Na maioria dos povos que cercavam os hebreus o que predominava eram costumes e leis antinaturais, muitas das quais ainda oriundas de Hamurabi, um antigo rei babilônico. Nosso Senhor condena-as ao dizer: “Ouvistes que foi dito: “Olho por olho, e dente por dente”. Eu, porém, digo-vos que não resistais ao que é mau; mas, se alguém te ferir na tua face direita, apresenta-lhe também a outra...” (Mt 5, 38), numa alusão clara àquelas leis que, aliás, foram adotadas também por Moisés.
Por exemplo,
entre os assírios havia o costume de furar os olhos dos inimigos vencidos na
guerra e depois transformá-los
De modo geral, as mulheres eram oferecidas como objeto de uso do prazer para tais cultos. Quanto aos homens, tinham de oferecer aos ídolos aquilo que tinham de mais precioso na concepção deles. Assim, entravam no templo ao som de uma música de ritmo forte e alucinante. A multidão que assistia ao espetáculo se alucinava com a música e as danças dos rituais. Alguns homens se aproximavam, então, do altar ao som frenético daquele ritmo e, pegando de uma espada, se amputavam com as próprias mãos. Banhados em sangue saíam a correr pela cidade. Outros sacrifícios idolátricos assim desumanos e cruéis são hoje descritos por modernas descobertas dos pesquisadores.
Abaixo um resumo do Pe. Berthe sobre o que poderia ter ocorrido com a opinião pública, inteiramente pagã ou descrente daqueles princípios tão belos e tão opostos da vida que levava:
“Ora,
num relance de olhos pelo mundo, via Jesus que todos povos, Judeus e Gentios,
adoravam, na presença do verdadeiro Deus, divindades falsas: personificações
vergonhosas dos vícios que lhes manchavam os corações. Os seus deuses e deusas
eram a soberba, a avareza, a luxúria, a inveja, a ira, a gula e a preguiça. Em
vez de procurar as bênçãos de Jeová, o próprio judeu pensava encontrar a
felicidade na satisfação das paixões. O fariseu embriagava-se de glória humana,
o saduceu com prazeres ignóbeis, e todos amavam o ouro e a prata mais que a
Lei, mais que ao mesmo Deus.
“E tamanha era a perversão da natureza
humana que, no momento em que ia a estabelecer o Reino de Deus, ouvia Jesus
ecoar por toda a parte: no Oriente e no Ocidente, em Jerusalém como em Roma, o
canto dos idólatras:
‘Felizes dos ricos, que dispõem à sua
vontade dos bens deste mundo.
‘Felizes dos poderosos, que reinam sobre
milhares de escravos.
‘Felizes dos que não conhecem as lágrimas, e
cujos dias se passam em prazeres e diversões.
‘Felizes dos ambiciosos, que se podem saciar de dignidades e honras.
‘Feliz do
homem do prazer, saturado de festins e volúpias.
‘Feliz do homem sem piedade, que pode
satisfazer a vingança, esmagando aos seus inimigos.
‘Feliz do homem de guerra e de carniceria,
que esmaga sob os seus pés aos povos vencidos’.
‘Feliz do tirano, que oprime o justo na
terra e nela destrói o reino do verdadeiro Deus’.
“Tais eram, havia séculos, os cantos dos
filhos do velho Adão.
“As turbas apinhadas sobre o monte não conheciam outros princípios sobre a felicidade, e muitos perguntavam, havia tempo, se estas máximas corriam no Reino de que Jesus se dava por fundador. Esperavam com impaciência que se explicasse afinal bem claro sobre as disposições requeridas para fazer parte dos seus verdadeiros discípulos. Assentado num outeiro donde dominava a multidão, tendo junto de si os apóstolos, e à volta deles o povo em círculo, tomou o Salvador a palavra, e não receou opor às pretendidas felicidades do homem decaído, aquelas divinas bem-aventuranças, que nenhuma boca humana tinha ainda proclamado.
“Bem-aventurados
os pobres, verdadeiramente desprendidos dos bens deste mundo, porque deles é o
Reino dos Céus.
“Bem-aventurados os que choram, porque serão
consolados.
“Bem-aventurados os que são benignos para
com seus semelhantes, porque possuirão a terra dos eleitos.
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de
justiça, porque serão fartos.
“Bem-aventurados os misericordiosos, porque
alcançarão misericórdia.
“Bem-aventurados os limpos de coração,
porque verão a Deus.
“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão
chamados filhos de Deus.
“Bem-aventurados os que sofrem perseguição
por amor da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.
“Sim, sereis bem-aventurados, quando os
homens vos amaldiçoarem e perseguirem, e quando mentirosamente disserem contra
vós toda a casta de males, por minha causa.
“Regozijai-vos então e rejubilai, porque a vossa recompensa
será grande no Céu.
“E lembrai-vos também de que assim foram
tratados os profetas que antes de vós viveram”. [1] .
A Doutrina de Nosso Senhor não se atinha somente aos princípios enunciados no Sermão da Montanha. Ato contínuo, foi Ele explicitando outros princípios (chamados comumente de Conselhos Evangélicos), todos eles em geral contraditando com o paganismo ou com o judaísmo decadente: “Vós sabeis que se deu a vossos pais aquele mandamento: Não matareis; e quem fizer um homicídio será condenado pelo tribunal. Mas eu digo-vos: Todo o que se encolerizar contra o seu irmão, será condenado pelo supremo Conselho; e todo o que apodar ao seu irmão de ímpio dementado, será lançado na geena de fogo”. Disse mais: “Ao apresentar vossa oferta ao altar, se vos lembrardes de que o vosso irmão tem alguma coisa contra vós, deixai ali a vossa oferta, e ide primeiro reconciliar-vos com vosso irmão: vireis depois apresentar a Deus a vossa oferta. Do mesmo modo, põe-te em bons termos com o teu credor antes de chegar ao tribunal: porque doutra sorte, se o molestas, ele te entregará ao juiz, o juiz ao executor, e serás lançado na prisão donde não sairás antes de pagar a dívida até o último ceitil”.
De todos os mandamentos, Nosso Senhor foi tirando deduções e aplicações práticas para a vida social, a fim de que as pessoas ao praticá-las estivessem preparadas para o Seu Reino aqui na terra, que era o protótipo do Reino dos Céus. Sobre o nono mandamento, por exemplo, disse: “Sabeis do mandamento dado aos antepassados: Não adulterarás; Mas eu digo-vos: Quem olhar para mulher com mau desejo, já cometeu adultério no seu coração”. Não só isso, disse mais que se um órgão escandaliza é melhor cortá-lo “porque mais vale perder a vista ou a mão do que ir com todos os membros para geena do fogo”, isto é, o inferno. Condenou também o divórcio, autorizando a separação dos esposos apenas em caso de infidelidade, mas sem se contrair novas núpcias; o juramento inútil, tão comum entre os judeus; a lei de talião, “olho por olho, dente por dente”, etc.
Os fariseus não consideravam ao estrangeiro como irmão, nem ao inimigo como o seu próximo, sendo lícito então detestar ou maltratar aqueles seres “inferiores”. Parece até que têm sucessores nos ricaços e nas elites decadentes dos dias atuais. Parecendo falar para os dias futuros, Nosso Senhor não deixou entretanto de proclamar: “Sabeis que foi dito: Amarás a teu próximo e odiarás a teu inimigo. E eu digo-vos: Fazei bem ao que vos odeiam, e orai pelos que vos perseguem e caluniam, para que assim sejais filhos do vosso Pai Celeste, que faz nascer o sol para bons e maus e descer a chuva sobre justos e injustos. Se amais só aos que vos amam, que recompensa mereceis? Não fazem outro tanto os publicanos? E se não saudais mais que aos vossos irmãos, em que vos distinguis dos outros? Não fazem outro tanto os pagãos? Ora bem! sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”. E assim, os discursos do Messias procuravam ditar conselhos novos para a aplicação de uma Lei antiga, sem desta forma modificá-la mas, ao contrário, fazer cumpri-la mais eficazmente.
[1] Pe. Berthe - “Jesus Christo, Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo” – Estabelecimentos Benziger & Co. S.A., Einsiedeln, Suíça 1925, págs. 142/143
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