Várias são as invocações da Bondade divina de Nosso Senhor, todas elas sob a denominação do Bom Jesus, e todas representadas por Ele pregado na Santa Cruz. Por que? Porque foi desta forma que Nosso Senhor consumou sua Bondade no ponto mais alto, expressão última de suas perfeições divinas. A maldade humana junto com a diabólica tramou de tudo para ocultar sua Bondade: pregou-lhe as mãos e os pés (que tanto bem fizeram aos homens) no madeiro, desfigurou Seu semblante com uma ignóbil e torturante coroa de espinhos, expôs Seu sagrado corpo à nudez e aos açoites. Mas refulgiu mais ainda Sua infinita Bondade quando deixaram abrir seu peito e mostrar Seu Coração Sagrado, com uma ferida enorme aberta, derramando sobre os homens e toda a Criação uma torrente infinita de graças.
Nos momentos finais de Seu martírio, achou Ele oportunidade para praticar os atos mais representativos de Sua Bondade. Ao ver-se despido e carregado aos tropeços para ser pregado na Cruz, dirigiu a oração de misericórdia para os seus esbirros, dizendo: “Perdoai-os, pois não sabem o que fazem”. Estava implícito que aqueles que “sabiam o que fazem” não estavam incluídos naquele perdão. Para estes, a Santíssima Trindade previra o primeiro juízo (o da “ligadura” ou apego aos pecados), pois assim tais pessoas ficariam aferradas aos pecados e despojados dos dons da graça. São Boaventura define sete tipos de juízos de Deus sobre a pessoa humana[1]. Destaca ele assim quais são tais juízos: sete são, com efeito, os juízos de Deus: seis são na vida presente, e o sétimo é na morte, e este se duplicará. – O primeiro juízo de Deus é o da ligadura; o segundo juízo é o da obcecação; o terceiro juízo é o da obstinação; o quarto juízo é o do abandono; o quinto juízo é o da dissipação; o sexto juízo é o da desesperação; o sétimo é o da condenação.
No momento de Sua morte, como supremo Juiz,
Nosso Senhor Jesus Cristo deixa patente exercer desde então seu juízo sobre
todos aqueles que estavam à sua volta, embora não fosse ainda o momento de
julgá-los publicamente, pois trata-se de um juízo diferente como se vê adiante.
Por um gesto magnânimo, entregou Sua Mãe aos
cuidados do discípulo que mais amava, São João, dizendo: Mulher eis aí teu
filho; filho, eis aí tua Mãe. Nosso Senhor entregava Sua Santa Mãe para que
adotasse os homens de bem, os filhos da luz, representados por São João. Estes, sob a proteção de Maria, ficariam
livres do juízo da obcecação,
castigo que só seria imposto aos hereges, cismáticos e ímpios, os quais não têm
Maria por mãe.
Um dos ladrões, de coração duro como pedra,
dizia: “Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós”. De quem tinha ele
ouvido tal frase? Da turba de fariseus que estavam aos pés das cruzes
blasfemando contra Cristo, cujos corações eram tão duros quanto o do mau
ladrão. Esta dureza de coração era o
castigo por causa de seus pecados, “o terceiro juízo” divino sobre aquele
povo.. Quanto ao outro ladrão, inspirado pelo Espírito Santo, rebatia tal
dureza com o temor de Deus: “Nem sequer temes a Deus, estando na mesma
condenação? Quanto a nós, é de justiça; estamos pagando por nossos atos; mas
ele não fez nenhum mal”. E acrescentou: ”Jesus, lembra-te de mim, quando vieres
com teu reino”. Ele respondeu: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no
paraíso” (Lc 23, 39-43). São Dimas referiu-se ao “teu reino” no momento da morte, aspirando portando o
eterno. Provavelmente ouvira Nosso Senhor dizer a Pilatos: “o meu reino não é
deste mundo”. Surgia naquele instante a vocação mais fulminante da História: em
breves momentos o homem se converte, se santifica e se salva.
O brado do abandono, “Eli Eli l’ema
sabactha’ni”, meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes! É em parte um
lamento porque o Corpo e Alma de Cristo, assim como Seu Corpo Místico ali
presente ao pé da Cruz, haviam sido abandonados, estavam entregues à própria
sorte. Mas, na realidade, trata-se de um salmo de Davi, que se inicia com um
lamento e termina como canto de vitória: “Ó meu Deus, olha para mim, por que
me desamparaste?”. Provavelmente, Nosso Senhor continuou a rezar o salmo
silenciosamente, que termina assim: ”A geração que há de vir será anunciada
ao Senhor, e os céus anunciarão sua justiça ao povo que há de nascer, e que o
Senhor formou” (Sl 21), quer dizer, “a geração que há de vir” era a Santa
Igreja que ali nascia. Este desamparo
não pode ser comparado com o quarto
juízo de Deus, o qual expõe o pecador sujeito às tentações e ao pecado
porque se apegou a ele, enquanto que o desamparo a Cristo foi apenas o abandono
do conforto material e humano. Estavam “ipso facto” entregues ao abandono da
graça divina todos os que não pertencessem à Igreja.
Do alto da Cruz, Nosso Senhor lança o brado:
tenho sede! Enquanto manifestava Ele ali sua sede de almas, a Santíssima Trindade
julgava o povo deicida com o juízo da
dissipação, pois haviam recebido os dons para obrar o bem e só obravam o
mal, e nele havia morrido aquela sede de almas. A partir daquele momento, nada
mais conseguiriam amealhar de quaisquer bens, sejam caducos ou, principalmente,
espirituais. O povo deicida, por haver rejeitado a Graça, tornou-se dissipador
e nada juntou, estando sujeito aos castigos que lhe vieram com a dispersão pelo
mundo, o que se chamou depois de diáspora. A sentença ou juízo foi dada com o
Profeta Malaquias: “Por isso,
como não guardaste os meus caminhos, e, quando se tratava de sentenciar,
segundo a minha lei, fizestes acepção de pessoas, também eu vos tornarei
desprezíveis e vis aos olhos de todos os povos”. (Mal 2, 9).
Por duas vezes Nosso Senhor dirá a frase:
“Está consumado!” A primeira foi do alto
da cruz e a segunda será no Juízo Final, conforme consta no Apocalipse: O
sétimo anjo derramou a sua taça pelo ar, e saiu uma grande voz do templo
(vindo) do trono, que dizia: está feito (Ap. 16, 17). A Obra divina
estava consumada eternamente, a Igreja estava ali nascendo. Judas deve ter
caído no juízo da desesperação neste momento, assim como muitos dos judeus
deicidas. Era o sexto juízo de Deus para muitos. Em breve os túmulos iriam abrir-se
para os Santos profetas acusá-los de seus pecados
Finalmente, o Salvador lança o brado final:
“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Com esta entrega, Nosso Senhor
conquista por seu próprio mérito o título de Juiz, com que Ele mesmo se proclamava
de “Filho do Homem”. Todo pecador
passava a ficar sob seu julgamento no momento da morte, podendo obter d’Ele a
condenação ou a salvação eterna. Junto
com o Salvador, os Profetas e Santos Patriarcas abriram seus túmulos para
exercerem o último julgamento sobre aquele povo. O espectro da morte vem à
mente de todos naquele momento, seja através do eclipse, do terremoto ou dos
corpos ressurrectos. Eram recursos extremos da graça divina para despertar
naqueles homens o Temor de Deus. Para aquele que nada disso surtia efeito, caia
o juízo da condenação eterna.
“Cristianus alter Christus”
Nosso Senhor
Jesus Cristo é o nosso Modelo máximo de perfeição, é a forma acabada e perfeita
da Bondade que devemos seguir para cumprirmos nosso destino aqui na terra. Devemos procurar imitá-Lo em tudo, fazendo
d’Ele um exemplo para que possamos como que nos identificarmos com Ele.
Repetimos apenas antiga fórmula de ascética cristã: “Cristianus alter Christus”, o cristão deve ser um outro Cristo, Isto é, deve procurar imitá-Lo em tudo. Devemos procurar praticar uma bondade que se assemelhe com a d’Ele, embora saibamos que, como meros homens pecadores, nunca chegaremos a atingir a milionésima parte de sua infinita perfeição.
O doce e santíssimo nome de
Jesus
Encerremos este capítulo com as palavras de
São Bernardino de Sena:
“Deram-lhe o
nome de Jesus” (Lc 2, 21)
“Ainda que
seja inefável o nome santíssimo de Jesus que foi imposto na Circuncisão a
Cristo Senhor, Redentor do gênero humano, todavia para não nos calarmos completamente
em tão grande solenidade, alguma coisa apresentaremos em louvor e glória de tão
grande nome, diante do qual “todo o joelho se dobra nos Céus, na Terra e nos
Infernos” (Fil. 2, 10). Porque tão
grande é a consolação da alma que se alegra em Cristo, que a pobreza se torna
como riquezas, a aspereza como delícias e a vileza como honras, e pelo Seu nome
todos os suplícios se fazem para ela
doces.
“Na verdade,
diz-se por causa desse nome: “Saíram da sala do Sinédrio cheios de alegria por
terem sido considerados dignos de sofrer vexames por causa do nome de
Jesus” (At 5, 41). Portanto, se mergulha
na tua mente o negrume da tristeza, se está iminente uma grave e violenta
tempestade, se as costas do mar ribombam com terrível e horroroso mugido, se
são batidas as praias do oceano, e se também a nau está invadida pelas ondas,
invoca Jesus, que se julga estar a dormir nos navios, mas é um Jesus que nem
dorme nem dormita; e com toda a Fé diz-lhe: “Levanta-te, Senhor Jesus!” (Sl 3, 7).
“Oh nome de
Jesus exaltado acima de todo o nome, oh gozo dos Anjos, oh alegria dos justos,
oh pavor dos condenados: em Vós está a
esperança de qualquer perdão, em Vós toda a esperança da indulgência, em Vós
toda a expectativa de glória. Oh nome dulcíssimo, Vós dais perdão aos
pecadores, renovais os costumes, encheis os corações de doçura divina. Oh nome
desejável, nome admirável, nome venerável, Vós, nome do Rei Jesus, assim
levantais ao mais alto dos céus os espíritos, que todos os que principiam a ter
devoção a este nome, graças a Ele encontram a glória e a salvação, por Jesus
Cristo Nosso Senhor. [2]
[1] Ver tópico sobre o Temor de Deus, em “Obras de San Buenaventura – BAC – vol. V – fls. 372/392”.
[2] Homilia de São Bernardino
de Sena sobre o santíssimo nome de Jesus
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