundo o espírito porque era descendente de sacerdotes. Sabemos que os sacerdotes da Antiga Lei podiam casar. E era nobre segundo as coisas sobrenaturais, porque era descendente de profeta. Ora, o profeta prediz o futuro e predizer o futuro é uma coisa celeste. De maneira que descender de reis, profetas e sacerdotes essa é a mais alta nobreza que uma pessoa possa ter. É mais alto do que  descender só de reis, é mais alto do que descender só de sacerdotes, é mais alto do que descender só de profetas. Ora, diz ele, Davi foi rei; Abraão foi patriarca e, portanto, sacerdote (os patriarcas eram sacerdotes); Natan era profeta, e esses três foram antepassados de São José. É esplendidamente bem argumentado!

 Que relação há entre rei e corpo? O rei é o Chefe de Estado. O Estado cuida, entre os homens, daquilo que diz respeito ao corpo;  o sacerdote faz para a alma o que o Estado faz para o corpo. Ele cuida das coisas da alma, do espírito. O profeta é o representante de Deus, o porta-voz da palavra de Deus. Sobretudo se tratando – como é o caso – do profetismo oficial. Não é o profetismo como há na Nova Lei, que é extra-oficial. Mas é o profetismo de um homem mandado por Deus e cuja missão era garantida com milagres, e que falava oficialmente em nome de Deus, como o embaixador fala oficialmente em nome de seu rei.

Evidentemente isso é uma altíssima situação, uma altíssima missão. Então, São José tinha as três causas mais altas de nobreza, representativa dos três aspectos da vida do homem: o aspecto material, o aspecto espiritual e a representação de Deus. É muito bem tratado, superiormente inteligente!

Ele falou da nobreza na essência, na causa e na operação. Então:  

“São José era nobre em sua essência, quer dizer, na sua própria pessoa, porque encontramos nela tríplice nobreza: ele foi justo na sua alma, alcançou a dignidade de esposo da Rainha do Céu e teve ofício de pai nutrício do Filho de Deus”.

Realmente, os senhores peguem uma coisa lamentável: todos viram nos jornais, ou ouviram falar do divórcio desse fotógrafo, que se casou com a irmã da Rainha Elisabeth da Inglaterra, o Armstrong Jones. Antes de fazer o casamento, ele foi elevado à dignidade de Lord Snowdon, porque como quem vai se casar com a irmã da rainha tem que ficar nobre; a rainha lhe deu um título de nobreza para ele subir. Mas que pouca coisa é ser casado com a irmã da rainha, em comparação de ser casado com a Mãe de Deus! Se isso não constitui um nobre, e se o homem que se casou com a Mãe de Deus não é nobre então não há nobreza na terra. O estado dele é, por definição, um status nobiliárquico.

Nossa Senhora é Rainha do céu e da Terra não por uma alegoria, não apenas por uma imagem, mas Ela é a efetiva e autêntica Rainha do Céu e da Terra. Se a rainha Elisabeth fosse católica e reconhecesse, portanto, a realeza de Nossa Senhora, ela aparecendo diante de Nossa Senhora teria que se ajoelhar e colocar a coroa dela aos pés de Nossa Senhora. Porque onde Nossa Senhora está ninguém é rei, ninguém é rainha, Ela só é Rainha, Ela só tem todo o poder. Os reis e rainhas não são senão os representantes dEla. Ela é que manda, porque todo o poder que Deus tem sobre o universo, Deus deu a Ela. Ela é Rainha de todo o universo.

Ora, aquele que se casa com a Rainha de todo o universo é nobre evidentemente.

Mas notem a questão interessante: antes dele mencionar a nobreza de São José como fidalgo casado com Nossa Senhora, ele menciona a nobreza de São José porque ele era justo. Quer dizer, ele era um varão virtuoso que vivia na graça de Deus.

Aí temos uma tese muito interessante em matéria de nobreza: aos olhos dos homens, um nobre pode valer mais do que um plebeu; porque não está escrito na fronte de ninguém se ele está ou não na graça de Deus. Mas aos olhos de Deus, o plebeu em estado de graça vale incomparavelmente mais do que o nobre que esteja em estado de pecado. Quer dizer, o primeiro foro de nobreza é a graça de Deus.

De tal maneira que no Reino de Maria, se vier a haver novamente uma  nobreza, eu sou de opinião de que aqueles que vivam oficial e publicamente em estado de pecado, percam a nobreza.

Um rei que oficial e publicamente tem uma concubina, perde a nobreza. Porque um fato interior ninguém pode documentar. Se ele pecou interiormente, ninguém pode depor um homem por causa disso. Mas se pecou exteriormente, a mim parece razoável que perca a nobreza. Poderá reobtê-la depois? É uma coisa a se estudar. Enquanto ele vive em estado de pecado mortal oficial, em estado de vergonha, ele não é nobre, e seus filhos não podem ser.

Mas o comentador afirma bem: São José não foi apenas o Esposo de Nossa Senhora; ele foi o pai do Menino Jesus. Ora, ser o pai do Filho de Deus é a mais alta honra a que um homem possa chegar, depois da honra de ser a Mãe do Filho de Deus, que é, evidentemente, uma honra maior. Quer dizer, ele não só foi nobre porque se casou com Nossa Senhora, mas porque Nosso Senhor o investiu na mais alta função de governo que possa haver na terra abaixo de Nossa Senhora. O exercer uma alta função de governo, de acordo com os conceitos da sociedade tradicional daquele tempo, nobilitava, conferia nobreza.

Ora, ser o pai do Menino Jesus, governar o Menino Jesus e governar Nossa Senhora é mais do que governar todos os reis e impérios do mundo! Ora, isso não lhe veio só do casamento, Deus o escolheu para isso. Compreendemos então a nobreza excelsa que lhe vinha disso.  

"Também em suas obras ele deu provas, ao mundo inteiro, de uma singular  nobreza. Recebeu em sua casa o Salvador do mundo, O conduziu são e salvo através de vários países, O serviu e alimentou durante muitos anos com seus trabalhos e seus suores. Esses são os raios que emite a nobreza do santíssimo José, tornando-a mais resplandecente que  o mesmo sol”.

E, respondendo à primeira dificuldade – fazendo como São Tomás, ele deu sua tese, defendeu; agora vai destruir as teses contrárias – então toma a tese inicial de que entre os primeiros católicos havia poucos nobres. Respondendo à primeira dificuldade,  

“São Paulo se refere aos pregadores que levariam a fé ao mundo, que deviam ser de origem simples e humilde, para que não se atribuísse ao seu poder e sabedoria a dignidade das maravilhas que obrava a graça de Deus, mediante o ministério deles; restando daí glória à Cruz de Cristo. Por isso lhes disse a Glosa: se não houvesse um honrado pescador, teríamos poucos pregadores humildes.”

  O pensamento é o seguinte: era natural que entre os primeiros católicos houvesse poucos nobres, e daí não se tira  nenhum argumento contra a nobreza. Porque se entre os primeiros católicos houvesse muitos nobres, muitos poderosos, muitos ricos, dir-se-ia que o Evangelho conquistou toda a terra por causa do prestígio desses homens, muitos sábios. Mas não houve isso. Não houve nobres, nem sábios, nem ricos. Foram homens simples que conquistaram. De onde o milagre fica patente. E não é porque não gostasse da nobreza, ou não lhe desse valor, mas era para glorificar mais especialmente a Deus que foram escolhidos homens de uma condição modesta para esse primeiro passo. Está muito bem argumentado!

 Agora, vem outra razão:  

“Mas não era apropriado que o rei dos Reis convivesse na intimidade com quem não era nobre nem de espírito, nem de sangue”.

Essa é uma bomba terrível para o espírito igualitário de nossos dias. Não era conveniente, não era adequado que o Filho de Deus convivesse com um homem que não tivesse, ao mesmo tempo, as duas nobrezas: a da alma e a do sangue. Sangue: notem como ele coloca no galarim a nobreza do sangue.   “Não era razoável que aquele, a Quem servem milhões de Anjos, escolhesse por pai a quem não fosse nobre de linhagem; nem tão pouco que a Virgem escolhida por Mãe, e que admiram os moradores da Jerusalém celeste, fosse desposada por um homem de origem plebéia".

Isso é uma coisa de arrebentar o igualitarismo de nossos dias, mas é perfeitamente argumentado.  

“Sabemos que humildade não é incompatível com a nobreza, mas que, pelo contrário, é o seu melhor ornamento, pois quanto maior é um, tanto mais deve humilhar-se em tudo. Deus ama singularmente aos humildes. Assim disse a Santíssima Virgem: porque Ele olhou a humildade da sua serva, por isso todas as gerações me chamarão bem-aventurada.

Está muito bem argumentado. Ele diz que Deus de fato ama eminentemente a humildade, mas a humildade não é só a virtude dos plebeus; é também a virtude dos nobres, porque é a virtude dos grandes e também dos pequenos. O que é a humildade? A humildade é a verdade. E’ humilde daquele homem que olha para si, reconhece a verdade a respeito de si mesmo, se contenta com o que é, não quer ser mais nem menos do que é, porque Deus Nosso Senhor que manda nele, o colocou na posição que ele tem. Isso é ser humilde.

E por isso, uma pessoa pode ser muito humilde, embora sendo muito grande. E ele cita exatamente as palavras do “Magnificat”. Quer dizer, “porque olhou a minha humildade — diz Nossa Senhora — todas as gerações me chamarão bem-aventurada. Ele me colocou no ápice porque eu era humilde. Quer dizer, eu tinha a respeito de mim uma idéia perfeitamente precisa”.

Se a grandeza fosse incompatível com a humildade, colocando Nossa Senhora em tal grandeza Deus teria impedido Nossa Senhora de ser humilde. Ora, Ela foi humilde até o fim da vida, sendo a maior das meras criaturas. Logo, entre a grandeza e a humildade não há incompatibilidade. É um argumento que não permite réplica! É perfeito!

3º Argumento:  

“Constatamos que a Encarnação revelou a suprema humildade de Deus: 1º) o revestir-se da carne humana: “Ele se aniquilou, tomando a forma de servo”. 2º) Por sua humilde vida. “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração. 3º) pelas terríveis dores de sua Paixão: “olhai e vede se há dor comparável à minha dor”.

“Contudo, nem sempre apareceu no exterior com a mesma humildade, mas pelo contrário, mostrava sua grandeza quando convinha. Assim vemos que Ele ensinou com autoridade, fez milagres e ressuscitou vitorioso dentre  os mortos”.

Também está muito bem argumentado. Ele diz: tanto é verdade que a grandeza e a humildade não se excluem, que em Nosso Senhor tiveram uma aliança admirável. Ninguém na vida  foi mais humilde do que Nosso Senhor Jesus Cristo, mas ninguém teve grandeza maior do que a dEle. E o autor mostra três formas da grandeza de Nosso Senhor. O ensinamento de Nosso Senhor: ensinar é um atributo de grandeza.

De outro lado, mostra o poder de fazer milagres de Nosso Senhor, a ponto de ressuscitar um morto. É manifestar uma grandeza que ninguém tem. Quando é que qualquer potentado da terra, no auge de seu poder, ressuscitou um morto? Só Deus pode fazer.

Mas, terceiro, ressuscitou-se a Si próprio, o que é ainda muito maior. Porque estando morto, ressuscitar-se a si próprio, essa é uma grandeza que desafia qualquer palavra! Então, aquele que foi o mais humilde de todos foi o maior; logo, a humildade não é incompatível com a grandeza. Não há o que dizer, está perfeitamente respondido!  

 

“Mais ainda: A humilhação de Deus na Encarnação não teria sido maior por escolher um pai de origem humilde. Foi extrema a humilhação e nada poderia acrescentar-se à humildade da divindade revestir-se da natureza humana”.

Ele diz que falar que Nosso Senhor se humilhou muito sendo filho de operário, é uma coisa inteiramente secundária. Humilhação verdadeira foi o Filho de Deus ter consentido em ficar homem. É verdade, o Filho de Deus consentir ficar homem, o resto é o que? Esse autor é muito inteligente!  

“Por último, foi pobre em bens de fortuna, mas não na excelência de sua pessoa, que é o verdadeiro fundamento da nobreza, como já foi declarado.

“Além disso ele careceu do supérfluo, mas não do necessário; nem tampouco se opõe à nobreza o ganhar o pão com o suor de sua fronte. Antes, o trabalho evita a degradação, e ninguém pode glorificar-se de sua nobreza se não souber cobrir suas necessidades com o trabalho de suas mãos.

“A natureza, que dá essa nobreza aos homens, aborrece a ociosidade, combatendo-a com todas as suas forças. E assim dizia Aristóteles: Todo o que trabalha ordena sua operação ao obrar. O trabalho tem a si mesmo por seu próprio efeito; e também Deus e a natureza nada fazem inutilmente”.

O princípio que desenvolve é muito interessante. Afirma ele que o trabalhar com suas próprias mãos de si não destrói a nobreza, porque não há uma incompatibilidade radical da nobreza com o trabalho manual. O trabalho manual não é uma vergonha, não é um pecado. Um nobre pode estar reduzido à condição de trabalhador manual mas, com isso, não perde a sua nobreza. Ele pode readquirir, de futuro, a sua nobreza, porque [não cometeu uma] ação vexatória [ou] uma ação criminosa.

São José foi assim. O que fez com seu trabalho manual foi tudo quanto havia de mais nobre e de mais alto e, por causa disso, não se pode dizer que ele tenha desmerecido da nobreza de seus antepassados trabalhando manualmente.

Quando eu estava imobilizado por causa do desastre, eu li um livro sobre a nobreza – aliás, é o único livro que me caiu nas mãos, até hoje [1976] – direta e exclusivamente sobre a nobreza, e muito mal escrito, porque o autor (professor de uma pequena Universidade de Paris) reconhece que, expressamente sobre a nobreza, quase não há livros. O que, aliás, é um escândalo! Porque era uma das três classes sociais da antigüidade; isto mostra o facciosismo de certos estudos históricos.

Mas esse professor narrava que em certas regiões da Europa havia essa delicadeza de alma: quando um homem de uma família nobre perdia a fortuna e era obrigado a trabalhar com suas próprias mãos, não se dizia que ele tinha perdido a nobreza; dizia-se que sua nobreza estava “en sommeil” (em estado de sono) — expressão muito bonita! — e que ela despertaria no dia em que suas condições materiais lhe permitissem viver no estado nobre. É linda a expressão!

É um infortúnio: ficou pobre, está trabalhando. Mas não está fazendo nada degradante. É verdade que não fica bem dizer-se a um copeiro, por exemplo: “Alteza, me traga uma [água mineral de marca] Caxambu...” A nobreza dele entrou em estado de sono; ela está como que dormindo dentro dele. Mas as circunstâncias melhorando, sua nobreza refloresce.

De maneira que o comentarista aplica isso à nobreza de São José. É perfeitamente bem pensado, bem concluído, bem articulado!

Eu vi com alegria que vários dos srs. – enquanto eu fazia o comentário do texto desse Padre a respeito de São José – faziam expressões de fisionomia que indicavam adesão e satisfação, não só pela tese que o Padre sustenta, mas também alegraram-se em ver a agilidade da argumentação dele.

Os senhores me permitirão que neste “Santo do Dia” eu trate de uma coisa que está à margem do tema, mas não está à margem de nossa reunião. Aqueles dos senhores que tiveram algum prazer em ouvir a argumentação desse Padre, por onde os senhores, enquanto prestavam atenção na argumentação dele, se esqueceram das preocupações e dos aborrecimentos da vida de todos os dias [queiram levantar o braço]...

Agora os srs.  são convidados a fazer uma comparação entre a “alegria” que dá a “torcida” [o frenesi] e a alegria que dá o raciocínio. A “torcida” que uma pessoa inclemente e pouco cerimoniosa chamaria o vício da geração-nova: “vai acontecer, ou não vai... torce...”. Comparem a “alegria” que pode dar a “torcida” com essa alegria que dá essa serenidade da alma, quando o homem está no estado de repouso, de distensão, e acompanha o passo majestoso e cadenciado dos argumentos que se seguem uns aos outros como uma bonita parada; em que ele aprecia o gume da cada arma da lógica, e tem esse prazer soberano que é de ver a arma da lógica entrar na carnatura do erro e fender. É bonito isso! Os srs.  estão vendo uma posição errada, que ele menciona na tese impugnada, depois vem o argumento como o bisturi de um médico magnífico. Entra e talha, corta o tumor e o organismo respira satisfeito.

Magnífico! O mal ficou inutilizado, ficou prostrado, ficou arrasado. Assim é que fez a lógica! Clara, precisa, elegante como um Anjo, mas que dardeja um raio sobre o erro e o liquida. Isto é bonito!

Então, a gente ver o erro apresentado com todos os seus enfeites, seus adornos; mas depois verem a lógica que joga o erro no chão com uma sapecada certa, um  golpe certo. Isso é bonito! Analisá-lo é fonte de um dos maiores prazeres que na vida se tem.

São Tomás de Aquino dizia que sem um mínimo de prazer o homem não pode viver. E ele tem evidentemente toda a razão nisso. Mas é preciso encontrar o prazer onde ele está. Não quer dizer ligar a televisão dez minutos por dia, porque do contrário morre... Mas é procurar o prazer do espírito, onde de fato o prazer está!

Então, aqui fica um pequeno conselho aos senhores. E esse elogio da lógica seja feito a São José, tão lógico, tão coerente, que levou a lógica ao verdadeiro heroísmo durante sua vida.

Qual foi um lance da vida de São José em que ele levou a lógica até o heroísmo? Foi o episódio muito conhecido, quando ele viu que Nossa Senhora tinha concebido um filho do qual ele não era pai. O Evangelho aborda o assunto. Ele foi colocado diante de uma situação absurda, pois Nossa Senhora era evidentemente santa. Disso ele não podia duvidar, porque a santidade dEla reluzia de todos os modos possíveis. Mas, de outro lado, estava criada uma situação que ele não conhecia, e com a qual ele não podia conviver. Em vez de denunciá-La como ordenava a Lei hebraica, ele pensou na única saída lógica: “Quem está de mais nesta casa não é essa Mãe, que aqui é a dona e rainha; nem o filho que Ela concebeu. Alguém está de mais, e esse alguém sou eu. Vou abandonar a casa e sumir. Não compreendo tal mistério, mas contra ele não me levantarei. Passarei meus dias longe, venerando o mistério que não entendi”.

E resolveu, quando fosse meia-noite, abandonar a casa, fugir, deixando Nossa Senhora com o fruto de suas entranhas.

Considerem a calma de São José. Essa calma, só os homens lógicos a têm. Ele tinha que abandonar o maior tesouro da Terra, que era Nossa Senhora. E isso representava um sofrimento imenso, inimaginável. O Evangelho narra que ele estava dormindo, quando apareceu o anjo em sonho e lhe deu a explicação.

Andando ele com isto no pensamento, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos, e lhe disse: José, filho de Davi, não temas receber em tua casa Maria, tua esposa, porque o que nela foi concebido é (obra) do Espírito Santo. Dará à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados" (Mt 1, 20-21).

Assim, antes desse lance tremendo, São José dormia. Ele ia viajar e deveria preparar-se, repousando para tal viagem. Vergado por um enorme sofrimento, entretanto ele dormia. O anjo apareceu-lhe e explicou a situação. Ele continuou o sono. Amanheceu e a vida prosseguiu normalmente. Suma normalidade, suma coerência, suma lógica! Em louvor da lógica de São José, este rápido comentário que representa um elogio à lógica.

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

(Santo do Dia, 19 de março de 1976)

 

 

 

Um comentário:

Alexandre disse...

Absolutamente maravilhoso