Plínio Corrêa de Oliveira
Santa Joana de Chantal viveu de 1572 a 1641. Foi
canonizada em 1769. Viúva do Barão de Chantal, ela fundou com São Francisco da
Sales a Ordem da Visitação. Foi avó da famosa Madame de Sevigné.
“Chegado o dia de sua partida, Santa Joana, que era
viúva, devia deixar os seus familiares para ir para o convento que ela ia
fundar. A santa viúva, que morava com seu sogro, Barão de Chantal, ajoelhou-se
pedindo-lhe a bênção e pediu que a perdoasse se lhe desgostara em alguma coisa,
e recomendou-lhe seu filho. O ancião de 86 anos estava inconsolável; abraçou
sua nora e desejou-lhe completa felicidade. Os habitantes da região de
Monthelon, sobretudo os pobres, acreditando que com essa partida tudo perdiam, testemunhavam
publicamente a sua dor”.
“Em Dijon ela fortificou-se com a Santa Comunhão
contra a fraqueza que ela previa aproximar-se quando da separação de seu filho.
Enfim, chegando a hora disse adeus a todos os seus parentes. Depois,
ajoelhando-se aos pés de seu pai, pediu-lhe a bênção e que cuidasse do filho
que ela deixava. Monsieur Frémyot, o velho presidente do parlamento da
Bourgogne, que era pai dela, sentiu-se desfalecer. Abraçou chorando a sua filha
e disse: ‘Meu Deus, não me pertence mudar os Vossos desígnios. Entretanto eu
Vos ofereço esta filha querida, recebei-a e consolai-me’. Depois lhe deu a
bênção e a ajudou a erguer-se.
“O jovem Chantal, seu filho de 15 anos, correu para
ela e prendeu-se a seu pescoço esperando comovê-la. Não tendo êxito, deitou-se
ante a porta por onde ela deveria sair e lhe disse: ‘Sou muito fraco, senhora,
para vos reter. Mas ao menos dirão que passastes sobre o corpo de vosso filho
único para o abandonar’. A santa chorou amargamente passando pelo jovem, mas
instante depois, temendo que pensassem que se arrependia de sua decisão,
voltou-se para os que a acompanhavam e com uma face serena disse: ‘É preciso
que perdoeis a minha fraqueza, pois deixo meu pai e meu filho para sempre, mas
encontrei o meu Deus em toda parte’.”
Os senhores estão vendo o trágico da cena. Santa
Joana de Chantal era viúva e era uma pessoa de índole boníssima, cumpridora de
todos os seus deveres de família e capaz de atrair toda a amizade, todo o afeto
de uma família boa. Se fosse de uma família corrompida, naturalmente seria
muito perseguida. Mas tratava-se de um ambiente muito bom, de maneira que era
muitíssimo estimada por todos os seus.
Quando ela era o arrimo da velhice – do ponto de
vista afetivo e não financeiro – de seu velho sogro, de seu pai, de seu filho,
Deus a tocou com a graça da vocação e lhe pediu que estraçalhasse aqueles
vínculos de afeto que em torno dela se haviam constituído, para ser fundadora
de uma nova família religiosa, de maneira que não mais a poderiam ver.
E ela, cuja bondade tinha criado aqueles vínculos,
era chamada portanto a renunciar esses vínculos e, por assim dizer, a
destruí-los. Era uma superação de toda a vida anterior dela. Até então tinha
sido uma ótima membro de sua família. Deus lhe pedia que oferecesse algo a mais
do que a bondade que se tem na família, e era a bondade que se tem adotando o
estado religioso e rompendo com os laços de família, entretanto tão santos.
Coloca-se, então, essa situação trágica: abandonará seu sogro, abandonará seu
pai, abandonará seu filho...
Se imaginássemos a mesma situação acontecendo hoje,
teríamos uma diferença de ambientes muito grande. E constituiria no seguinte:
tudo se passaria com muito menos solenidade e muito menos gravidade.
Os senhores não imaginam hoje uma senhora viúva,
moça, que deixa a casa paterna para entrar para o convento e que faz todo esse
cerimonial antes de ir embora: ajoelha-se diante do velho ancião de 86 anos,
pede perdão por tudo quanto lhe fez antes e pede a bênção. O ancião, de seu
lado, quase como uma figura de tragédia grega, dela se despede com lágrimas e a
entrega a Deus. Depois, outra despedida assim de seu velho pai: nova
genuflexão, nova prostração, novas lágrimas e, por fim, o lance dramático do
filho.
O filho pendurou-se em seu pescoço pedindo para que
não entrasse no convento; ela se recusou. Deitou-se ele, então, na soleira da
porta e disse: “Já que eu não tive força para vos reter, ao menos se dirá que a
senhora passou sobre o corpo de seu filho para ir para o convento”. Em outros
termos equivalia a dizer: “a senhora está me abandonando”.
Os senhores estão vendo o trágico de todos esses
lances...
Por que esses lances hoje não teriam esse caráter
trágico?
A moça ao se despedir do sogro (habitualmente as
relações da nora com o sogro são das mais tensas), podemos imaginar um diálogo
desse gênero:
- Olha aqui, sr. fulano, eu vim me despedir do
senhor...
- Eh! eh! eh!...
- Porque eu vou entrar para o convento!
- Ah! Você vai entrar para o convento? Não diga...
ah! Está bom, sei... Olhe, você pensou bem no que você vai fazer?
- Pensei sim.
- Está bom, seja feliz. Até logo.
Pronto, está acabado, está feita a despedida.
Com o pai, uma despedida mais ou menos desse modo:
- Papai, até logo, vou para o convento.
- Não diga! Você para o convento? que idéia é essa?
- É, eu resolvi. O senhor sabe, eu me sinto mais
feliz lá.
O pai olha e diz: "Não, é bem esta hora ainda
para ver a televisão, mas muda de canal, pois agora deve começar um programa
interessante em um canal... Bom, o que você ia dizendo? Que você vai para o
convento, é?
- É, papai, eu vou então para o convento, eu vou
agora.
- Mas já assim de uma vez, é?
- Papai eu já estou com a mala pronta.
- Ah! Bom, se você já aprontou a sua mala, até
logo.
E a filha vai para o convento. Ao menos num país
modernizado como é o Brasil as coisas se passariam assim. Talvez em outros
fosse ainda pior, no estilo de dizer by-by enquanto masca chicletes e dá aquele
sorriso igual para todas as ocasiões e pessoas e está tudo acabado.
Por que tanto cerimonial naquele tempo e tanta
ausência dele, tanta superficialidade em nossos dias? É porque nós fomos
habituados pelo mundo de Hollywood a não pesar as coisas até o fundo, a não
entrar no cerne do significado das coisas e a só nos incomodarmos conosco e a
não pensarmos nos outros.
Resultado: para o velho sogro, o problema
importante é o jornal que chega de manhã, o leitezinho que toma, a televisão, o
chinelo, a saúde... para isso, cuidados de toda ordem. Lê uma notícia sobre o
início das cirurgias de transplante de coração para ver se dá para transplantar
um nele e viver mais 30 anos... Isto é o importante. A nora que vai ou não vai
para o convento já é uma coisa acessória, porque se não tiver nora, ele
contrata uma enfermeira para cuidar de si e a vida toca a andar para frente do
mesmo jeito...
Também a idéia de ir para o convento não se reveste
daquele aspecto semitrágico de outrora, porque o convento é um convento
“aggiornato”, não é um convento como de antigamente. A idéia do convento de
antigamente era: altas ogivas, torres, sinos, véus, solenidades, compunção, o
todo de uma religiosa envolta nos crepes e nos rosários, inteiramente entregue
a Deus.
Hoje, não é raro encontrar religiosas “de matéria
plástica”, e mesmo essas que antecederam ao estouro atual, não é raro
concebê-las em meio a gargalhadas, pois tudo é engraçado, alegre, leve, e vai
se espevitando de um lado para outro... O traje preto para religiosas desse
tipo já era uma coisa que não tinha relações com a alma, era uma coisa postiça.
Quer dizer, o senso da Cruz, da gravidade das coisas, de toda a renúncia que
significa alguém ficar religioso, o senso de toda a dignidade que a pessoa
assume quando fica religioso, daquele conúbio com Nosso Senhor Jesus Cristo,
com toda a serenidade que traz, nada disto está presente a não ser nas
fórmulas. Os espíritos perderam a noção disto.
O resultado é que os grandes lances não têm mais
essa acuidade, esse caráter dramático, mas são episódios banais.
Assiste-se tanto cinema, tanta televisão, vêem-se
tanto drama, tanto romance, tanta despedida, tanto reencontro, que todo mundo
já está saturado! Já aconteceram demais coisas. Resultado: já não dá mais para
se emocionar com nada. Os atos da vida cotidiana, que teriam tanta grandeza, se
esvaziam completamente.
* * *
Então, qual é a grande lição que devemos tirar
dessa narração?
É – antes de tudo – o espírito profundo da Santa
Joana de Chantal que correspondeu à vocação. Ela compreendeu qual é a
verdadeira glória da família. Ou seja, que esta é uma instituição tal, que
quando Deus lhe dá tudo, a família se supera a si mesma e tende, por uma
dilaceração, a produzir filhos religiosos, filhos missionários, filhos
guerreiros, filhos apóstolos que são obrigados a se separar dela para realizar
a vontade de Deus.
A profundidade de espírito de Santa Joana de
Chantal: 1) renunciando a tudo para ser religiosa nesse convento que ia fundar
e que tinha todo o aspecto de uma aventura; 2) no ambiente de civilização
cristã em que vivia, em que tudo se media, em que tudo se pesava e que, por causa
disso, revestia de solenidade e de características próprias todos os atos da
vida, esta profundidade de espírito prepara a alma para amar a Deus.
“O reino dos Céus é dos violentos”, está escrito no
Evangelho. O reino dos Céus é dos profundos, porque ninguém consegue ser
“violento” (no sentido evangélico da expressão) a não ser numa das duas
circunstâncias: ou sendo playboy ou sendo profundo. E é claro que a violência
do playboy não agrada a Deus, e a “violência” dos profundos é que agrada a
Deus.
Então, pedirmos a Nossa Senhora que faça viver em
nós essa tradição de profundidade de espírito que encontramos em alguns fiapos
da vida dos nossos maiores, dos nossos antepassados, e que vive ainda de algum
modo em nós. E que o Grupo procura incutir em seus membros. Profundidade de
espírito que é o contrário do egoísmo, que é seriedade, abnegação, e que faz
com que tenhamos almas que, por serem profundas, podem encher-se da graça de
Deus Nosso Senhor, concedida pelas mãos de Maria.
[...]
Profundidade de espírito. De todos os modos, sede
profundos! Deus vos amará inteiramente. O amor d’Ele vai para as almas
profundas. O Espírito Santo procura as almas profundas para nelas se comprazer.
(Santo do Dia, 20 de agosto de 1968)
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