domingo, 19 de maio de 2024

O SOCORRO DIVINO NOS ÚLTIMOS MOMENTOS DA MORTE

 


 (Imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, a que apareceu à Madre Mariana de Jesus Torres)

 

Caridade e amor de Madre Mariana de Jesus Torres para com as famílias de suas religiosas – Ela livra do inferno o parente de uma delas – Dom da bilocação que Deus Nosso Senhor lhe concede

 Certa ocasião morreu o irmão de uma religiosa do Mosteiro da Imaculada Conceição de Quito, assassinado por ladrões quando retornava de uma viagem pelo sul. Era um jovem, chamado Roberto, um tanto dissipado e descuidado no cumprimento de seus deveres de católico.

Sua irmã, bem como Madre Mariana, trabalhavam com vivo interesse pela conversão daquela alma, que, entretanto, exigia muita paciência.

Quando ele veio despedir-se para a viagem, Madre Mariana dirigiu-lhe estas palavras:

- “Vê, Roberto, que Deus Nosso Senhor muito em breve vai chamar-te em juízo e se tu não te emendas, pões em risco tua salvação. Que amargura para os teus se no estado atual a morte te surpreender!”

Estas palavras penetraram tão fundo no coração do jovem que, santamente impressionado, respondeu:

- “Certamente, Madre, devo voltar atrás e emendar minha vida, segundo a norma do Evangelho. Se eu pudesse adiar minha viagem um só dia, eu o faria prontamente, mas já está tudo acertado e fixado. Sobretudo com os meus companheiros, pois é impossível viajar sozinho por esses caminhos infestados de ladrões.

“De regresso, os cuidados da alma serão a minha primeira ocupação. Para isso, recomendo-me às orações de V. Revda., da minha querida irmã e da santa Comunidade, à qual trarei uma lembrança de minha viagem”.

“Asseguro-te que te ajudarei em tua maior aflição – respondeu Madre Mariana – porque és uma das almas escolhidas de Deus para o Céu. Durante tua viagem não deixes um só dia de rezar o rosário nas contas que vou te dar. Reza com teus companheiros, rogando a Deus uma boa morte e a salvação de tua alma. Não deixes de examina tua consciência, para confessar-te oportunamente”.

O jovem despediu-se de sua irmã e do Convento muito impressionado. Fez tudo o que Madre Mariana lhe aconselhou. Na viagem, portou-se como católico praticante. Seus companheiros relataram que ele ia pensativo. Quando procuravam distraí-lo, ele explicava:

- “Viajo apenas impelido por necessidades urgentes e para aproveitar vossa companhia. Parece que minha morte está próxima. Nada me agrada e a única coisa que anseio é reconciliar-me com deus”.

 

Uma monja da Imaculada Conceição me ampara

Chegado ao lugar de destino, agenciou todas as coisas com grande cuidado, preparou um pacote avisando que era para as “monjitas” da Imaculada Conceição, às quais queria com toda alma.

“Quando tudo tínhamos arranjado para o retorno, dois companheiros nossos adoecerem.[1]

Éramos cinco os que viajávamos, sem contar os criados e pagens. Resolvemos, então, adiar a volta até que eles sarassem.

Roberto ficou inquieto, dizendo que precisava voltar logo, e que iria na frente. Deixou conosco suas mercadorias, os criados e um pagem, fazendo-se acompanhar apenas por um destes. Nós nos opusemos a que ele viajasse só, mas não conseguimos retê-lo. Partiu, pois, após despedir-se com afetuosa cortesia e fina educação.

Ficamos impressionados pelo fundo de tristeza que havia em seu semblante. Desejávamos ardentemente que nossos companheiros recuperassem logo a saúde para apressarmos o passo e alcançar Roberto, porque ele não possuía muita agilidade em grandes travessias.

Dois dias após sua partida, ouvimos ao longe, ao anoitecer, alguém gritar por nós com grande aflição. Não sabíamos quem poderia ser, mas veio-nos à mente nosso caro Roberto.

Incontinenti, dois companheiros, três pagens e cinco criados montamos e – por assim dizer – voamos na direção dos gritos.

Quando nos aproximamos, ouvimos e reconhecemos que era Roberto. Esporeamos desesperadamente as mulas. Qual foi nossa surpresa quando vimos uns três mulatos altos e fortes, que armados, o perseguiam a pé. Roberto, a cavalo, gritava por nós pedindo socorro, dizendo que estava ferido e as forças lhe faltavam, e que somente o sustentava uma monja da Imaculada Conceição.

(Convém esclarecer que Deus concedeu à Revda Madre Mariana de Jesus Torres, em várias ocasiões, a graça da bilocação. Ela foi vista, ora favorecendo ao Sr. Bispo; ou em São Francisco e em outros lugares que necessitavam de auxílio).

Então começamos a gritar: “Socorro, socorro”, e outras coisas para ajudar Roberto. Os mulatos fugiram. Encontramos Roberto agonizante, que dizia: “Uma monja da Imaculada Conceição me ampara”.

(O piedoso leitor se lembrará que, quando Roberto se despediu de Madre Mariana de Jesus, esta boa religiosa anunciou-lhe a morte, dizendo-lhe que rezasse todos os dias o rosário que lhe daria, pedindo à Santíssima Virgem uma boa morte, e acrescentou: “Eu te ajudarei em tua maior aflição”. Eis que aparece aqui a monja espanhola, sustentando a vida de Roberto até que se confessasse, pois ele já deveria ter morrido exangue apenas com os primeiros ferimentos. Mas, oh poder da oração! Como Deus Nosso Senhor atende as súplicas de Sua amada esposa!)

Grande foi a surpresa ao encontrar Roberto agonizante e a mula completamente despedaçada, com os intestinos fora do ventre, caídos pelo chão. Vendo-a neste miserável estado, admiramo-nos como o pobre animal pode caminhar tanto tempo carregando Roberto. Todos nós nos convencemos de que fora um milagre estupendo, operado em virtude de alguma devoção de Roberto ou de orações feitas em favor dele.

Como sabíamos que ele tinha uma irmã religiosa e que amava desmedidamente o Convento da Imaculada Conceição, demos por certo que as monjas o mantiveram vivo a fim de que ele se pudesse confessar, e também comunicaram misteriosa força à mula para que o trouxesse até pô-lo a salvo.

Com profundo pesar conduzimos os cadáveres de Roberto, de seu pagem e também de um dos ladrões, a um povoado próximo para as devidas comprovações. Nossos companheiros já estavam sãos, mas tivemos de dilatar o tempo da viagem até estarem concluídos os assuntos mortuários e trazer todos os certificados, com testemunhos, para apresenta-los aos parentes, amigos, bem como à Real Audiência.

 

De como se deu a morte de Roberto

Agora, explicaremos como foi a morte.

Apressamos o passo e, reunindo ao todo vinte e cinco pessoas, cercamos os ladrões para apanhá-los. Um dos caminhantes a quem pedimos auxílio matou com tiro certeiro um dos ladrões.  Os outros dois fugiram feridos,  conforme as marcas de sangue      que deixaram pelo caminho.

Aproximamo-nos de Roberto e ele nos estendeu a mão. Com cansaço mortal, deixou-se cair esmorecido sobre a mansa mula que cavalgava. Deitamo-lo no solo. Nosso pobre amigo, com olhos vidrados, olhava-nos, queria falar mas não conseguia, apertava-nos a mão. Estava banhado de sangue.

Logo que o descemos da mula, esta caiu em terra, toda ensanguentada. Julgamos a princípio que era também sangue de Roberto, a quem atendíamos com dedicação. Conseguimos que ele tomasse alguns goles de vinho. Pôde, então, dizer com muita dificuldade e pausadamente estas palavras:

- “Meus amigos, vou morrer. Tragam-me um Sacerdote para ouvir-me em confissão e me absolver”.

Neste ínterim passavam vários grupos de transeuntes, entre eles alguns frades franciscanos, a quem rogamos que atendessem nosso pobre amigo. Pressurosos foram até ele.

Ao vê-los, nosso Roberto estendeu-lhes os braços e copiosas lágrimas rolaram-lhe pelas faces. Nós nos retiramos, ficando os dois Padres a sós com ele. Um o ouvia em confissão, enquanto o outro o sustentava nos braços, pois suas forças se esvaíam. Falou meia hora.

Terminada a confissão, os padres nos chamaram. Aproximamo-nos e ele nos disse:

“Meus amigos, sou feliz. Morro reconciliado com Deus, morro tranquilo. Nada me inquieta. Todas as minhas mercadorias rogo que entreguem à minha família. Mas, um dos pacotes – sabeis qual é – destinai às monjas da Imaculada Conceição. Dizei a todos que não me esqueçam em suas orações, pois necessito de sufrágios para minha alma. Ide procurar o pagem que levava comigo, para que, se estiver vivo aproveite a ocasião para se confessar”.

Dez caminhantes, três criados e um pagem saíram em seguida, e bem longe encontraram o pagem morto e completamente despido. E morta também a mula que montava. Cobriram-nos com um poncho e trouxeram até onde estávamos, mas não deixamos que Roberto o visse nem soubesse do seu triste fim. Os Padres examinaram-no e, na opinião de todos, estava morto havia algumas horas.

Roberto ia se consumindo lentamente. Os Padres começaram a recitação da Ladainha dos Agonizantes.

Após o ósculo do crucifixo apresentado pelos missionário franciscanos, deu um profundo suspiro e morreu nos braços dos Sacerdotes, sem convulsões nem trejeitos.

Estávamos nesta aflição e nos aproximamos da mula para levantá-la do chão e nela levar o cadáver de Roberto ao lugarejo próximo onde os nossos nos esperavam. Qual não foi nossa surpresa ao vê-la inteiramente dilacerada. E vimos que fora milagre o pobre animal ter conseguido carregar Roberto e percorrer um tão longo trecho.[2]

 

Enquanto isso no Mosteiro da Imaculada Conceição...

Na tarde de uma sexta-feira do mês de dezembro, Madre Mariana de Jesus Torres chamou Madre Manuela, antiga noviça sua e lhe disse:

-“Minha filha, sabes que meu coração é inteiramente de minhas filhas. Minhas são suas dores e meus são seus prazeres. Vou preparar teu coração, para que recebas tranquila o dom da tribulação com que o Esposo Divino te quer presentear

“Oh! Quanto me interessei por Roberto! E hoje ele está necessitado. Reza, clama e chora ao Divino Prisioneiro para que o ajude. Ele é uma alma querida por Deus, e por esta razão, desde que ele se despediu de nós não deixei de rezar muito por ele.

“Saibas, minha filha, que ao amanhecer deste dia cairá nas mãos dos salteadores, que procurarão acabar com sua vida, mas eu e tu não haveremos de o permitir até que possa confessar-se e reconciliar-se com Deus, porque ele já tem preparada a confissão e está bem pronto para passar à eternidade. Além disso, estarão com ele alguns dos nossos irmãos Menores[3], que o assistirão em sua última hora. Mas para se conseguir isto é preciso muita oração de nossa parte.”

A religiosa ficou trêmula ao receber tal notícia. Lançando-se aos braços de Madre Mariana, começou a chorar consternada e com palavras entrecortadas dizia:

- “Minha Madre, fazei violência à bondade de Deus para que meu pobre irmão não caia nas mãos dos cruéis salteadores, e ele possa regressar são e salvo ao seio da família. Bem sabeis que ele é o único filho varão e tem sido tudo para meus pais e irmãos. Sabendo que ele será assaltado, obtende de Deus que não o seja”.

-“Filha de minha alma – ponderou Madre Mariana – os desígnios insondáveis de Deus não podemos compreendê-los. Está decretado este gênero de morte para nosso caro Roberto. Ânimo e muita generosidade para com Deus. Não há que perder tempo chorando, mas sim rezar a Deus para que favoreça aquela alma querida”.

E, abraçando-a contra o seu peito, cumulou-a de carícias e disse tantas palavras de alento, que acalmaram o primeiro impacto da dor e recobraram-lhe o ânimo para rezar fervorosamente. Madre Mariana ordenou que não revelasse o assunto a ninguém e que o conservasse em segredo.

A religiosa, triste e chorosa, assistiu a todos os atos da Comunidade. Em sua amargura era doce lenitivo olhar para Madre Mariana, que procurava não separar-se dela.

Após a ação de graças do jantar, Madre Mariana disse em alta voz no refeitório:

- “Madres e irmãs minhas, soubemos que um parente muito chegado de uma de nossas irmãs está em grande angústia. Peço que vos esqueçais de vós mesmas, para rogar ao Senhor que favoreça e salve esta alma. Vamos aplicar nesta intenção tudo quanto fizermos até o dia de amanhã”.

As religiosas amavam desmesuradamente a única Fundadora que ainda lhes ficava e como, por outro lado, possuíam largos conhecimentos das virtudes e dons extraordinários que ele recebia de Deus, as palavras de Madre Mariana de Jesus causaram forte impressão no coração das religiosas. Cada uma oferecia tudo quanto fazia para a salvação dessa alma querida, interrogando-se se não seria um dos seus próprios familiares. Mas como não era menor que a medida de afeto, o respeito que tinham pela sua Superiora, ninguém ousava perguntar-lhe, esperando que Madre Mariana tomasse a iniciativa de chamar a religiosa cujo parente estava em grande perigo. Vendo, contudo, que ela não o fazia, redobravam todas e cada uma suas súplicas e penitências por aquela alma necessitada.

Soada a hora do silêncio, todas se recolheram ao dormitório. Madre Mariana costumava zelar pelo silêncio toda as noites em companhia da Vice-Superiora a quem isto compete. Entrava na cela de cada doente para lhe dar a bênção, depois fazia o mesmo com a Comunidade do dormitório. Isto, mesmo quando não ocupava o cargo de Superiora, na sua condição de Fundadora. Era respeitada e obedecida, a começar pela Superiora, que contava com ela nas menores coisas. Ou seja, ela dirigiu o convento até sua morte, seja diretamente, seja por meio das outras abadessas que se sucediam. A estas ela facilitava o exercício de encargo tão delicado, de forma que somente após a morte das Madres Fundadoras é que as Superioras deram-se conta de quão era este múnus, tão cheio de responsabilidades, do qual dependiam a existência e a conservação da vida em comum. É por esta razão que, alguns anos depois da morte das Madres Fundadoras, introduziu-se a vida particular.

 

Visão de Madre Mariana do assalto contra Roberto

À meia-noite, quando estava em meditação, Madre Mariana teve a visão de dez mulatos altos e fortes que se acometiam sobre o pobre Roberto e seu pagem, procurando dar-lhes morte cruel e instantânea, a fim de apoderar-se, segundo diziam, da vultuosa soma de dinheiro que aqueles serranos deveriam levar.

Ao ver esta cena, Madre Mariana clamou a seu Divino Esposo e à Sua Mãe Santíssima do Bom Sucesso pedindo que não permitissem tamanha crueldade da parte daqueles homens sem Deus e sem consciência.

Neste momento foi-lhe descoberto o estado das almas daqueles salteadores. Horrorizou-se por vê-las tão negras e degradadas. Viu que o pior dos criminosos havia, horas antes, assassinado a sua própria mãe e os irmãos por não participarem de suas ideias, e que ele desceria ao Inferno antes mesmo de Roberto morrer.

Viu que o pagem era muito católico e temeroso de Deus. No dia da partida de Quito havia se confessado e comungado em San Agustin, cuja igreja frequentava e durante a viagem não perdera o estado de graça. Caindo nas mãos dos salteadores, ao tentar libertar seu amo, elevou o coração a Deus, perdoando os agressores, encomendou sua alma a Deus e a Nossa Senhora, pedindo-lhes que o salvassem. Quando ele morreu, Madre Mariana assistiu ao seu juízo favorável e viu o pouco tempo de Purgatório que lhe foi imposto.

Na hora em que os salteadores iam apoderar-se de Roberto viram todos uma luz muito clara e no meio uma pessoa vestida de branco e azul, que os aterrou por um momento. Isto foi visto também por Roberto, que o relatou a seus amigos.

Os ladrões avançaram contra esta pessoa, descuidando-se de Roberto, que se aproveitou da ocasião para esporear a mula e afastar-se deles. Instantes depois eles saíram ao encalce de Roberto e de longe o feriram. Contudo, por mais que corressem não conseguiam alcança-lo. Quando ele começou a gritar para seus companheiros, fugiram todos, com exceção do miserável mulato morto pelos caminhantes que foram em auxílio de Roberto e o salvaram.

Madre Mariana viu como aquela alma tão celerada desceu ao fundo do Inferno com a velocidade do raio.

 

Madre Mariana tranquiliza a irmã de Roberto

Quando a Comunidade se reuniu pela manhã, às quatro horas, para a recitação do Ofício Parvo, já se encontrava lá Madre Mariana. As religiosas cravaram nela os olhos, à espera de alguma aviso, mas ela baixou a vista com sua gravidade religiosa de costume.

Deu início ao Ofício com a devoção de sempre e todas rezaram com extraordinário fervor. Seguiram-se demais atos da Comunidade.

No meio da meditação, Madre Manuela não pôde resistir; lenta e timidamente aproximou-se de Madre Mariana chamando-a. Esta, com a bondade e doçura própria de uma alma santa, afagou-a, dizendo:

- “Minha filha, tranquiliza teu coração. Dá graças ao Senhor e comunga fervorosamente pela alma de Roberto. Ele é feliz: morreu bem e se salvou. Deixa de chorar perdendo o mérito, pois o Esposo Divino se ressentiria. Não nos compete senão agradecer-Lhe. Continua tranquila tua oração”.

A religiosa voltou ao seu lugar, sofrida sim, mas com o coração em paz, porque sabia que seu irmão estava salvo. Chorava em silêncio, resignada com a vontade de Deus.

 

Madre Mariana recebe instruções de como se portar com a família

Chegada a hora em que se podiam receber as visitas, a família de Madre Manuela veio vê-la, manifestando-lhe que seus corações estavam abatidos e profundamente entristecidos por causa de Roberto. Havia dia não recebiam notícias dele, quando já era tempo de chegar algumas cartas. E a apreensão era tanto maior porque vários mercadores recém chegados informaram estar o caminho infestado de ladrões, dos quais só se livraram por viajarem em grande comitiva.

Antes de falar com a família, Madre Manuela foi aconselhada por Madre Mariana:

-“Minha filha, vem visitar-te a tua família, com o coração sobressaltado por causa de Roberto. Não fales a menor palavra a respeito. Consola-os e dize-lhes que, sendo Deus nosso absoluto Senhor e Criador, e amando-nos como nos ama, devemos esperar de sua amorosa bondade tudo de bom e de melhor”.

Madre Mariana acompanhou-a até ao parlatório e, antes de entrar, disse-lhe:

- “Ouve, filha de minha alma, Roberto te pede hoje um grande sufrágio, com que espera aliviar-se muitíssimo: é que não chores na presença de tua família demonstrando conhecer o seu triste fim.  Esta mortificação será muito agradável ao Senhor e de muito proveito para a alma de teu irmão”.

A boa religiosa obedeceu à ordem e conselho de Sua Madre, Mestra e Fundadora. Cumprimentou a família, a qual lhe manifestou amargura, como foi dito anteriormente. Madre Manuela, dominando-se heroicamente, animava aos seus com as palavras que Madre Mariana lhe recomendara. Compartilhou das dores da família, derramando algumas lágrimas em segredo e na paz.

Madre Mariana viu quanto Deus se comprouve com aquela alma realmente boa e o grande alívio que obteve para a alma de seu irmão. E louvou ao Senhor, Autor de toda a virtude.

Madre Mariana dirigiu também à família palavras de alento e consolo, dizendo que, em todo caso, devemos estar preparados para aceitar a santíssima vontade de Deus, que nunca envia às suas criaturas provações superiores ao que elas podem resistir.

A família saiu do Convento sofrida, mas cheia de paz; e diziam uns para os outros:

-“Que se opera em nossos corações quando falamos e tratamos com Madre Marianita? Que palavras tão cheias de unção divina, que tocam o coração e o tranquiliza mesmo em meio às dores! É verdadeiramente uma monja santa, feliz criatura e felizes os que vivem com ela”.

 

Palavras de confiança à mãe de Roberto

Transcorridas algumas semanas, a mãe de Madre Manuela voltou ao Convento chorando desesperadamente. Contou que os companheiros de viagem de seu filho havia chegado e narraram o triste fim de Roberto, assaltado pelos ladrões. E pediu com insistência para falar com a filha e com Madre Mariana.

Esta instruiu Madre Manuela sobre como deveria portar-se naquela circunstância tão dolorosa, na condição de esposa fiel de Nosso Senhor Jesus Cristo. Dirigiram-se, então, ao parlatório.

Quando ouviu a voz da filha, a triste senhora irrompeu em lágrimas, dizendo entre soluços:

- “Querida filha, teu irmão morreu, atacado por salteadores. Ai! Meu filho morreu longe dos seus! E sua alma? Isto é que me faz desesperar! Que será de meu Roberto? Salvou-se ou condenou-se? Ele foi bom católico, mas nos últimos anos dissipou-se muito e afastou-se dos sacramentos. Isto me mata e me consome. Minha dor se amainaria se soubesse que ele se salvou.

“Madre Marianita – prosseguiu – console o coração atribulado desta mãe desconsolada. Peça V. Rvda a seu Esposo que lhe dê a conhecer se meu Roberto se salvou. As esposas de meu Senhor Jesus Cristo são as pessoas que podem tratar com Ele e dar lenitivo aos corações angustiados dos que vivem no mundo. Deus tira o meu filho e com ele todo o meu apoio. Mas, se soubesse que ele está salvo, atenuada ficaria minha dor”.

Madre Mariana abriu os lábios e de tal modo falou à consternada senhora, que suas palavras, cheias de unção divina caíram naquele coração destroçado pela dor como o orvalho em planta ressequida. Entre outras coisas, exortou-a a que tivesse fé na infinita misericórdia de Deus, de que Roberto tinha se salvo, pois as mortes repentinas e imprevistas dependem de desígnios da Providência Divina.

Disse ainda que se fixasse nesta consoladora ideia, sem desesperar-se em nenhum momento. E não deixasse de sufragar  quanto possível a alma do filho, a fim de que saísse quanto antes do Purgatório e voasse para o Céu, para goza a Deus eternamente. E que ela se oferecia, por seu turno, para fazer o que estivesse ao seu alcance, com vistas ao descanso daquela alma querida.

 

Sobre a futura morte de Manuela – A alma de Roberto sai do Purgatório

Madre Manuela, como fiel discípula de Madre Mariana, disse à mãe palavras animadoras e alentou seu coração abatido, de sorte que a pobre senhora voltou muito confortada para casa, onde consolou os seus.

Madre Mariana viu com suma complacência a bela alma de Madre Manuela, e o quanto aproveitava para si e para o sufrágio da alma de seu irmão o sofrimento suportado com paciência e com uma resignação não apenas cristã, mas também religiosa. Madre Mariana louvava ao Senhor por isto, e todos os dias abençoava sua filha espiritual com amorosa ternura. Falava-lhe a respeito do Céu e lhe ensinava a ter a alma preparada para morrer a qualquer momento que aprouvesse a Deus chama-la para prestar contas.

É que Deus Nosso Senhor havia revelado a Madre Mariana que aquela sua filha devia morrer de morte súbita, porque temia a hora da morte, por causa das tentações com que o demônio costuma assaltar no último transe, até mesmo as almas justas.

Após a morte do jovem Roberto, Madre Mariana encarregou-se de livrar logo do cárcere da expiação aquela alma querida, tanto mais que era irmão de sua Manuela. Penitências, orações, padecimentos interiores, e todos os méritos de sua heroica vida, tudo aplicava, exigindo do Senhor que levasse quanto antes ao Céu aquela alma por quem ela se empenhava.

Tanto fez até que um dia, depois da Comunhão, Nosso Senhor lhe mostrou que a alma de Roberto se elevava ao Céu como uma branca nuvem. E este lhe dizia:

- “Deus a recompense, Madre, vossa caridade e o afã de libertar-me do cárcere da expiação. A vós devo minha rápida libertação. Esperar-vos-ei no Céu”.

Madre Mariana, com seu tino e cautela característicos, comunicou a Madre Manuela que seu irmão estava no Céu. O amor e a gratidão a Deus aumentaram nesta alma religiosa, formada pelo santa monja espanhola e admirável mestra de almas”

 

(“Vida Admirável da Rev. Madre Mariana de Jesus Torres, espanhola, uma das Fundadoras do Monastério de La Limpia Concepcion de la Ciudad de Quito, escrito pelo Rev. Padre Manuel Sousa Pereira da Ordem Seráfica dos Menores do Convento Máximo de São Francisco de Quito, Equador” – Tomo II - páginas 125/131 – capítulo XIII - . – edição extraída de crônica feita por este padre, na época dos fatos, e publicada em 1934)

 



[1] A partir deste ponto até o 11º parágrafo da página 127, a narração passa, bruscamente, a ser feita na primeira pessoa do plural, dando a entender que todo este trecho  foi emprestado do testemunho de algum dos companheiros de viagem de Roberto. Há também, de entremeio, alguns parágrafos de comentários, cuja autoria parece ser do padre Manuel S. Pereira. (para facilitar o colocamos em negrito)

[2] Até aqui o testemunho dos companheiros de Roberto

[3] Ordem dos Frades Menores (OFM)


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