A impressionante
história de Santa Joana D’Arc comprova a extraordinária intervenção divina em
prol da Cristandade. Há anos que França e Inglaterra estavam em guerra, a
famosa “guerra dos cem anos”. Em 1422 morre o rei de França, Carlos VI, mas de
tal forma a nobreza francesa estava decadente que, nas exéquias reais,
compareceu apenas o duque de Bedford, regente da França em nome do rei inglês.
Era uma usurpação do trono francês, uma pretensão descabida. O herdeiro do
trono, que na França se chamava Delfim, levantou-se contra tal injustiça e a
guerra se reiniciou.
Haviam dois partidos
na França, os Armagnacs e os Borgonheses. A facção dos Armagnacs era
aristocrática, representando a nobreza feudal e o patriciado urbano. Os
Borgonheses, à frente dos quais estava João Sem Medo, aliaram-se aos ingleses,
enquanto os Armagnacs eram fiéis ao legítimo sucessor do trono, o delfim Carlos
VII. Com o assassinato do Duque de Órleans, em 1407, por adeptos do Duque de
Borgonha, a violência atingiu seu auge e a França ficou temporariamente sem
rei. Jean Plantagenêt, duque de Bedford, foi nomeado regente do trono francês
pelo rei da Inglaterra e foi um dos responsáveis pela execução de Santa Joana
D'Arc, juntamente com o bispo Couchon, adepto da tese de "dois reinos e
uma só coroa" defendida na Universidade de Paris. Aos poucos os
Borgonheses foram pendendo mais e mais para o lado dos ingleses, até que João
Sem Medo, vencendo a batalha de Azincourt, oficializou a adesão. Com suborno
conseguiu fazer inspirar na Universidade de Paris a tese de uma só coroa para
os dois reinos, favorecendo desta forma o rei da Inglaterra. A paz entre as
duas facções só ocorreu com o Tratado de Arras, em 1435, entre Felipe o Bom,
Duque de Borgonha, e Carlos VII, então já rei da França.
Enquanto a nobreza se
enfraquecia e se mostrava impotente para defender o trono, nas camadas mais
humildes havia um arraigado e profundo sentimento de amor à dinastia, tão firme
como a piedade cristã havia ali se instalado ao longo dos séculos.
Principalmente entre os camponeses, a fidelidade ao trono era como se fosse um
instinto natural, uma paixão vibrante e pura.
A única legitimidade
pertencia a Carlos VII, que deveria ser sagrado, como mandava a tradição, em
Reims. Estava o povo francês envolvido por estas convulsas conturbações,
agravadas pela guerra, quando nasceu numa pequena aldeia Armagnac do Barrois,
Domrémy, a heroína que veio a salvar a nação da catástrofe.
Joana D’Arc era filha
do casal camponês Tiago d’Arc e Isabel de Romée, uma autêntica filha do legitimismo
mais puro que se arraigara no povo francês, uma camponesa acostumada com a vida
dura e cheia de sacrifícios. Fora educada no mais rigoroso espírito católico
daquele rústico povo, onde acima de tudo devia imperar a honestidade, o bom
senso e, sobretudo, a castidade.
Tinha apenas treze
anos de idade quando ouviu pela primeira vez a voz do Arcanjo São Miguel. Ela
mesma narra como ocorreu:
“Quando eu tinha mais
ou menos 13 anos, ouvi a voz de Deus que veio para ajudar-me a me governar. Na
primeira vez, tive medo. E veio essa voz, no verão, no jardim de meu pai, por
volta do meio-dia (...). (...) Depois que eu ouvi essa voz três vezes, percebi
que era a voz de um Anjo (...). “...Na primeira vez, tive dúvidas se era São
Miguel que vinha a mim, e nessa primeira vez tive muito medo. E eu o vi,
depois, muitas vezes, até saber que era São Miguel... Antes de tudo, ele me
dizia que era uma boa menina e que Deus me ajudaria. Entre outras coisas,
disse-me para eu vir em socorro do rei da França... O Anjo me falava da piedade
que existia no reino da França”
A partir daquele dia,
o Arcanjo fazia-se ouvir à jovem donzela e para ela transmitia suas instruções
de como proceder, terminando por convencer os nobres e o rei e, finalmente,
vencer os inimigos externos.
Muitas pessoas se
equivocam sobre a forma como Santa Joana D’Arc se comportava. Imaginam que ela
tinha o temperamento másculo e que, graças a isto, mantinha sua superioridade
sobre os homens. Nada disto, Santa Joana D’Arc continuava tão feminina como
qualquer donzela de seu tempo. A diferença é que ela estava sendo orientada
pelo Arcanjo São Miguel, devido sua pureza e santidade, a intervir nos
acontecimentos e fazer mudar o curso da história.
Inicialmente, ela
pediu para ser levada à presença do Delfim, pois tinha coisas muito importantes
a lhe dizer. A jovem donzela deveria ter pouco mais que 16 anos. Tanto insistiu
com os homens que rodeavam o herdeiro que, finalmente, lhe deram crédito e foi
recebida. São Miguel a orientava e dizia sempre o que fazer ou o que dizer nas
horas apropriadas. Para ser enganada, colocaram o Delfim vestido da forma mais
simples e puseram no lugar dele um outro. Santa Joana D’Arc não se enganou,
orientada por São Miguel dirigiu-se diretamente ao Príncipe, futuro Carlos VII,
embora nunca o tenha visto antes. Isto causou pasmo a todos, e a partir daí
tudo o que ela dizia passou a ser acatado pelos nobres que rodeavam o Delfim, e
às vezes por ele mesmo.
Quando a Santa
conseguiu convencer os franceses de que com “bonnes buffes et bons torchons” e
somente “pour la pointe de le lance” – bons talhos e bons golpes, e pela ponta
da lança – se poderia vencer o inimigo, a moral das tropas se elevou e as levou
à vitória. Sua colaboração foi aceita pela corte de Burgos (sede provisória do
reino francês), e aí então deram-lhe uma casa onde pudesse ficar reservada,
isolada dos demais, um escudeiro e dois pajens para lhe armar, um confessor, um
capelão e dois arautos. Era o seu “staff”.
Pouco usou Santa Joana
D’Arc das armas, se é que alguma vez fez uso delas. Há historiadores que falam
de seu ímpeto guerreiro, tendo usado da espada para defender-se e para atacar,
chegando a matar inimigos. É possível. Mas o que ela mais se utilizou foi de
seu profetismo, dom dado por Deus para comandar as tropas, e as orientações
dadas pelas vozes de São Miguel. Transmitia ela tal entusiasmo aos soldados,
que eles partiam para a guerra motivados e alegres.
Para alguns pode ser
difícil imaginar como é que uma mulher, acima de tudo uma inexperiente donzela
que nunca pegou em armas, poderia comandar um exército. Vejamos como se deu sua
primeira vitória militar, narrada (com abreviações nossas) por um escritor
moderno:
O
cerco de Órleans
“O cerco de Orleães se
processava. Aumentando a confiança inglesa, em 12 de fevereiro de 1429 ocorria
a “jornada dos arenques”. Compreensivelmente, uma correspondente inquietação se
espalhava entre os assediados, com os efeitos habituais do cerco se fazendo
sentir pouco a pouco, traduzidos sobretudo por uma intensificação progressiva
da penúria. Quando Joana d’Arc conseguiu, em 29 de abril de 1429, com víveres e
um reforço considerável em homens de armas, furar o bloqueio, já os habitantes
da cidade estavam ao corrente de sua aparição”...
“...Na verdade, o
assédio inglês não tinha conseguido se constituir num bloqueio total... Ele
consistia essencialmente no controle das bastilhas situadas na parte externa
das pontes que conduziam às diferentes portas da cidade e situadas sobre o
fosso de proteção que a rodeava, formado com as águas do próprio rio. Os
efetivos previstos para a operação, dado o seu vulto, já não era dos mais
numerosos, algo na ordem de 4.300 homens, cifra que nunca chegou a ser
atingida. A sua dispersão em vários pontos representava, portanto, um ponto a
favor dos franceses em caso de investida...”
Incentivando os
soldados, indo na frente com bravura e audácia, Santa Joana d’Arc conseguiu
elevar a moral da tropa e motivar os comandantes a partir para o ataque, de
surpresa, apanhando os ingleses desprevenidos. Temeroso por ela, o comandante
La Hire não permitiu que a mesma fosse na vanguarda e sim na retaguarda. Mas
tudo ocorreu como a Providência desejava, pois logo a retaguarda se transformou
em vanguarda, já que os ingleses, refeitos da surpresa, resolveram atacar por
aí. Vendo-se em situação difícil, os ingleses recuaram e se concentraram na
fortaleza de “La Tourelle”. A situação se inverte e os franceses é que passam a
assediar os ingleses na fortaleza. Os comandantes, ainda meio moles e
indecisos, querem suspender o cerco, mas Santa Joana d’Arc insiste. O conde de
Dunois declarou em depoimento, 25 anos após, que só não suspendeu o assédio por
insistência de Santa Joana d’Arc.
Durante a noite, o
comandante inglês, lord Talbot, retira suas forças e levanta definitivamente o
cerco de Órleans. Como se vê, não há um só relato de choques guerreiros de
Santa Joana d’Arc com soldados inimigos, parece que ela não chegou sequer a
manejar a espada, pelo menos neste episódio, embora o fizesse se fosse
necessário, talvez auxiliada pela destreza e pela força de São Miguel. No
entanto, sua presença, seu entusiasmo, sua insistência em partir para a luta,
era o ponto forte, era a alma viva do exército francês. Fala-se de um episódio
em que ela, de espada levantada, avançou sozinha gritando ordem de “atacar”. A
tropa, atônita, não teve outro recurso senão segui-la, e vencer. No entanto,
não se comenta se ela deu um só golpe de espada, apenas foi na frente para
animar as tropas que logo a seguiram.
Outro depoente, o
duque de Alençon, se mostra categoricamente convencido da capacidade militar de
Joana d’Arc, realça sua habilidade em dispor as tropas no terreno da luta,
encorajando-as a batalhar com denodo, e sublinha particularmente a sua habilidade
na utilização das peças de artilharia. Como é que a donzela de Domrémy havia
conseguido em pouco espaço de tempo adquirir tais qualidades e experiências?
Evidentemente que tudo ela fazia por inspiração e orientação direta do Arcanjo
São Miguel. Não há outra explicação para o fenômeno.
O
confronto de Patay
Procuremos, mais uma
vez, ouvir o relato categorizado do historiador que detalhou os fatos
posteriores ao cerco de Órleans:
“Levantado o cerco de
Órleães, mais uma vez por inspiração da Donzela, resolveu o comando encarregado
de sua defesa prosseguir suas ações com uma operação de limpeza do Loire,
desembaraçando-o das guarnições inglesas que ocupavam fortalezas situadas em suas
numerosas pontes. Todavia, em seu transcorrer, transformou-se essa atividade
numa perseguição pródiga em miúdos incidentes, em cujos detalhes não podemos
entrar, das forças inglesas que, comandadas por Talbot, se retiravam de Orleães
e que esperavam a junção de importantes reforços sob o comando do vencedor da
“jornada dos arenques”, Sir John Fastolff. Na liderança francesa se destacavam
o duque de Alençon; o “marechal de campo”, sire de Boussac; o “bastardo de
Orleães”; o condestável, sire de Richemont, então em desgraça e cuja adesão só
foi aceita depois de muita hesitação; o sire La Hire, além da própria Joana
d’Arc. Como todos comandavam companhias mais ou menos numerosas, conclui-se que
se tratava da mobilização do grosso dos recursos em combatentes dos partidários
do Delfim”.
“A notícia de que as
tropas de Talbot já tinham recebido a junção das de Fastolf provocou reações de
hesitação dos chefes franceses quanto à conveniência de procurar um confronto,
cabendo mais uma vez a Joana d’Arc convencê-los de que os ingleses
absolutamente não eram imbatíveis. Decidida a busca do choque direto,
organizou-se então uma vanguarda sob o comando de La Hire, composta de uns
1.500 homens a cavalo para tentar alcançar a força inimiga em retirada para
fustigá-la e obrigá-la à formação de combate, entretendo-a até a chegada do
grosso das tropas. Apesar de seus veementes protestos, foi a donzela mantida na
retaguarda, reservada para a ação principal, que acabou praticamente por não
ocorrer, frustrando a sua participação mais ativa do único combate de
envergadura do período de sua atuação. Do lado dos adversários, os dois
comandantes não se entendiam, com Talbot mostrando-se ansioso por uma desforra
imediata do insucesso de Orleães, enquanto Fastolf propugnava a continuidade da
retirada, até a junção com novos e importantes reforços então sendo levantados,
mais consideráveis do que os representados pelo contingente que o acompanhava.
Prevaleceu o último de ponto de vista e seu defensor foi encarregado de
comandar a vanguarda, constituída pela maior parte dos efetivos, enquanto seu
colega, na retaguarda, supervisionava a retirada com um grupo menor de
combatentes”.
“O choque entre a
“vanguarda La Hire”, como ela passou a ser designada após seu inesperado
sucesso, e a retaguarda de Talbot se deu quando as forças ingleses se
embrenhavam por um bosque situado nas proximidades de Patay e uma série de
fatores beneficiou os perseguidores. Ao contrário do ocorrido em Crecy e
Poitiers, o terreno apresentava-se para eles como uma descida, mas os arbustos
que proliferavam na área impediam que divisassem os retirantes. Foi então que,
providencialmente, surgiu um cervo entre as duas tropas. Perseguido pelos
franceses, ele foi se chocar com a retaguarda inglesa, cujos gritos advertiram
da proximidade dos inimigos, os quais, sentindo-se descobertos, procuraram ás
pressas abrigar-se atrás dos arbustos, com os arqueiros preparando-se para lá
fincar suas já tradicionais estacas protetoras. Mas não lhes foi dado tempo
para alinhar-se convenientemente pois, percebendo o quando lhes eram favoráveis
as condições de luta, comandou La Hire uma investida fulminante. Enquanto
Talbot procurava desesperadamente organizar uma disposição defensiva eficaz, o
pânico tomou conta do outro grupo que, na circunstância, de vanguarda,
transformou-se em retaguarda. Constatando a impossibilidade de controlar seus
homens e instado por seus imediatos, Fastolf não tardou a aderir ao movimento
de fuga que se alastrava, decisão que lhe valeu – além de punições imediatas e
de uma desgraça transitória – a transformação, junto à posteridade, em
personagem central, como um poço de vícios e fraquezas, com o nome alterado
para Falstaff, de numerosas farsas e óperas bufas”.
Embora a maioria dos
cronistas não falem explicitamente de lances em que a Santa se envolveu nos
episódios violentos da guerra, o entusiasmo dos franceses cresceu porque ela
estava lá presente. Se assim agiram os soldados e comandantes, indo de encontro
valorosamente aos ingleses, é porque a Santa havia insistentemente proclamado a
necessidade de sempre atacar sem dar oportunidade ao inimigo de se organizar.
La Hire terminou a batalha matando mais de 2 mil ingleses e fazendo mais de 200
prisioneiros.
Após triunfo tão
glorioso, cumpria agora sagrar e coroar o rei de França, Carlos VII. A campanha
pela sagração do rei durou poucos dias, de 29 de junho a 16 de julho, quatro
meses após a aparição de Joana d’Arc na corte de Burges. Estava cumprida sua
missão.
O restante da vida da
Donzela de Domrémy foi marcado pela intervenção da Divina Providência que lhe
preparou o martírio e a santificação. Aos poucos foi sendo abandonada pelos
seus amigos, pelo rei, até ser virtualmente entregue e presa pelos inimigos da
França. Levaram-na a um iníquo julgamento, sob o pretexto inquisitorial de
combate à bruxaria, e consumiram sua vida numa fogueira. Estávamos a 30 de maio
de 1429.
Oitenta anos depois,
em 1509, Henrique VIII subia ao trono na Inglaterra e arrastava aquela Nação
para as garras odiosas do Protestantismo. Se a França estivesse sob o poder
daquele indigno e infiel monarca, talvez não estivesse permanecido católica até
hoje, ou talvez se tivesse reacendido uma guerra tão tremenda que teria
arrasado o país.
A reabilitação de
Santa Joana D'Arc durou séculos. No decorrer de todo o restante do século XV,
era lembrada apenas entre o povo mais humilde da França, de modo especial por
devotos do interior e poetas populares. O fervor católico em torno da heroína
nacional ficou retratado, nesse tempo, apenas por uma poetisa, Cristina de
Pisan. Cem anos depois, surgiu um poema épico de Chapelain, o qual serviu (no
século seguinte à sua publicação) de inspiração ao ímpio Voltaire em suas
sátiras malditas contra a Igreja. Essas injúrias de Voltaire, publicadas em
1762 já quase no fim de sua vida, mostra a que ponto chegou a impiedade, que
tinha o visível intuito de ridicularizar a sociedade sacral do Ancien Regime. E
foi exatamente durante o período da Revolução Francesa, quando precisaram
reacender no povo o “patriotismo” contra as supostas invasões estrangeiras, que
se realizou sério estudo por Clément de l’Averdy para se divulgar a história
verdadeira de Santa Joana D’Arc. A partir daí foi crescendo entre o povo
francês a veneração pela Santa, embora já houvesse forte devoção por ela em
várias partes do interior do país.
Auscultando o
sentimento de devoção popular, surgiram depois vários resumos históricos,
poemas, e até romances históricos, como do alemão Schiller, dando
universalidade à devoção que antes era apenas francesa. Finalmente, Santa Joana
D’Arc foi canonizada no início do século XX no pontificado de São Pio X.
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