sexta-feira, 31 de agosto de 2018

COMO ERA VISTA A AGROPECUÁRIA NO ANTIGO TESTAMENTO





A agricultura como técnica do uso da terra para cultivo de lavouras sempre foi a base das culturas desde os primórdios da humanidade, assim como a criação de animais, chamada de pecuária. Daí chamar-se agropecuária a conjugação dessas duas atividades na mesma terra e mesmo proprietário.  Tão antiga que ocupa lugar de destaque nas narrativas bíblicas, já desde o tempo de Adão, Caim, Noé e os patriarcas mais antigos como Isaac e Jacó. A atividade chamada de “catadores de frutos” em árvores para a alimentação humana (imaginada por estudiosos da chamada “História Natural”), parece nunca ter existido, segundo a Sagrada Escritura
A primeira referência a essas atividades é feita quando se fala de Caim e Abel, o primeiro agricultor e o segundo criador de ovelhas (Gen 4, 2).
O rei de Gerara, Abimelec, já a praticava no tempo de Abraão:
“Tomou pois Abimelec ovelhas, bois, escravos e escravas, e deu-os a Abraão; e restituiu-lhe também Sara sua mulher” (Gen 20, 14). Possuir gado, ovelhas e bois, juntamente com escravos, era sinal de poder no Patriarcado antigo. E o fato de se doar a alguém tais bens era sinal de maior poder ainda
Também era sinal de bênçãos de Deus a riqueza proveniente da terra, como ocorreu com o Patriarca Isaac: “Ora, Isaac tendo semeado naquela terra, colheu no mesmo ano cento por um: porque o Senhor o abençoou. Ia enriquecendo e seus bens aumentavam, e cresciam cada vez mais, de modo que veio a ser muito poderoso” (Gen 26,12-13).
O Patriarca Jacó também foi agricultor e criador, destacando-se mais nesta ultima atividade, de onde se originou toda a sua riqueza. E foi com grande astúcia que herdou uma fortuna de seu sogro, Labão, conforme narra as Sagradas Escrituras:
“Faze revista de todos os teus rebanhos e põe à parte todas as tuas ovelhas de velo malhado, e de diversas cores. E tudo o que nascer  escuro, malhado e vário, tanto nas ovelhas quanto nas cabras, será a minha recompensa. E quando chegar o tempo de fazer essa separação, segundo nosso ajuste, a minha inocência me dará testemunho diante de ti.  E tudo o que não for malhado, de diversas cores, ou dum escuro misturado com o branco, assim nas ovelhas como nas cabras, me convencerá de furto. Labão lhe respondeu: Eu venho no que tu me propões.
E no mesmo dia separou Labão as cabras e as ovelhas, os bodes, os carneiros, que eram malhados e de diversas cores: e deu a guardar a seus filhos todos os rebanhos, que eram duma só cor; isto é, que eram todos brancos, ou todos negros. E pôs o espaço de três jornadas entre si, e seu genro, o qual apascentava os rebanhos.  Jacó pois tomando umas varas verdes de choupo, de amendoeira, e de plátano, tirou-lhes parte da casca: com o que os lugares, de que se tinha tirado a casca, apareceram brancos; e os que se tinham deixado com ela, ficaram verdes; o que  causou nas varas uma variedade de cores. Depois pô-las nos canais, onde se lançava água: para que vindo ali beber os rebanhos, tivessem eles estas varas diante dos olhos, e concebessem olhando para elas. Com efeito sucedeu, que estando as ovelhas no fervor do coito, e olhando para estas varas, conceberam uns cordeiros malhados, vários, e de diversas cores. Dividiu Jacó o seu rebanho, e pôs estas varas nos canais diante dos olhos dos carneiros. E feito isto, estando separados os rebanhos, o que era todo branco, ou todo negro, pertencia a Labão; o resto era de Jacó. Quando pois as ovelhas haviam de conceber na primavera, punha Jacó estas varas nos canais, onde se lançava água, diante dos olhos dos carneiros, e das ovelhas, para que concebessem olhando para as varas. Mas quando elas haviam de conceber no outono,  não lhas punha diante. Assim o que fora concebido no outono, foi para Labão: e o que concebido na primavera, para Jacó. Desta sorte veio Jacó a ser sobremaneira rico; teve muitos rebanhos, um grande número de escravos, e de escravas, camelos e jumentos”  (Gen 30, 32-43)
É preciso notar que o sogro de Jacó havia agido anteriormente não somente com esperteza, mas com desonestidade para com o genro. Como não tinha dote, Jacó se ofereceu para trabalhar de graça durante 7 anos a fim de se casar com a filha dele, Raquel (Gen 29, 18). Mas, no dia das bodas Labão introduziu a irmã Lia no quarto de Jacó, em vez da esposa recém casada, exigindo mais sete anos de trabalho escravo, gratuito, a fim de consumar o novo casamento (Gen 29, 22-27). O trabalho de Jacó (14 anos, supõe-se) fez com que Labão ficasse mais rico ainda (Gen 30, 29),
Tudo indica que a técnica de fazer nascer as ovelhas com as cores malhadas foi inspirada por um anjo ao Patriarca. Quando abandonou a companhia do sogro, continuou a atividade de criador em outras terras: “Comprou parte do campo, onde tinha posto as suas tendas, por cem cordeiros, aos filhos de Hemor” (Gen 33,19). Os habitantes de Siquém, para onde tinha ido morar Jacó já eram criadores, pois possuíam  “..bois e jumentos ” (Gen 34,28)
E o Patriarca José, num sonho, demonstra que praticava a agricultura: “Parecia-me que eu estava atando no campo uns molhos de trigo; que o meu molho se levantava e ficava de pé, e que os vossos, postos em redor do meu, o adoravam” (Gen 37,7).
Muitas vezes a agricultura progredia em meio a certo período de escassez, mas logo vinha a fartura: “numa terra fértil de trigo, de cevada, de e de vinhas, onde se dão figueiras, e romeiras, e olivais: numa terra de azeite e de mel” (Dt 8,8).
No ano jubilar, as dívidas eram perdoadas e muitas terras voltavam às mãos dos antigos donos: “No ano do jubileu tornarão a entrar todos na posse dos bens, que antes tinham”  (Lev 25, 8-16). Era costume que quando o sujeito não tivesse com que pagar suas dívidas se oferecia como escravo durante determinado tempo até quitar seu débito, ou então entregava seus bens como pagamento. A cada 50 anos se comemorava o dia em que o povo eleito saiu da escravidão do Egito, chamado jubileu, e nesse ano todas as dívidas eram perdoadas, e quem as tinha pago com suas terras as recebia de volta. Daí a expressão usada por Nosso Senhor Jesus Cristo no Pai Nosso, “perdoai as nossas dívidas”.
É provável que o profeta Isaías assim tenha lamentado aqueles que resistiam à observância desta lei, acumulando bens: “Ai de vós os que ajuntais casa a casa, e ides acrescentando campo a campo” (Is 5,8).
As abundantes reservas de Canaã foram tão rapidamente reduzidas pelos israelitas que em muito pouco tempo passaram a importar tanto madeira quanto operários que nas suas terras trabalhassem, como no tempo de Salomão: “Dá ordem pois a teus servos que me cortem cedros do Líbano, e os meus servos estarão com os teus: e eu darei a teus servos qualquer paga que tu me peças: porque tu sabes que no meu povo não há ninguém que saiba cortar madeira como os sidônios” (III Rs 5, 6-8). Quando necessitavam de madeira para alguma emergência ou oferecer holocaustos recorriam a fontes extraordinárias, como a lenha de Abraão para o sacrifício de Isaac (Gen 22,3-7),  as sobras de um carro de guerra usadas no tempo de Josué (I Sam 6, 14), um carro de bois no tempo de Davi (II Sam 24,22), ou ainda o  arado que Santo Eliseu usou para cozer as carnes do sacrifício (III Rs 19,21).
Havia muitos recursos hídricos na antiga Palestina:
“Porque o Senhor teu Deus te há de introduzir numa terra excelente, numa terra cheia de regatos de águas e de fontes: em cujos campos e montes arrebentam os abismos dos rios: numa terra fértil de trigo, de cevada, e de vinhas, numa terra de azeite e de mel” (Dt 8,7-8); Mesmo assim recorriam também aos métodos de irrigação do Egito: “Porque a terra que vais possuir não é como a terra do Egito, de onde saíste, na qual lançada a semente se conduz água para regar, como se faz nas horas” (Dt 11,10-11).
Há referências a chuvas temporãs e seródias (que produzem frutos fora da estação) (Dt 11,14; Jer 5,24; Os 6,9; Zac 10,1). Também se fala em colheitas de produtos específicos, como trigo, cevada, uva, azeitona e figos (Jó 15,33; 24,5; e 31,40). A irrigação, a grade e o arado eram conhecidos desde longa data entre os hebreus (Jz 3,31; Jó 39,10; Prov 24. 30; Is 15,5; 32, 20; e Jer 4,3), mas era proibido semear um campo com sementes diferentes (Dt 22,9).  Prevê-se que usavam fertilizantes por uso de termos correlatos (IV Rs 9, 37; Sl 82,11, e Jer 8,2). Os vinhedos eram sempre cercados por um muro e tinham uma torre para guarda e proteção, além de outras edificações (Num 22,24; Sl 79, 13; Is 5,5; Mt 21, 33). Na colheita do grão, estendiam-no na eira, e o método para o separar da palha era fazer os bois andarem sobre ele (Dt 25, 4; II Sam 24,180, ou então batiam os grãos com uma vara (Is 28,27; e 41,15). Usavam também o ventilabro (espécie de abanador grande)  para ajudar na debulha (Rut 3,2; Jó 21,28; e Mt 3,12).
Havia também um sistema de parceria, como a dos rendeiros que pagavam importância fixa para uso da terra (Cânt 8,11) ou uma parte estipulada da colheita de frutos ou qualquer outro produto da terra, em geral a metade ou um terço (II Sam 9,10; Mt 21, 34). Um viajante podia comer dos frutos do lugar onde passasse, mas não podia levá-los consigo (Dt 23,24 e ss e Mt 12, 1). Os pobres tinham certos direitos sobre a terra, como o de respigar, isto é, apanhar as espigas que caíam dos cestos dos ceifadores e ficavam espalhadas pelo chão (Lev 23,22; Dt 24, 19; Jz 8,2; e Rut 2, 6-9), como ocorreu na história de Rute que, por humildade, se ofereceu para apanhar o trigo que caía no chão.Os pobres podiam também se aproveitar dos cantos dos campos, onde não eram ceifados para deixar para eles (Lev 19,9. Em geral tais leis eram rigorosamente cumpridas (Jó 24, 10), embora não houvesse muita pobreza em Israel (I Sam 22,2). De outro lado, a favor dos pobres havia a cobrança de um segundo dízimo a favor deles a cada três anos (Dt 14, 28 e ss; 26, 12; Tob 1,7; Am 4,4).   



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