Publicando a Encíclica "Ad Caeli
Reginam" - cujas partes essenciais vão traduzidas em outro local desta
edição - teve o Santo Padre Pio XII a intenção de extremar com um ato da mais
alta importância as manifestações de piedade mariana com que edificou a Cristandade
no correr do Ano Jubilar da Imaculada Conceição. Disse-o ele em expressos
termos: "como que coroando todos
estes testemunhos de Nossa piedade mariana... para concluir felizmente o Ano
Mariano que chega a seu termo,... resolvemos estabelecer a festa da
Bem-Aventurada Virgem Maria, Rainha". Da importância deste ato,
fala-nos o mesmo Pontífice quando declara que "esse gesto traz consigo a grande esperança de que possa surgir
uma nova era, alegrada pela paz cristã e pelo triunfo da Religião".
Tal esperança, di-lo ainda o Pontífice, tem razões muito sérias e profundas: "adquirimos a convicção, depois de
maduras e ponderadas reflexões, de que advirão grandes vantagens para a
Igreja" se a realeza de Maria, "solidamente
demonstrada, resplandecer mais evidente aos olhos de todos, como luz mais
radiosa posta no candelabro".
Bem entendido, esta graça, que se dirige ao
coração do homem, deve reformar a sua alma. No "culto e imitação de tão grande Rainha os cristãos se sentirão por
fim verdadeiramente irmãos, e, sobranceiros à inveja e aos imoderados desejos
de riqueza, promoverão o amor social, respeitarão os direitos dos pobres, e
amarão a paz". Não se trata de promover um movimento marial puramente
externo e formal, mas de pedir às almas uma cooperação séria e eficaz com as
graças que receberão de sua Mãe. "Ninguém,
pois, se tenha por filho de Maria, digno de ser acolhido sob sua poderosíssima
tutela, se não seguir o seu exemplo mostrando-se lhano, justo e casto, não
lesando ou prejudicando, mas ajudando e confortando".
Estas palavras do Pontífice merecem a mais
detida meditação. De um lado, fala ele contra a inveja: alusão evidente à
atitude de massas inteiras de homens que, amargurados às vezes por injustas
provações, e principalmente envenenados pelos princípios demagógicos da
Revolução Francesa e do comunismo, odeiam os ricos só porque lhes invejam os
bens, e desejam destruir toda a hierarquia social. O Santo Padre fala também do
desejo imoderado de riquezas. É um mal que atormenta todos ou quase todos os
países da terra. Potentados da indústria ou do comércio, acumulando em suas
mãos fortunas imensas, perto das quais os patrimônios das aristocracias de
outrora eram quase insignificantes, transformaram a economia num reino fechado,
em que dispõem a seu arbítrio da alta e da baixa dos preços, da circulação e do
emprego das riquezas. Ora oprimem o Estado, ora são opressos por este quando
sobe a onda da demagogia. E assim a sociedade se vê cada vez mais apertada
entre as duas formas mais ou menos veladas de ditadura: a da oligarquia
financeira e a da massa. Daí só pode decorrer o estrangulamento das elites
sociais e intelectuais verdadeiras, a opressão do trabalhador pacífico e
consciencioso, a dizimação da pequena e média burguesia. Miserável fenômeno de
luta de classes, em que a sociedade, no que tem de mais inautêntico e pior -
camarilhas de sanguessugas da economia ou de demagogos vulgares - devora o que
tem, em todos os níveis, de mais autêntico e de melhor. Quanto isto seja oposto
ao "amor social" de que nos
fala o Pontífice, quem o poderia não ver? Para proteger a sociedade contra este
reino do pior sobre o melhor, o Pontífice proclama no mundo a realeza de Maria.
Obra ingente por certo, esta de uma reforma
social. Tanto mais quanto Pio XII a situa essencialmente em termos de reforma
moral. Mas Maria Santíssima tem um imenso poder sobre a alma humana, e dela se
devem aproximar os homens, não só para "pedir
socorro nas adversidades, luz nas trevas, conforto nas dores e no pranto",
mas ainda para implorar a graça "que
vale mais do que todas", de "se
esforçarem por se libertarem da escravidão do pecado".
A proclamação da soberania de Maria na
Encíclica "Ad Caeli Reginam", a instituição de sua festa anual no dia
31 de maio, a coroação da imagem de Nossa Senhora "Salus Populi Romani"
pelo próprio Pontífice, tudo isto pode, pois, e deve servir de ponto de partida
para uma nova era histórica: a era da realeza de Maria.
Com a prudência característica da Santa
Igreja, a Encíclica "Ad Caeli Reginam" fundamenta a dignidade real de
Maria tão somente em argumentos de caráter teológico. Não seria supérfluo,
entretanto, lembrar que este grande dia da proclamação da Realeza Universal de
Maria, e a esperança de uma era de triunfos e de glória para a Religião, vem
sendo de há séculos objeto dos anelos de almas das mais piedosas.
Um dos fatos mais importantes da História da
Igreja desde o protestantismo foi por certo a difusão da devoção ao Sagrado
Coração de Jesus. Se bem que essa devoção não fosse desconhecida a Santos
anteriormente existentes, sua propagação teve como ponto de partida as
revelações recebidas por Santa Margarida Maria Alacoque, em Paray-le-Monial, no
século XVII, e acentuou-se por todas as gerações seguintes, até chegar ao seu
apogeu no início deste século. Ao lado da difusão desta devoção outra grande
corrente de piedade que também teve seu início na França foi a da escravidão a
Nossa Senhora, de que foi doutor máximo São Luís Maria Grignion de Montfort (
séc. XVII ), com seu "Tratado da Verdadeira Devoção". O Ponto de
junção - se assim se pode dizer de coisas substancialmente juntas - destes dois
grandes caudais de graças foi a devoção ao Coração Imaculado de Maria, de que
foi doutor e pregador máximo um grande Santo espanhol, Antônio Maria Claret,
que fundou no século passado a Congregação dos Missionários Filhos do Coração
Imaculado de Maria.
Ora, os Santos que mais se assinalaram em
ensinar a devoção ao Sagrado Coração de Jesus têm os seus escritos como que
túmidos de esperanças na vitória da realeza de Jesus Cristo, em seguida aos
dias tormentosos em que vivemos, e rezar por essa vitória tem sido um dos
objetivos mais essenciais do Apostolado da Oração no mundo inteiro. De outro
lado, os escritos de São Luiz Grignion de Montfort estão cheios de clarões
proféticos ( empregamos esta palavra com as precauções da boa linguagem
católica ) sobre a realeza de Maria Santíssima, como término da era de
catástrofes inaugurada com a Pseudo-Reforma protestante. Realeza de Jesus
Cristo e realeza de Maria Santíssima não são coisas diversas. A realeza de
Maria não é senão um meio - ou antes o meio - para a efetivação da realeza de
Jesus Cristo. O Coração de Jesus reina e triunfa no reinado e no triunfo do
Coração de Maria. O reinado e o triunfo do Coração de Maria não consistem senão
em fazer triunfar e reinar o Coração de Jesus. E assim estas duas grandes
caudais de devoção nascidas pouco depois do protestantismo como que caminham
para um mesmo termo, para a preparação de um mesmo fato: a realeza de Jesus e
de Maria, numa era histórica nova.
Estas considerações não podem ser alheias ao
que os Pastorinhos ouviram do Coração Imaculado de Maria, em Fátima. Nossa
Senhora lhes pôs bem clara a alternativa entre uma era de fé e paz caso fossem
atendidos os seus pedidos, e uma era de perseguições caso tal não se desse.
Como condições para esta era de fé e de paz, Ela indicou principalmente a
consagração do mundo ao seu Imaculado Coração, e a conversão dos costumes.
Vendo agora o Santo Padre Pio XII - que já
consagrou a Rússia e o mundo ao Coração Imaculado - tornar obrigatória tal
consagração anualmente na festa da realeza de Maria, quem pode fugir ao
pensamento de que o Papa dá um importantíssimo início de realização ao que
tantas almas piedosas vêm há tantos séculos esperando, e abre os portais da Era
de Maria na História do mundo?
Na Encíclica "Ad Diem Illum",
comemorativa do cinqüentenário da promulgação do dogma da Imaculada Conceição,
lembrou S. Pio X os frutos admiráveis que esse fato produziu: principalmente os
milagres de Lourdes e a definição da infalibilidade papal. No presente
centenário, terão os frutos minguado? Quis a Providência Divina que eles
brotassem das mãos sagradas de Pio XII. Foram o dogma da Assunção e a
proclamação da realeza de Maria. O que de mais rico, de mais fecundo, de mais
belo?
(Catolicismo Nº 48 -
Dezembro de 1954)
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