Nosso Senhor Jesus
Cristo disse: “Os mansos possuirão a terra” (Mt 5, 4). A qualidade ou virtude primordial para a auto-regência, ou a regência pacífica e perfeita, é
a mansidão, pela qual os mesmos mansos possuirão toda a terra e a regerão. Pois
o termo possuir não implica somente em tomar posse de uma coisa, mas também em
regê-la, governá-la. Já os “pobres de espírito” possuirão, além da terra, o
Reino dos Céus, quer dizer, regerão o Céu Empíreo juntamente com os Santos
Anjos. O Reino dos Céus, estando no coração dos pobres de espírito os fará
completos e integralmente auto-regentes, capazes, portanto, de reger os demais.
Os aflitos, os que têm sede de justiça, os misericordiosos, os puros, os
pacíficos, os perseguidos, receberão dos Anjos (que os regem nesta vida) o
consolo, a saciedade, a misericórdia, a visão divina e no final, como filhos
legítimos de Deus, herdarão o Reino dos Céus (Mt 5, 5-11). A Bem-aventurança se
constitui, assim, no prêmio obtido pela integral auto-regência, somente aquele
que atingir a plenitude de seu ser a obterá. A bem-aventurança, como se sabe, é
o ponto alto da felicidade humana, só possível com a “visão beatífica”, isto é,
vendo e participando da felicidade divina na outra vida.
Mansidão,
virtude principal dos que devem reger o universo
O que é a mansidão?
Virtude que na Sagrada Escritura é tida como uma grande conformidade à vontade
divina. Isso diz tudo: se nossa vontade é a potência essencial para exercer o
poder de regência, estando ela em plena conformidade com a divina isso quer
dizer que Deus estará nos regendo em co-regência conosco, com os próprios
regidos. Esta virtude caracteriza o perfeito Cristão (Gál 6-1; Ef 4,2 e Cols 3,
12) e é exaltada como uma das principais da regência divina, pois Deus “...reina por meio da Verdade, da Mansidão e
da Justiça” (Sl 44, 5). Também nas Sagradas Escrituras está escrito que “O
paciente vale mais do que o herói, e o que domina o seu ânimo, mas do que o
conquistador de cidades” (Pr 16,32);
Isto quer dizer, em síntese, que a forma mais perfeita de regência se inicia
com a auto-regência, onde o homem consegue preliminarmente “dominar o seu
ânimo”, mais importante do que dominar cidades.
A mansidão é a virtude
pela qual o homem conseguirá reger plenamente a terra e seu universo. Segundo
os princípios da regência, o manso é aquele que aceita de boa vontade a
regência superior de Deus através dos Santos Anjos e vive inteiramente
conformado com a vontade superior. Foi assim que procedeu Jó e tantos outros
Patriarcas fiéis a Deus.
Bem-Aventurado os
mansos (Mt 5,4) porque possuirão a terra – “Imitai aquele que disse: “Tomai sobre
vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29). Isto é, aceitai a regência
divina sobre vossa alma, sobre vossa família e toda a vossa sociedade humana,
que é doce, suave, humilde de coração; fazendo isso, possuireis toda a terra.
Nosso Senhor disse “tomai o meu jugo e aprendei de mim”, querendo com isso
dizer que devemos aceitar sua regência sobre nossas almas (o seu jugo), e fazer
o mesmo que Ele fez (aprendei de mim), para também adquirir este dom de
regência, que Ele repartirá com todos os que o seguem. Em seguida Ele fala de
Sua mansidão e humildade, querendo, com isso, deixar bem patente no que
consiste o seu jugo (manso) e em que devemos aprender d’Ele (a humildade).
“Os mansos possuirão a
terra”. Isto quer dizer que os Justos, que devem ser também mansos, não somente
julgarão todos os povos, mas terão domínio sobre eles: “[os justos] julgarão as nações, dominarão os povos e o seu Senhor
reinará para sempre” (Sab 3,8). Estes não somente dominarão e regerão a
natureza, mas a própria humanidade, e, quem sabe, alguma parcela dos Santos
Anjos, conforme afirma São Paulo: “Porventura
não sabeis que os santos hão de julgar este mundo?... Não sabeis que havemos de
julgar os Anjos?” (1 Cor 6, 3).
Um exemplo, anterior a
Nosso Senhor Jesus Cristo, tivemos em Moisés. Uma coisa que estava sempre
presente nele era a sua bondade e mansidão. Ela se manifestava todo o tempo em
que conduziu o povo hebreu. Por isso dele foi dito que era o “mais manso de
todos os homens que havia na terra” (Num 12, 3). São Boaventura o chama
“mansíssimo amicíssimo de Deus” (cf. “As Seis Asas do Serafim”). Esta bondade não o impedia de indignar-se
contra os que cometiam pecados contra a majestade e a dignidade divinas, e em
alguns casos mandando-os executar como na ocasião do bezerro de ouro e da
revolta de Natan e Abiron. Porém, no mais das vezes, Moisés intercedia pedindo
a Deus pelo seu povo, como foi o episódio descrito em Números 14. Tendo Deus
ameaçado castigar o povo com pestes e exterminá-lo, Moisés intercede pelo povo em
tom de súplica (Num 14, 33-34).
Quando Moisés pedia
pelo povo era atendido, mas em geral quando pedia para si era negado. Foi o que
ocorreu quando quis ver a Terra Prometida, que por castigo Deus o tinha
impedido: Deus negou atendê-lo, dizendo apenas: Basta; não falemos mais nisto,
tu não irás ver a terra mas nomearás Josué em teu lugar (Deut 3, 24). Da mesma
forma ocorreu de não ser atendido integralmente, por exemplo quando Maria, sua
irmã, prevaricou, Moisés rogou a Deus por ela e obteve esta resposta: “Se seu pai lhe tivesse cuspido no rosto, não
deveria ela estar coberta de vergonha ao menos durante sete dias? Esteja
separada fora dos acampamentos durante sete dias e depois será outra vez chamada” (Num 12,
14). Maria foi punida com a lepra e Deus só a curou após aquele período de
opróbrio e penitência que o Senhor lhe impôs. Ora, Moisés tinha o poder de
fazer milagres espantosos e poderia ter curado sua irmã imediatamente. Mas como
a doença havia sido um castigo de Deus por causa de sua revolta, Moisés não a
curou, mas pediu a Deus que a perdoasse e curasse: “Ó Deus, eu te rogo,
sara-a...” Vê-se neste episódio que o taumaturgo nada faz sem estar em inteira
consonância com a vontade divina.
Numa das murmurações
que o povo levantava contra Deus, o Senhor irou-se e desceu um fogo do céu
devastando uma parte do acampamento. “O povo, tendo chamado Moisés, Moisés orou
ao Senhor e o fogo extinguiu-se” (Num 11, 1-2). Estes episódios demonstram que
Deus sempre escolhe um intercessor entre Ele e os homens e só aplaca sua ira
pelas orações de tais intercessores. Vê-se também o poder de regência que Deus
havia lhe dado sobre a Natureza, especialmente sobre o fogo, o mesmo que
haveria de conceder ao profeta Elias. Em todo o transcurso do Êxodo Deus fez
com o povo eleito ganhasse a terra prometida, mas porque tinha Moisés como seu
principal regente, por causa da grande mansidão que ele possuía.
Os graus
da mansidão
No Evangelho, Nosso
Senhor conta o caso de dois filhos. O pai ordenou a um deles que fosse
trabalhar na vinha, e o filho concordou dizendo que ia fazê-lo e, no entanto,
não foi executar o que se lhe mandou; o segundo filho ao receber a ordem disse
que não ia cumpri-la, mas depois arrependeu-se e foi executar a tarefa. Jesus
pergunta qual dos dois cumpriu a vontade do pai: se o primeiro que disse que
sim, mas não executou a ordem, ou o segundo, que, em princípio disse que não
ia, mas em seguida se arrepende e vai. É claro que o segundo filho é que
cumpriu a vontade do pai. (Mt 21, 28-32)
Então, se a mansidão
consiste em cumprir a vontade de um superior, e por via de conseqüência, a
vontade de Deus, pratica a mansidão aquele que age e não aquele que fala. Não
adianta dizer: sim, senhor! E não cumprir a vontade superior. Bem-aventurados os mansos, pois possuirão a
terra. Bem-aventurados os que cumprem a vontade dos superiores, e, por via de
conseqüência, a vontade de Deus. Bem-aventurados os que agem conforme a vontade
dos superiores que seguem a vontade divina. Bem-aventurados porque, por causa
disso, Deus lhes dará o prêmio de possuir toda a terra, regerão o Universo
juntamente com os Santos Anjos e os homens santos.
No discurso acima Nosso
Senhor não fala, porem, de outros casos que podem ocorrer no cumprimento da
vontade de um superior. Pode haver o caso, por exemplo, de um filho que diga
“sim, senhor!” e realmente cumpra as ordens dadas; e também pode ocorrer casos
raríssimos de filhos que nem precisa o pai ordenar que ele já vai executando
tudo o que ele deseja. Este último é o caso do grau mais alto de mansidão, isto
é, daquele que tem a vontade tão unida ao do pai que não precisa nem ele lhe
transmitir alguma ordem, pois, antecipadamente ele já pressente o que o pai
deseja e vai na frente executá-la sem que haja necessidade de manifestar seus
desejos.
Vemos nestes exemplos onde estão os limites entre a obediência, a humildade e a mansidão. No segundo caso, do filho que disse que não ia, mas em seguida foi cumprir as ordens paternas, houve, de início, um ato de desobediência, pelo menos verbal, ao dizer ao pai que estava disposto a desobedecê-lo. Sua obediência não foi, pois, perfeita pelo que pecou de início, pois lhe faltou humildade, embora tenha se redimido ao cumprir a tarefa depois. A obediência está caracterizada nos casos em que se executa as ordens dos superiores e a humildade (junto com a obediência) quando se dispensa que se lhe dê ordens para cumprir a vontade do pai, ou, ao ouvi-la prometer que vai cumpri-la imediatamente. A mansidão, porém, está patente em todos os casos, pois é a virtude de quem cumpre a vontade superior. A virtude de quem cumpre a vontade divina. É por isso que Nosso Senhor disse de Si mesmo que é “manso e humilde de coração”, isto é, cumpridor das vontade e dos desejos do Pai. Diz-se que se cumpriu sua vontade ao executar suas ordens, e cumpre-se seus desejos quando se faz o que é necessário mesmo sem haver ordens.
OS
MANSOS POSSUIRÃO A TERRA
“Há no Evangelho uma promessa de Bem-aventurança que diz o
seguinte: “Bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra”; bem-aventurados
os mansos porque possuirão a terra, bem-aventurados aqueles que não amam a rixa
nem a briga, bem-aventurados aqueles que não amam a violência porque deles será
a terra, deles será a terra porque eles atrairão a si o amor dos homens que
realmente amam o Bem, deles será a terra porque eles saberão opor-se com uma
força invencível àqueles que o queiram jugular por uma violência ilegítima;
- Oh, a força cristã do verdadeiro católico que tem a
mansidão de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus;
- Oh, o verdadeiro católico que tem a força indomável de
Nosso Senhor Jesus Cristo, o Leão de Judá.
No momento em que Nosso Senhor Jesus Cristo foi preso,
alguém Lhe perguntou: “És Tu Jesus de Nazaré?”
E Ele respondeu: “Ego sum!” E todos, tomados de terror, caíram com a
face na terra. Esta é a majestade, esta
é a força, esta é a dignidade daquele que tem a mansidão cristã.
Nosso país é um país cordato, um país que ama a mansidão,
um país cuja história tem fugidas lutas, mas, se algum dia alguém de nós se
aproximar e disser:
“És ainda tu, o Brasil cristão, não aceitas a pressão que se quer fazer
contra ti?”
Eu tenho certeza que esta nação responderá com a força que
ainda ninguém lhe conhece, mas que está nascendo nos tormentos do momento
atual, responderá: “Ego sum!” E os povos todos da terra e todos os ditadores
serão obrigados a se prostrar, e os agitadores cairão por terra, porque
conhecerão isto que existe, entre outras coisas, de autenticamente novo no
Brasil novo: é a decisão de progredir fiel a si mesmo e fiel à tradição cristã,
fiel à família e à propriedade, e de lutar como uma força que impressionará o
mundo contra quem quer que imagine que sua mansidão é moleza e que contra ele
pressões possam trazer resultados”. (Plínio Corrêa de Oliveira) [1]
[1]Extraído de conferência pronunciada no
auditório da TFP na década de 70 e reproduzido no programa radiofônico “A
Semana em Foco” sob o título de “A Aurora da Terra de Santa Cruz”.
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