sábado, 22 de agosto de 2020

O SENTIDO DE REINO DE DEUS NA SAGRADA ESCRITURA

 


Quando se fala em “Reino” vêm-nos logo à memória os termos “império”, “conquista”, “soberania”, etc. Mas, há diferenças. Imperar é exercer a regência com imposição da vontade do regente sobre os demais; conquistar é o ato de tirar a regência atual e impor uma nova; soberania é o exercício do poder sobre os outros, nem sempre pacífica. No caso da regência perfeita, o “Reino” deve ser o sistema em que o regente exerce sua função de uma forma autêntica e legítima, contando, inclusive, com a plena concordância dos regidos. Foi tal tipo de regência e de Reino que Jesus Cristo veio trazer ao mundo. Ele assim o definiu ao dizer: “O Reino de Deus está entre vós...”. Quer dizer, antes de tudo, no interior de cada homem, mas devendo refletir-se em toda a sociedade.

Havia, pois, um tipo de reino, ou regência da sociedade humana, que estava em ruínas e um outro que estava surgindo. Ambos os reinos não se mediam somente pela natureza humana, mas conjuntamente – a humana e a divina. São João Batista foi o primeiro a proclamar a chegada do novo reino, dizendo “...está próximo o reino dos céus”, indicando não somente aquele reino interior que Deus deve ter sobre os homens, mas também sobre toda a sociedade conjuntamente. Nosso Senhor Jesus Cristo se referiu a seu reino várias vezes, dizendo sempre que o mesmo “não é desse mundo”. Quer dizer, não era um reino daquele mundo pervertido, daquele mundo decadente e imoral, mas de um outro mundo que fosse conforme à vontade divina. É bem verdade que vale também o outro sentido: o Seu Reino é antes de tudo espiritual e eterno, cujo império completo é reservado para a outra vida. Mas, exatamente por isso, é que ele deve prevalecer já desde a vida atual.

No Antigo Testamento há várias referências a um suposto poder temporal do Reino de Deus:

“Pede-me, e eu te darei as nações em tua herança, e estenderei o teu domínio até as extremidades da terra. Governá-la-ás com uma vara de ferro, e quebrá-la-ás como vaso do oleiro. E agora, ó reis, entendei; instruí-vos vós que julgais a terra”. (Sl 2, 8-10)

“Com tua glória e tua majestade, caminha, avança vitoriosamente, reina, por meio da verdade, da mansidão e da justiça” (Sl 44, 5)

“O teu trono, ó Deus, subsistirá por todos os séculos; o cetro do teu reino é cetro de retidão” (Sl 44, 7)

“Porque aqui está Deus, o nosso Deus para sempre, e pelos séculos dos séculos; ele reinará sobre nós eternamente”.(Sl 47, 15).

“O Senhor fará sair de Sião o cetro do seu poder; domina no meio dos teus inimigos” (Sl 109, 2)

“Este povo que andava nas trevas viu nascer uma grande luz; aos que habitavam na região da sombra da morte nasceu-lhes o dia. Multiplicaste a gente e não aumentaste a alegria. Eles se alegrarão quando tu lhes apareceres, como os que se alegram no tempo da messe, e como exultam os vencedores com a presa que tomaram, quando repartem os despojos. Porque tu quebraste o pesado jugo que o oprimia, a vara que lhe rasgava as espáduas e o cetro de seu exator, como o fizeste na jornada de Madian. Porque todo o despojo feito com violência é tumulto, e a vestidura manchada de sangue serão queimados e ficarão sendo o pasto do fogo.

“Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado e foi posto o principado sobre o seu ombro; e será chamado Admirável, Conselheiro, Deus forte, Pai do século futuro, Príncipe da paz. O seu império se estenderá cada vez mais e a paz não terá fim; sentar-se-á sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o firmar e fortalecer pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre; fará isto o zelo do Senhor dos exércitos”  (Is 9, 2-7).

“No tempo [quer dizer, no final], porém daqueles reinos suscitará o Deus do céu um Reino que não será jamais destruído, e este seu Reino não passará a outro povo; antes esmigalhará e aniquilará todos estes reinos e ele subsistirá para sempre [ou, até o fim do mundo]. Segundo o que viste que uma pedra foi arrancada do monte sem intervir mão de (homem) e esmigalhou o barro, o ferro, o cobre, a prata, o ouro, com isto mostrou o grande Deus ao Rei o que está para vir nos tempos futuros” (Dan 2, 44-45)

Essa imagem do Reino de Deus aplica-se, neste mundo, à Santa Igreja Católica, mas, há um sentido de reino temporal que aplica-se também a ele, que será a construção de uma Civilização inteiramente adequada e conforme os princípios da mesma Igreja, isto é, um reino temporal em que se viva inteiramente o Evangelho, conforme previu Santo Agostinho em sua famosa obra “A Cidade de Deus”. Será quando cumprir-se-á a frase do Salmo: “Os reis de toda a terra hão de louvar-vos, ó Senhor” (Sl 137, 4). É na direção dessa última conclusão que nos envia o comentário do Profeta Daniel, quando disse que o reino de que fala destruirá todos os outros (ele fala dos reinos temporais então existentes) e subsistirá para sempre. “Para sempre”, quer dizer, vigorará tanto neste mundo como no outro porque será um reino destinado a levar as almas para o Céu Empíreo, onde os homens também regerão. A Igreja Católica existe também não somente neste mundo material (como militante) mas no outro (como gloriosa e padecente).

 

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