quarta-feira, 12 de agosto de 2020

SANTA JOANA DE CHANTAL

 

Plínio Corrêa de Oliveira 

Santa Joana de Chantal viveu de 1572 a 1641. Foi canonizada em 1769. Viúva do Barão de Chantal, ela fundou com São Francisco da Sales a Ordem da Visitação. Foi avó da famosa Madame de Sevigné.

“Chegado o dia de sua partida, Santa Joana, que era viúva, devia deixar os seus familiares para ir para o convento que ela ia fundar. A santa viúva, que morava com seu sogro, Barão de Chantal, ajoelhou-se pedindo-lhe a bênção e pediu que a perdoasse se lhe desgostara em alguma coisa, e recomendou-lhe seu filho. O ancião de 86 anos estava inconsolável; abraçou sua nora e desejou-lhe completa felicidade. Os habitantes da região de Monthelon, sobretudo os pobres, acreditando que com essa partida tudo perdiam, testemunhavam publicamente a sua dor”.

“Em Dijon ela fortificou-se com a Santa Comunhão contra a fraqueza que ela previa aproximar-se quando da separação de seu filho. Enfim, chegando a hora disse adeus a todos os seus parentes. Depois, ajoelhando-se aos pés de seu pai, pediu-lhe a bênção e que cuidasse do filho que ela deixava. Monsieur Frémyot, o velho presidente do parlamento da Bourgogne, que era pai dela, sentiu-se desfalecer. Abraçou chorando a sua filha e disse: ‘Meu Deus, não me pertence mudar os Vossos desígnios. Entretanto eu Vos ofereço esta filha querida, recebei-a e consolai-me’. Depois lhe deu a bênção e a ajudou a erguer-se.

“O jovem Chantal, seu filho de 15 anos, correu para ela e prendeu-se a seu pescoço esperando comovê-la. Não tendo êxito, deitou-se ante a porta por onde ela deveria sair e lhe disse: ‘Sou muito fraco, senhora, para vos reter. Mas ao menos dirão que passastes sobre o corpo de vosso filho único para o abandonar’. A santa chorou amargamente passando pelo jovem, mas instante depois, temendo que pensassem que se arrependia de sua decisão, voltou-se para os que a acompanhavam e com uma face serena disse: ‘É preciso que perdoeis a minha fraqueza, pois deixo meu pai e meu filho para sempre, mas encontrei o meu Deus em toda parte’.”

Os senhores estão vendo o trágico da cena. Santa Joana de Chantal era viúva e era uma pessoa de índole boníssima, cumpridora de todos os seus deveres de família e capaz de atrair toda a amizade, todo o afeto de uma família boa. Se fosse de uma família corrompida, naturalmente seria muito perseguida. Mas tratava-se de um ambiente muito bom, de maneira que era muitíssimo estimada por todos os seus.

Quando ela era o arrimo da velhice – do ponto de vista afetivo e não financeiro – de seu velho sogro, de seu pai, de seu filho, Deus a tocou com a graça da vocação e lhe pediu que estraçalhasse aqueles vínculos de afeto que em torno dela se haviam constituído, para ser fundadora de uma nova família religiosa, de maneira que não mais a poderiam ver.

E ela, cuja bondade tinha criado aqueles vínculos, era chamada portanto a renunciar esses vínculos e, por assim dizer, a destruí-los. Era uma superação de toda a vida anterior dela. Até então tinha sido uma ótima membro de sua família. Deus lhe pedia que oferecesse algo a mais do que a bondade que se tem na família, e era a bondade que se tem adotando o estado religioso e rompendo com os laços de família, entretanto tão santos. Coloca-se, então, essa situação trágica: abandonará seu sogro, abandonará seu pai, abandonará seu filho...

Se imaginássemos a mesma situação acontecendo hoje, teríamos uma diferença de ambientes muito grande. E constituiria no seguinte: tudo se passaria com muito menos solenidade e muito menos gravidade.

Os senhores não imaginam hoje uma senhora viúva, moça, que deixa a casa paterna para entrar para o convento e que faz todo esse cerimonial antes de ir embora: ajoelha-se diante do velho ancião de 86 anos, pede perdão por tudo quanto lhe fez antes e pede a bênção. O ancião, de seu lado, quase como uma figura de tragédia grega, dela se despede com lágrimas e a entrega a Deus. Depois, outra despedida assim de seu velho pai: nova genuflexão, nova prostração, novas lágrimas e, por fim, o lance dramático do filho.

O filho pendurou-se em seu pescoço pedindo para que não entrasse no convento; ela se recusou. Deitou-se ele, então, na soleira da porta e disse: “Já que eu não tive força para vos reter, ao menos se dirá que a senhora passou sobre o corpo de seu filho para ir para o convento”. Em outros termos equivalia a dizer: “a senhora está me abandonando”.

Os senhores estão vendo o trágico de todos esses lances...

Por que esses lances hoje não teriam esse caráter trágico?

A moça ao se despedir do sogro (habitualmente as relações da nora com o sogro são das mais tensas), podemos imaginar um diálogo desse gênero:

- Olha aqui, sr. fulano, eu vim me despedir do senhor...

- Eh! eh! eh!...

- Porque eu vou entrar para o convento!

- Ah! Você vai entrar para o convento? Não diga... ah! Está bom, sei... Olhe, você pensou bem no que você vai fazer?

- Pensei sim.

- Está bom, seja feliz. Até logo.

Pronto, está acabado, está feita a despedida.

Com o pai, uma despedida mais ou menos desse modo:

- Papai, até logo, vou para o convento.

- Não diga! Você para o convento? que idéia é essa?

- É, eu resolvi. O senhor sabe, eu me sinto mais feliz lá.

O pai olha e diz: "Não, é bem esta hora ainda para ver a televisão, mas muda de canal, pois agora deve começar um programa interessante em um canal... Bom, o que você ia dizendo? Que você vai para o convento, é?

- É, papai, eu vou então para o convento, eu vou agora.

- Mas já assim de uma vez, é?

- Papai eu já estou com a mala pronta.

- Ah! Bom, se você já aprontou a sua mala, até logo.

E a filha vai para o convento. Ao menos num país modernizado como é o Brasil as coisas se passariam assim. Talvez em outros fosse ainda pior, no estilo de dizer by-by enquanto masca chicletes e dá aquele sorriso igual para todas as ocasiões e pessoas e está tudo acabado.

Por que tanto cerimonial naquele tempo e tanta ausência dele, tanta superficialidade em nossos dias? É porque nós fomos habituados pelo mundo de Hollywood a não pesar as coisas até o fundo, a não entrar no cerne do significado das coisas e a só nos incomodarmos conosco e a não pensarmos nos outros.

Resultado: para o velho sogro, o problema importante é o jornal que chega de manhã, o leitezinho que toma, a televisão, o chinelo, a saúde... para isso, cuidados de toda ordem. Lê uma notícia sobre o início das cirurgias de transplante de coração para ver se dá para transplantar um nele e viver mais 30 anos... Isto é o importante. A nora que vai ou não vai para o convento já é uma coisa acessória, porque se não tiver nora, ele contrata uma enfermeira para cuidar de si e a vida toca a andar para frente do mesmo jeito...

Também a idéia de ir para o convento não se reveste daquele aspecto semitrágico de outrora, porque o convento é um convento “aggiornato”, não é um convento como de antigamente. A idéia do convento de antigamente era: altas ogivas, torres, sinos, véus, solenidades, compunção, o todo de uma religiosa envolta nos crepes e nos rosários, inteiramente entregue a Deus.

Hoje, não é raro encontrar religiosas “de matéria plástica”, e mesmo essas que antecederam ao estouro atual, não é raro concebê-las em meio a gargalhadas, pois tudo é engraçado, alegre, leve, e vai se espevitando de um lado para outro... O traje preto para religiosas desse tipo já era uma coisa que não tinha relações com a alma, era uma coisa postiça. Quer dizer, o senso da Cruz, da gravidade das coisas, de toda a renúncia que significa alguém ficar religioso, o senso de toda a dignidade que a pessoa assume quando fica religioso, daquele conúbio com Nosso Senhor Jesus Cristo, com toda a serenidade que traz, nada disto está presente a não ser nas fórmulas. Os espíritos perderam a noção disto.

O resultado é que os grandes lances não têm mais essa acuidade, esse caráter dramático, mas são episódios banais.

Assiste-se tanto cinema, tanta televisão, vêem-se tanto drama, tanto romance, tanta despedida, tanto reencontro, que todo mundo já está saturado! Já aconteceram demais coisas. Resultado: já não dá mais para se emocionar com nada. Os atos da vida cotidiana, que teriam tanta grandeza, se esvaziam completamente.

* * *

Então, qual é a grande lição que devemos tirar dessa narração?

É – antes de tudo – o espírito profundo da Santa Joana de Chantal que correspondeu à vocação. Ela compreendeu qual é a verdadeira glória da família. Ou seja, que esta é uma instituição tal, que quando Deus lhe dá tudo, a família se supera a si mesma e tende, por uma dilaceração, a produzir filhos religiosos, filhos missionários, filhos guerreiros, filhos apóstolos que são obrigados a se separar dela para realizar a vontade de Deus.

A profundidade de espírito de Santa Joana de Chantal: 1) renunciando a tudo para ser religiosa nesse convento que ia fundar e que tinha todo o aspecto de uma aventura; 2) no ambiente de civilização cristã em que vivia, em que tudo se media, em que tudo se pesava e que, por causa disso, revestia de solenidade e de características próprias todos os atos da vida, esta profundidade de espírito prepara a alma para amar a Deus.

“O reino dos Céus é dos violentos”, está escrito no Evangelho. O reino dos Céus é dos profundos, porque ninguém consegue ser “violento” (no sentido evangélico da expressão) a não ser numa das duas circunstâncias: ou sendo playboy ou sendo profundo. E é claro que a violência do playboy não agrada a Deus, e a “violência” dos profundos é que agrada a Deus.

Então, pedirmos a Nossa Senhora que faça viver em nós essa tradição de profundidade de espírito que encontramos em alguns fiapos da vida dos nossos maiores, dos nossos antepassados, e que vive ainda de algum modo em nós. E que o Grupo procura incutir em seus membros. Profundidade de espírito que é o contrário do egoísmo, que é seriedade, abnegação, e que faz com que tenhamos almas que, por serem profundas, podem encher-se da graça de Deus Nosso Senhor, concedida pelas mãos de Maria.

[...]

Profundidade de espírito. De todos os modos, sede profundos! Deus vos amará inteiramente. O amor d’Ele vai para as almas profundas. O Espírito Santo procura as almas profundas para nelas se comprazer.

 

(Santo do Dia, 20 de agosto de 1968)

 

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