Em
várias oportunidades, Dr. Plínio Corrêa de Oliveira comentou sobre a importância
da admiração para a prática das virtudes. Numa delas assim falou sobre a admiração:
“ADMIRAÇÃO
DESINTERESSADA E INOCENTE
Precisamos
admirar o que é superior a nós para sermos contrarrevolucionários. Se tivermos
uma admiração verdadeiramente desinteressada, do fundo de nossas almas seremos
solidários com a ordem reta das coisas e, portanto, com a homenagem que se deve
a Deus. Ver alguém ser contrário a isso nos afeta mais do que se nos tivermos
dito um desaforo. O suprassumo de nós mesmos é aquilo que amamos sem interesse
mesquinho.[1]
“Se prestarmos atenção no mundo de hoje,
veremos o quanto ele é feito quase exclusivamente de interesse individual.
Quando se trata de ser elogiada, a pessoa gosta; mas já não lhe agrada ouvir
elogios dirigidos a outro. O mesmo se aplica a ganhar dinheiro, ter saúde,
conforto, enfim qualquer vantagem: o indivíduo fica muito contente desde que
seja ele o beneficiado.
A inversão de valores no
mundo atual
Ora, por vezes, quando nos reunimos, embora
sejamos de nações, formação cultural e educação tão diversas, vibramos de
alegria ao celebrarmos as glórias alheias, considerando a vida e os feitos de
diversos personagens históricos. Qual é a razão dessa alegria?
O ser humano foi feito para crescer, tanto na
alma quanto no corpo. De maneira tal que do próprio Menino Jesus diz o
Evangelho que Ele “crescia e Se fortalecia, enchia-Se de sabedoria” (Lc 2, 40). Ao ler isto, tem-se a impressão
do Divino Infante crescendo, florescendo, da infância delicada e sacrossanta do
presépio para a adolescência e a força da idade madura, em que Ele irá carregar
o lenho.
Essa transformação gradual, dia a dia, em que
Ele cada vez mais se transformava de flor em cruz, de encanto em esplendor de
sacrifício, era uma coisa que aumentava a formosura varonil d’Ele cada vez
mais; dava-Lhe aquela forma superior de beleza que é o charme, mas o charme do
varão forte, varonil, empreendedor, sério, seguro, porém tão delicado, meigo,
paterno, de tanta ternura, que quase não se sabia como conciliar uma qualidade
com a outra. Isso era no Corpo, mas sobretudo na Alma.
A maior parte das pessoas pensa que a alma é
uma espécie de radar feito para captar as necessidades do corpo e atendê-las,
que ela existe para o corpo. Segundo esta concepção, o homem vive para fazer
negócios bons a fim de comer. Então, a inteligência tem como função encontrar
comida.
Ora, esse faro até cachorro ou um bicho pastando
tem também. Para isso não é preciso possuir alma. Entretanto, a grande maioria
das pessoas concebe as coisas assim. Formou-se e vai seguir tal carreira para
quê? Ganhar dinheiro para poder comer, beber e dormir.
Então o homem não é senão um bicho mais complicado
do que os demais e, enquanto tal, inferior aos outros animais. Porque se um
boi, sem diplomas, encontra comida, o homem é apenas um bicho mais complicado
do que o boi.
Nós vemos, então, como é absurdo admitir que o
animal é mais do que o homem e a vida do animal mais perfeito do que a humana.
O intelecto não pode ter como finalidade principal a manutenção do corpo.
Contudo, se analisarmos o papel dado à alma no mundo contemporâneo, qual o
interesse da maioria das pessoas pelos bens do espírito e pelas solicitações do
corpo, notaremos uma desproporção arrasadora, simplesmente. As pessoas cuidam
do corpo e a alma fica completamente do lado. É uma inversão de valores, por
onde aquele que deverá ser rei é servo.
Alegria do relacionamento
entre almas com qualidades diversas
Pois bem, há um instinto na alma humana
profundo, chamado instinto de sociabilidade, que faz com que os semelhantes se
procurem. Este instinto também leva o homem a alegrar-se e a relacionar-se
quando nota em alguém qualidades aparentemente opostas às dele, mas que o
completam harmoniosamente.
Imaginem Carlos Magno preparando os planos
para uma invasão em terra de infiéis.
Sozinho na sua sala, caminhando de um lado
para o outro com passos firmes e cadenciados, sobre um chão de mármore ou de
granito polido, está o monarca de barba florida. O recinto, ainda com
influência românica, possui arcadas que dão para um pátio interno onde há um
pequeno chafariz sobre o qual pousa um pássaro que começa a saltitar. O
Imperador interrompe seu caminhar, olha o passarinho e sorri amavelmente.
O passarinho é tão diferente dele! Entretanto
Carlos Magno não olhou apenas para a ave, mas sentiu suas próprias vastidões
interiores e compreendeu melhor a si mesmo.
O Imperador senta-se, manda vir um pouquinho
de vinho e diz:
- Chame Alcuíno, meu ministro e conselheiro.
Quero expor-lhe os planos de uma universidade e de uma batalha, porque as duas
coisas eu resolvi agora.
O homem se completou.
Entra Alcuíno, monge famoso que organizou a
renovação da cultura católica ocidental como ela se desenvolveu na Idade Média;
foi o Carlos Magno da cultura. Podemos imaginá-lo como um homem venerável, de
rosto comprido, fino, olhar que fita do fundo de arcadas oculares onde olhos
pequenos e pretos dardejam, ou olhos azuis e inocentes sonham.
Alcuíno se inclina ante Carlos Magno, que faz
um gesto e diz:
- Sentai-vos!
O sábio Monge pede licença para ficar
ajoelhado, ao que o Monarca responde:
- Sois clérigo. Não é bom que um clérigo se
ajoelhe diante um leigo. Sentai-vos!
Alcuíno afirma:
- Por vossa ordem e em obediência a Deus, que
deseja que o clero seja reverenciado, senhor, eu me sento.
Começa a conversa durante a qual Carlos Magno
apresenta as metas gerais para uma universidade. Alcuino ouve embevecido e
pensa: “Que largueza de pensamento, que homem! Vejo todo um continente
formando-se atrás da fronte desse Imperador. Que felicidade ter conhecido
Carlos Magno!”
Dali a pouco o Monarca vai falando menos e o
Monge toma a palavra. Enquanto a voz de Carlos Magno lembra espadas e escudos
que se entrechocam, a de Alcuíno remonta a sinos que tocam. Diz o douto
conselheiro:
- Senhor, para realizar as vossas imperiais e
cristianíssimas intenções, que julgo ter bem apreendido, tenho o intuito de vos
propor tais matérias, e tal outra tem tal riqueza...
De repente é Carlos Magno quem está entrando
pelo mundo da cultura e do saber, e pergunta algo a respeito de Aristóteles,
Santo Agostinho, São Jerônimo. Depois quer saber alguma coisa sobre o Concílio
de Nicéia, tal pormenor concernente à virgindade da Mãe de Deus, e tal outro
detalhe a propósito da união hipostática. Nesse momento Carlos Magno está
longe... Não pensa mais no passarinho, nem na batalha contra os germanos ou os
árabes. Ele tem apenas diante de si o mundo da cultura e a alma de Alcuíno que
desdobra imensa diante dele, sabendo tudo, explicando tudo. Carlos Magno virou
passarinho e saltita na cultura de Alcuíno, encantado!
É natural que isso tenha acontecido desse
modo, porque assim é a alma humana. Carlos está diante de quem tem mais cultura
do que ele. O passarinho o encantava por ser pequenino, e despertava na alma
dele todas as afinidades harmonicamente opostas que o grande tem com o pequeno.
Agora é o grande que tem alegria de sentir-se pequeno ao considerar alguém maior
do que ele, não absolutamente falando, mas num ponto.
O grande Monarca tem a alegria de admirar e de
crescer à medida que admira, saindo dessa conversa mais elevado de espírito e
pensamento: “Agora sei tal coisa e tal outra. Hoje não conquistei nenhuma província,
mas fiquei conhecendo Santo Agostinho. Quando morrer não conduzirei comigo uma
província, mas levarei para o Céu o que eu soube e admirei da “Águia de
Hipona”. Que grande dia este em que conversei com o Monge Alcuíno!”
Ao admirar os que lhe são iguais
o homem tende à sua plenitude
Imaginemos agora outra cena que historicamente
não se deu, mas poderia ter-se dado: o encontro dos dois imperadores, do
Oriente e do Ocidente, em Constantinopla.
Vendo a cidade maravilhosa na praia do
Bósforo, parado num cais o Imperador do Oriente espera a chegada de Carlos
Magno.
Chega a hora em que desce do navio uma
passarela com um tapete sobre o qual Carlos Magno caminha. Ambos de coroa na
cabeça se cumprimentam, com ar de um rei que saúda outro rei. Nesse aperto de
mãos os dois monarcas cristãos, Oriente e Ocidente, eles sentem a presença de
Jesus Cristo e estreitam a amizade. Carlos Magno vê seu igual como seu irmão.
Sua alma cresceu numa outra dimensão. De igual a igual, cada um deles é mais
ele mesmo.
Houve interesse nisso? Não, mas houve
vantagem. Essa alma tinha necessidade disso para crescer inteiramente. Todo ser
vivo tende à sua plenitude, e Carlos Magno ganhou plenitude no que ele tinha de
mais essencial nesses três episódios de sua vida. Ele ficou mais pleno, mais
ele mesmo.
Voltando de Constantinopla, algum escudeiro do
grande Carlos poderia dizer a alguém que não viu a cena: “Vós não sabeis o que
é glória! Vós conheceis um imperador só – Carlos, o Grande – tratando com os
que são inferiores a ele. Mas não vistes a glória de nosso Imperador quando ele
tratou com um igual. Tinha-se a impressão de um arco-íris que ia de um ponto a
outro! Aquilo é glória, quando se viu a soma dessas duas majestades altivas e
cordiais entre si. Como é grande isso!”
Sem dúvida, houve vantagem para quem
presenciou isso porque cresceu. Mas é preciso ter um espírito tal que se queira
isso ainda que não houvesse vantagem; pela homenagem desinteressada e encantada
em relação àquilo que é maior, igual ou menor em relação a nós.
Quando admiramos algo
superior a nós, prestamos um ato de culto a Deus
Para o mundo contemporâneo esta posição é uma
aberração, pois o princípio no qual se baseiam os pressupostos de quase todo
mundo hoje em dia é: o que não diz respeito a mim, não me move.
Ora, o princípio que apresento é o contrário:
movo-me para conhecer e admirar algo que não sou eu, mas um outro em relação ao
qual me coloco numa posição de alegria porque ele é quem é, independente de
pensar em mim.
Se isso parece absurdo para a mentalidade hodierna,
existiu um ser mais inteligente do que todos os homens que houve, há e haverá
até o fim do mundo, que também pensou do mesmo modo que a maioria das pessoas
de hoje: Lúcifer.
Com efeito, é próprio à criatura, por não ser
ela a fonte de seu próprio ser, viver para quem a fez. Logo, o centro de nosso
ser está fora de nós, é o nosso Criador.
Imaginem que um escultor esculpisse uma
estátua e, miraculosamente, desse-lhe a vida. E tão logo ela acabasse de ser
esculpida, dissesse para seu autor:
- Até logo, vou embora.
O escultor lhe passava um laço e dizia:
- Sem-vergonha! Eu te fiz, tudo o que há em ti
foi dado por mim, e vais embora? Vou te liquidar, não existirás mais.
Sendo o autor da estátua, o artista tem o
direito de servir-se dela. Pois bem, se isso é assim do escultor com a estátua,
quanto mais de Deus para conosco. Eu nada era quando Deus resolveu que
existisse Plínio. Ele criou a minha alma; devo, portanto, submeter-me a Ele.
De fato, quando admiramos algo superior a nós,
estamos, no fundo, prestando um ato de culto a Deus. Admirar é a postura normal
de nossa alma.
Os contrarrevolucionários
vivem da admiração
Quando o homem está na postura normal ele
sente bem-estar. Mas o bem-estar é um reflexo muito apreciável, porém colateral
da ordem que está nele. Por exemplo, um auditório precisa ter cadeiras
confortáveis para que os ouvintes se esqueçam do corpo e possa prestar atenção
na conferência. Os acolchoados, os braços da cadeira postos a uma altura
adequada, o apoio e a distensão que o corpo recebe evidentemente produzem um
certo bem-estar. Entretanto, ninguém diria: “Eu vou agora ao auditório para
sentar numa cadeira”. A pessoa vai para participar de uma reunião. A posição
adequada produz, colateralmente, um bem-estar.
Assim também a própria felicidade que o
entusiasmo produz é, ainda ela, secundária em relação a essa admiração
desinteressada e cheia de amor que devemos ter para com Deus.
Santa Teresa de Jesus exprimia isso de um modo
magnífico, quando disse que queria amar a Deus de tal maneira que “ainda que
não houvesse Céu, eu Vos amaria, e ainda que não houvesse inferno, eu Vos
temeria”. Quer dizer, “independente de tudo, por serdes Quem sois, eu Vos amo
quanto posso e lamento não ter capacidade de adorar ainda mais”.
No Gloria in excelsis Deo, que se reza na
missa, há um momento em que se diz Gratias agimus tibi propter magnam gloriam
tuam: nós vos damos graças, ó Deus, por vossa grande glória. Não é minha
glória, mas a d’Ele.
Consequentemente, quando vemos que alguém não
dá a Deus a glória devida, não apenas porque não O admira, mas inclusive
blasfema contra Ele, nossa alma é atingida no seu cerne. Se tivermos uma
admiração verdadeiramente desinteressada, é do próprio fundo de nossa alma que
seremos solidários com a ordem reta das coisas e, portanto, com a homenagem que
se deve a Deus. Por isso, ver alguém ser contrário a isso é m\ais do que se nos
tivesse dito um desaforo, roubado de nós um objeto ou lançado contra nós uma
calúnia. O que foi atingido vale, para nós, muito mais. Não por ser interesse
nosso, mas porque o suprassumo de nós mesmos é aquilo que amamos sem interesse
mesquinho.
Há, pois, um entrechoque de revolucionários
que se negam a admirar e contrarrevolucionários que vivem da admiração.
Entretanto por detrás dessa luta há outra que se trava no interior de cada um
de nós entre Deus e o demônio, entre a Virgem e a serpente, de maneira que
somos um campo de batalha.
Para atuarmos nesses combates, tanto o externo
quanto o interno, a Divina Providência nos concede auxílios maravilhosos. Um
deles é a graça, participação que o homem tem na própria vida de Deus. A graça
é uma criatura, mas ela nos faz participar da vida do Criador e confere à alma
forças que estão na linha da sabedoria, da energia, da sagacidade e de todo o
esplendor divinos. E isso nós aplicamos na luta também. Não é, portanto, a
força natural.
Dentro de nosso campo de
batalha interior os Anjos da Guarda são o auxílio poderoso
Outro auxílio poderoso são os nossos Anjos da
Guarda. Embora sejam tão superiores a nós que constituam os nossos arquétipos,
nessas batalhas eles estão para nós como os escudeiros em relação aos
cavaleiros.
Por vezes, os Anjos da Guarda são
representados naqueles quadrinhos encantadores, onde aparece um Anjo ajudando
uma criança a não cair da bicicleta, por exemplo. É verdade, respeito
enormemente, mas não é a função primordial do Anjo da Guarda. Sua principal
missão é ajudar-nos a vencer a Revolução dentro e fora de nós, e sermos
inteiramente contrarrevolucionários. Somos os combatentes, e ele nos dá
conselhos e forças enquanto lutamos.
Quando somos fiéis à graça e à ação angélica,
no meio dessa batalha há algo em nossa alma que entra como um coro, uma
orquestra de guerra. Por outro lado, se pecamos começa a coaxar um sapo ou
grunhir um porco É o demônio que faz a sua casa naquele que caiu no pecado. E
nós, só pelo fato de estarmos em pecado, já passamos a lutar em favor do
demônio. Embora nada façamos, o nosso existir em estado de pecado nos inscreve
no lado do adversário. Donde a necessidade de, o mais cedo possível, sair dessa
situação e voltar ao estado magnífico e diáfano da graça, onde nos transpomos
de um exército para outro, e de anjos malditos passamos a ser novamente Anjos
benditos.
Quiçá algumas pessoas colocadas diante das
verdades acima expostas terão suas almas divididas em duas zonas opostas. Uma,
luminosa, clara, alegre, porque ouvir alguém falar daquilo que merece todo o
entusiasmo, ou seja, de Deus, de Nossa Senhora, da Santa Igreja Católica torna
a alma límpida, leve, satisfeita.
A outra zona é obscurecida por interesses
mesquinhos: vontade de fazer carreira, de ganhar dinheiro, de aparecer, de ser
importante. Isso deixa a alma escura, pesada, abatida, arfando e pensando:
“Quando me virão o dinheiro e o prazer que eu quero?” Se vierem, essas pessoas
farão o mesmo que realizam todos aqueles que possuem essas coisas: quando a mão
está bem cheia, deixam cair no chão porque de nada servia aquilo tudo. Essa é a
realidade.
Peçamos a Nossa Senhora a admiração
desinteressada e inocente, ponto de partida invencível de todo o ódio
necessariamente fulminante, esmagador e vitorioso contra a Revolução”. (Extraído de conferência de 27/10/1979)
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