A propósito da afirmação de que alguns Anjos do Apocalipse na realidade são Santos da Igreja, Dionísio, o Areopagita, põe a seguinte pergunta: por que a nosso hierarca humano nas Escrituras lhe chamam “anjo do Senhor onipotente? ”O Profeta Malaquias disse: “Porque os lábios dos sacerdotes serão os guardas da ciência; da sua boca se há de aprender a lei, porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos” (Mal 2, 7). Mais adiante, o Profeta disserta mais longamente sobre isto: “Eis que mando eu o meu anjo, o qual preparará o caminho, etc.” Que anjo será este? Será aquele que “sentar-se-á como um homem que se senta para fundir e refinar a prata; purificará os filhos de Levi”, etc. (Mal 3, 1). São Paulo a si mesmo se compara com um Anjo de Deus: “...antes me recebestes como um anjo de Deus...” (Gál 4, 14). Conclui o Areopagita: “...Não vejo nenhum inconveniente em que as Escrituras chamem “anjo” inclusive a nosso hierarca (bispo). Tem a propriedade de ser, dentro do possível, como os anjos, um mensageiro. Tem, ademais, a missão de imitar, segundo suas possibilidades, o poder revelador dos anjos”. [1]
Sentido e
significado da palavra Anjo
O
Catecismo da Igreja Católica assim se expressa sobre os anjos na questão 329:
“Santo
Agostinho diz a respeito deles: “Angelus officii nomen est, non nature. Quaeris nomen huius
naturae, spiritus est; quaeris officium,
angelus est; quaeris officium, angelus est, ex eo quod est, spiritus est, ex eo
quod agit, angelus” – Anjo (mensageiro) é designação de encargo, não de
natureza. Se perguntares pela designação da natureza, é um espírito; se
perguntares pelo encargo, é um anjo: é espírito por aquilo que é, é anjo por
aquilo que faz. Por todo o seu ser, os anjos são servidores e mensageiros de
Deus. Porque contemplam “constantemente a face de meu Pai que está nos céus”
(Mt 18, 10), são “poderosos executores de sua palavra, obedientes ao som de sua
palavra” (Sl 103, 20).
A doutrina de Santo Agostinho, que diz que anjo é encargo, baseia-se também no texto de São Paulo aos hebreus: “Acerca dos anjos diz: “Ele faz os seus anjos espíritos, e os seus ministros chamas de fogo”. (Hb 1, 7). Quer dizer, são criados como espíritos e investidos do encargo de ministros, e por isso são anjos. Deste modo, vários enviados divinos, sejam Profetas, sacerdotes ou os próprios espíritos celestes, que alguns tradutores designam com o título de mensageiros e outros de anjos, são anjos não só quanto á natureza mas quanto ao encargo.
São Vicente Ferrer, o "Anjo do Apocalipse"
São Vicente Ferrer, cognominado de “Anjo do Apocalipse”, teve o seguinte comentário do Dr. Plínio:
“Tenho a impressão de que poucas coisas são tão bonitas na hagiografia quanto o nós situarmos a missão do santo no panorama proposto pela RCR (Revolução e Contra-Revolução). Segundo tal panorama, no século XIV, a Cristandade começava a decair. Era uma decadência eclesiástica tremenda que se atestava pelo fato de haver ao mesmo tempo papas exilados em Avinhão, que estavam sob a férula dos reis de França. E um cisma tremendo: três papas que se combatiam reciprocamente, dos quais, naturalmente, um só era válido. Mas estava de tal maneira a confusão na Cristandade, que para cada pseudo-papa ou papa, havia santos que estavam do seu lado. Os senhores compreendem o que significava, para isso ser possível, a putrefação toda do clero. Mas esta acarretava, por sua vez, como conseqüência, a degenerescência dos fiéis. E era toda a Idade Média que entrava em decomposição, de caráter mais moral do que intelectual; era uma explosão de orgulho e de sensualidade que começava, a qual devia depois gerar os desvios intelectuais que são os erros da Revolução.
Então a Providência manda, muito adequadamente, para essa época, um santo que foi grande na sua Ordem como, por exemplo, foi grande na sua esfera própria, São Tomás de Aquino. Porque se se pode dizer, de um lado, que São Tomás de Aquino foi Doutor Comum, o filósofo dos filósofos, o teólogo dos teólogos, pode-se dizer que como pregador popular – depois dos Apóstolos – ninguém excedeu provavelmente São Vicente Ferrer, nem mesmo, no século XIX, Santo Antônio Maria Claret, que foi um pregador assombroso.
São Vicente Ferrer dizia de si mesmo que era o “Anjo do Apocalipse”, que tinha vindo para anunciar a derrocada da Civilização Cristã e o começo do fim do mundo. E de fato ele lutou enormemente para a moralização dos costumes, lutou para que exatamente essa decadência moral se sustasse”. (Plínio Corrêa de Oliveira - Santo do Dia, 04 de abril de 1966)
O Grande ou Poderoso Monarca, também
chamado de “Anjo”
É
assim que o Padre Holzhauser se refere a esse personagem:
"Queira Deus que
venha o mais cedo possível este poderoso Monarca[2]
que deve eliminar as repúblicas, abater as brechas das cidades imperiais e
marítimas que não são outra coisa senão ninho de víboras, sufocar os gritos e
os sopros desses pregadores e dessas serpentes, que depois de serem humilhados
os hereges e os cismáticos, fará cessar todo erro”
Baseia-se
no que diz o Apocalipse:
"Depois vi outro
anjo forte, que descia do céu, vestido de uma nuvem e com o arco-iris sobre
a cabeça, e o seu rosto era como um sol, e os seus pés eram como colunas de
fogo; e tinha na sua mão um livrinho aberto; e pôs o pé direito sobre o mar, e
o esquerdo sobre a terra, e gritou em alta voz, como um leão que ruge, e depois
que gritou, sete trovões fizeram ouvir as vozes (Apoc. 10, 1-3)".
"Este anjo
representa o grande monarca que está por vir.
"...São João atribui
a este anjo a qualidade especial de ser forte e poderoso. "Eu vi outro
anjo pleno de força". Ele será poderoso na guerra e quebrará tudo como um
leão. Ele se tornará grandíssimo por suas vitórias e não haverá nada que esteja
mais solidamente estabelecido do que o que está baseado sob o trono do seu
império. Ele reinará muitos anos, e durante o curso do seu reinado, ele
humilhará os hereges e as repúblicas e submeterá todas as nações a seu império
e o da Igreja latina. Mais ainda, após ter relegado ao inferno a seita de
Maomé, ele destruirá o império turco, e não deixará subsistir senão um pequeno
estado sem poder e sem força o qual se manterá, entretanto, até a vinda do
filho da perdição, que não temerá o Deus de seus pais, e não dará satisfação a
nenhum Deus (Dan. 11,37).
"Eu vi um outro anjo
cheio de força e descendo do céu". O profeta diz que esse anjo descerá do
céu porque ele nascerá no seio da Igreja católica[3],
tomada aqui no sentido do céu, e ele será especialmente enviado de Deus,
segundo os decretos da Divina Providência que terá escolhido para consolação e
exaltação da Igreja latina, no meio mesmo de sua grande aflição e sua
humilhação profunda.
"...Ele terá na mão
um livro aberto". Este pequeno
livro simboliza um Concílio geral, que será o maior e mais célebre de todos. O
profeta diz: "Este anjo tem este pequeno livro na mão", porque é pela
obra e poder deste Monarca que este Concílio será reunido, protegido e chegará
a bom termo; e também porque ele empregará todo o seu poder para fazer executar
as sentenças e decretos (deste concílio). O Deus do céu o abençoará e colocará
todas as coisas em suas mãos e sob seu poder. E está dito que este pequeno
livro será aberto, por causa da clareza com a qual este concílio explicará o
sentido da Sagrada Escritura e por causa da pureza dos dogmas da Fé que então
se proclamará.
“...E ele gritará em alta
voz como um leão que ruge”. Este estrondo de voz comparado com o do leão,
nos faz compreender o terror imenso que ele inspirará a todos os povos da terra
e aos habitantes das ilhas[4].
Pois, quando o leão ruge ele
manifesta sua força e todos os outros animais ficam tomados de terror. É por
isto que está dito nos provérbios: “Como o rugido do leão, assim o terror do
rei” (Prov 20,2).
“Os gritos de sua voz
serão também seus editos imperiais, pelos quais ele ordenará de executar em
todo o rigor em favor da fé ortodoxa as ordens do Concílio; e seus editos
chegarão a todas as nações da terra e às ilhas.
“E após ter gritado, sete
trovões fizeram ecoar suas vozes”. Esses
trovões que se farão ouvir a voz deste anjo, serão os murmúrios e os gritos de
todos aqueles que quererão resistir à vontade deste Monarca e quererão
fulminá-lo, pois levantar-se-á neste tempo uma grande tempestade. Mas porque
eles não poderão resistir-lhe e ainda menos fazer-lhe mal, está ordenado a São
João de não escrever aquilo que viu nesta circunstância; porque toda esta
tempestade será sem efeito. Jesus Cristo quer unicamente prevenir São João em
sua qualidade de representante da Igreja, para nos fazer saber que o império
deste Monarca e a propagação da verdadeira Fé sobre a Terra, não se obterão sem
muito trabalho e sem muita tempestade. Por isso porque está disto: “E depois que ele
gritou, sete trovões ecoaram suas vozes”.
Somente quando o trovão faz ouvir sua voz, é que a faísca não ferirá
mais porque a nuvem terá iluminado o ar. Mas a tempestade produzirá um efeito,
algumas vezes tão nocivo, segundo as faíscas caiam sobre os homens, sobre os
animais, sobre as árvores ou sobre os edifícios. Ora, a tempestade que foi
mostrada a São João sob a figura de uma trovoada, era uma tempestade sem outro
efeito senão aquele da voz do trovão.
“Sete trovões farão
estalar suas vozes”. Quer dizer que os
príncipes e os grandes se insurgirão contra este Monarca e murmurarão. Eles
farão ouvir suas vozes na ocasião deste Concílio, para lhe resistir e para
fulminar seus decretos; mas porque este Monarca estará sob a proteção de Deus,
todos os seus esforços serão vãos e inúteis.
Isto se conforma com São
Boaventura, ao comentar outra passagem do Apocalipse, quando diz: “Desta forma,
se pode crer com fundamento que Francisco foi prefigurado naquele Anjo que
subia do oriente levando impresso o selo de Deus vivo, segundo se descreve na
verídica profecia do outro amigo do Esposo: São João, Apóstolo e evangelista.
Com efeito, ao abrir-se o sexto selo – disse São João no Apocalipse - ”vi outro
Anjo que subia do oriente levando o selo de Deus vivo”. Como São Francisco
recebeu os estigmas da Paixão de Cristo, estaria “levando o selo de Deus vivo”.
Há
também um simbolismo com relação à nuvem, ao arco-íris, ao rosto como o sol,
aos pés como colunas de fogo e ao livrinho na sua mão. O Anjo, ou Varão
angélico, estava vestido por uma nuvem, isto é, vinha trazendo aos homens o que
as nuvens trazem, chuvas ou tempestades; mas também o estar vestido numa nuvem
pode significar que sua presença estava um pouco esmaecida e não percebida
pelos homens por causa da nuvem, sua vestimenta. O arco-íris sobre sua cabeça
quer dizer que ele é um intercessor entre Deus e os homens, pois o arco-íris
significa os armistícios entre Deus e os homens feitos com Noé e outros
Patriarcas. Seu rosto brilha como o sol,
querendo significar sua pureza e esplendor como reflexo de Deus. Seus pés são
como colunas de fogo porque por onde ele andou pregou a guerra contra o pecado,
os demônios e os vícios. Finalmente, o Anjo “que desceu do céu” está trazendo
um livrinho na mão, aberto, significando a Doutrina que o Santo andou pregando
aos homens, sem nada haver de oculto.[5]
Abandonando
o texto da sexta trombeta o Venerável Holzhauser passa a comentar o capítulo 14
do Apocalipse, aquele do sexto sinal, que corresponde, segundo ele, a Sexta
Igreja:
“Isto que acaba de ser
dito de Jesus Cristo, nesta profecia, pode-se aplicar, de algum modo, por
analogia, a este Monarca poderoso do qual São João diz que será semelhante ao
Filho do Homem, tendo sobre a cabeça uma coroa de ouro (Apoc. 14,14)”.
Conforme
já vimos, São Tomás de Aquino afirma que o termo “Filho do Homem”, como o
próprio Nosso Senhor Jesus Cristo se autoproclamava, significa que era nesta
qualidade que Ele julgaria os homens, trata-se portanto de um título de Juiz.
Assim, será também com a missão de Juiz dos povos que o Grande Monarca
aparecerá, já que ele será “semelhante ao Filho do Homem”.
“Quer dizer que ele será
um Grande Monarca, rico e poderoso, e o dominador dos dominadores. Ele
vencerá os reis das nações e será cheio da caridade de Deus.
“E tinha em sua mão uma
foice cortante”. (Apoc 14,14). Esta
foice que o Grande Monarca terá em sua mão é o grande e forte exército com o
qual ele atravessará os reinos e as nações, e as repúblicas e as praças fortes,
que ele perpassará de ponta a ponta. Está dito que esta foice é cortante porque
ele não empreenderá nenhum combate que não resulte em vitória para suas armas,
ou de grandes perdas e grandes carnificinas para o inimigo.
“...E um outro anjo saído
do Templo, gritava em alta voz àquele que estava sentado sobre a nuvem: Lançai
vossa foice e segai, porque é chegada a hora de segar” (Apoc. 14, 15). Esta voz é aquela de alguém que exorta com a
guerra, veementemente, à colheita da cizânia dos hereges e dos Turcos. Este
anjo que sairá do Templo e dirá assim, é o Grande e Santo Pontífice do qual já
falei, que Deus suscitará nestes dias. E este Pontífice exortará e engajará
este Monarca de empreender esta guerra sagrada. “Jetez votre faulx” (lançai
vossa foice), lhe dirá ele, quer dizer, vosso exército poderoso, e cortai,
arrasai, erradicai os hereges e os bárbaros.
“E Deus disporá os
corações dos soldados de maneira que eles adiram de espírito e de coração à
empresa de seu Monarca poderoso...
“E aquele que estava
sentado sobre a nuvem lançou sua foice sobre a terra e foi feita a colheita”
(Apoc 14, 16). Todas estas palavras
exprimem o feliz sucesso obtido segundo as palavras do Santo Pontífice: “E a
Terra foi ceifada”,porque o Grande Monarca exterminará e submeterá a seu poder
as nações dos Turcos e dos hereges, e ocupará suas terras.
“E um outro anjo saído
do templo que está no céu, tendo também ele mesmo uma aguda foice... (
Apoc. 14, 17).
“Esta foice é um grande
exército que os Estados da Igreja e seus aliados, estreita e fortemente unidos
reunirão em torno do Grande Monarca. Por isso está dito que este outro anjo
sairá de dentro do templo, quer dizer, dos estados da Igreja, cujo templo é
figura. “Que está no céu”, quer dizer na Igreja militante, representada aqui
pela palavra céu. Aquilo do qual está escrito: “E um outro anjo sairá do
templo”, será um grande general em chefe que este Santo Pontífice, do qual já
falei, constituirá e designará para comandar este forte exército que empregará
em arruinar e aniquilar o poderio dos Turcos e dos hereges. [6]
Segundo
o entendimento do Venerável Holzhauser, três grandes personagens surgirão no
final do quinto período da Igreja e começo do sexto: o Grande Monarca, o Santo
Pontífice e um grande general. Lembremo-nos de que, na regência perfeita, três
são aqueles que transmitem o poder régio: um pontífice, um magistrado e um
general. O Pontífice para como que selar a aliança entre Deus e os homens; o
Magistrado para interpretar o cumprimento das leis divinas e, finalmente, o
general para a conquista e adesão dos que vão ser regidos doravante. É natural,
pois, que sejam eles, também no mundo atual, os restauradores da regência
divina e da Igreja sobre os homens. No Antigo Testamento era mais ou menos
assim, havia o cumprimento de um ritual de entronização da regência, às vezes
com quatro personagens como os que foram escolhidos para transmitir o trono a
Salomão, um rei (Davi que ainda vivia, fazendo o papel de magistrado), um
pontífice (Sadoc), um profeta (Natan) e um general (Bananias) (ver I Rs 1,
36-37).
Então, esse “Grande Monarca” poderia ser uma espécie de “magistrado” das leis divinas, da regência universal, que confunde-se também com a de Juiz, elemento que exerce principal função na regência, que é o ato de julgar.
Alguns Santos e Profetas também chamados de “Anjos”
São João Batista, por exemplo, pode ter sido antevisto nas profecias de São Malaquias como um “Anjo do Senhor” (Mal 3. 1), chamado de mensageiro por São Mateus (Mt 11.10), ou, se desejar, de anjo mensageiro, conforme essa terminologia de Santo Agostinho. Alguns estudiosos dizem o termo “anjo” era utilizado antigamente apenas para designar qualquer mensageiro de Deus, passando a também significar os de natureza espiritual por causa de suas constantes presenças como mensageiros ou enviados.
De onde virá o Grande Monarca?
Nosso
Senhor Jesus Cristo apareceu a Afonso Henriques, antes da batalha de Ourique,
quando profetizou sobre o futuro de Portugal e de “terras muito remotas”, fato
atestado pelo próprio rei numa escritura que se encontra no cartório real do
mosteiro de Alcobaça, e cujo teor é o seguinte:
“Eu, Afonso, Rei de Portugal,
juro em esta cruz de metal e neste livro dos Santos Evangelhos, em que ponho
minhas mãos, que eu, miserável pecador, vi com estes olhos indignos a Nosso
Senhor Jesus Cristo estendido na cruz, no modo seguinte: Eu estava com meu
exército nas terras de Alentejo, no campo de Ourique, para dar batalha a Ismael
e a outros quatro reis mouros que tinham consigo infinitos milhares de homens.
E minha gente, temerosa de sua multidão, estava atribulada e triste
sobremaneira. Em tanto que publicamente, diziam alguns ser temeridade acometer
tal jornada. E eu, enfadado do que ouvia, comecei a cuidar comigo o que faria.
E como estivesse na minha tenda um livro em que estava escrito o Testamento
Velho e o de Jesus Cristo, abri-o e li nele a vitória de Gedeão, e disse entre
mim mesmo: mui bem sabeis Vós, Senhor Jesus Cristo, que por amor vosso tomei
sobre mim essa guerra contra vossos adversários. Em vossa mão estás dar a mim e
aos meus a fortaleza para vencer esses blasfemadores de vosso nome.
“Ditas essas palavras, adormeci
sobre o livro e comecei a sonhar que via um homem velho vir para onde eu estava
e que me dizia: Afonso, tem confiança porque vencerás e destruirás esses reis
infiéis e desfarás sua potência e o Senhor se te mostrará. Estando nesta visão,
chegou João Fernandes de Souza, meu camareiro, dizendo: acordai, senhor meu,
porque está aqui um homem velho que vos quer falar. Entre, lhe respondi, se é
católico. E tanto que entrou, conheci ser aquele que no sonho vira, o qual me
disse: senhor, tende bom coração, vencereis e não sereis vencido. Sois amado do
Senhor, porque sem dúvida pôs sobre vós, e sobre vossa geração depois de vossos
dias, os olhos de sua misericórdia, até a décima sexta descendência, na qual se
diminuirá a sucessão, mas nela assim diminuída, Ele tornará a pôr os olhos e
verá. Ele manda dizer-vos que quando na
seguinte noite ouvirdes a campainha de minha ermida, na qual vivo a sessenta e
seis anos guardado no meio dos infiéis com o favor do mui alto, saiais fora do
real, sem nenhum criado, porque vos quer mostrar sua grande piedade.
“Obedeci e, prostrado em terra,
com muita reverência, venerei o embaixador e Quem o mandava. E como posto em
oração, aguardo o som, na segunda vela da noite ouvi a campainha, e armado de
espada e rodela saí fora dos reais, e subitamente vi à parte direita, contra o
nascente, um raio resplandecente indo-se pouco a pouco clareando, cada hora se
fazia maior. E pondo de propósito os olhos para aquela parte, vi de repente, no
próprio raio, o sinal da Cruz, mais resplandecente que o sol, e um grupo grande
de mancebos resplandecentes, os quais creio que seriam os santos anjos. Vendo
esta visão, pondo à parte o escudo e a espada, me lancei de bruços e desfeito
em lágrimas comecei a rogar pela consolação de meus vassalos, e disse sem
nenhum temor:
“A que fim me apareceis, Senhor?
Quereis porventura acrescentar fé a quem tem tanta? Melhor é por certo que Vos
vejam os inimigos e creiam em Vós que eu, que desde a fonte do batismo Vos
conheci por meu Deus verdadeiro, filho da Virgem e do Padre Eterno e assim Vos
conheço agora.
“A cruz era de maravilhosa
grandeza, levantada da terra quase dez côvados. O Senhor, com tom de voz suave
que minhas orelhas indignas ouviram, me disse: Não te apareci deste modo para
acrescentar tua fé, mas para fortalecer teu coração neste conflito, e fundar os
princípios de teu reino sobre pedra firme. Confia, Afonso, porque não só
vencerás esta batalha mas todas as outras em que pelejares contra os inimigos
de minha cruz[7].
Acharás tua gente alegre e esforçada para a peleja, e te pedirá que entre na
batalha com o título de rei. Não ponhas dúvida, mas tudo quanto te pedirem lhes
concede facilmente. Eu sou o fundador e destruidor de reinos e impérios, e
quero em ti e em teus descendentes fundar para Mim um império, por cujo meio
seja Meu nome publicado entre as nações mais estranhas. E para que teus
descendentes conheçam Quem lhes dá o reino, comporás o escudo de tuas armas do
preço com que Eu remi o gênero humano, e daquele por que Fui comprado pelos
judeus, e ser-Me-á reino santificado, puro na fé e amado da minha piedade.
“Eu, tanto que ouvi estas coisas,
prostrado em terra, O adorei dizendo: Por que méritos, Senhor, me mostrais tão
grande misericórdia? Ponde, pois, vossos benignos olhos nos sucessores que me
prometeis e guardais salva a gente portuguesa. E se acontecer que tenhais
contra ela algum castigo aparelhado, executai-o antes em mim e livrai este povo
que amo como a um único filho.
“Consentindo nisso, o Senhor me
disse: Não se apartará deles nem de ti,
nunca, minha misericórdia, porque por sua vinha tenho aparelhado grandes
searas, e a eles escolhidos por meus segadores em terras muito remotas.
“Ditas estas palavras, desapareceu.
E eu, cheio de confiança e suavidade, me tornei para o real. E para que isso
ficasse na verdade, juro eu, Dom Afonso, pelos Santos Evangelhos de Jesus
Cristo tocados com estas mãos. E, portanto, mando aos meus descendentes que
para sempre sucederem, que em honra da Cruz e cinco chagas de Jesus Cristo,
tragam em seu escudo os cinco escudos partidos em cruz[8],
e em cada um deles os trinta dinheiros, e por timbre a serpente de Moisés, por
ser figura de Cristo, e este seja o troféu de nossa geração. E se alguém
intentar o contrário, seja maldito do Senhor e atormentado no inferno com
judas, o traidor.
“Foi feita a presente carta em Coimbra, aos vinte e nove de outubro, era de 1152, eu, el-rei Dom Afonso”. [9]
Nossas origens podem ter sido faladas na Sagrada
Escritura
Portugal
foi o país que catequizou, cristianizou o nosso Brasil, que fica realmente em
“terras muito remotas”. Vejamos abaixo outros textos do Pe. Vieira onde se fala
sobre o Brasil como terras profetizadas para um grande futuro da Igreja:
“Destes
mesmos fins da terra diz Isaías que há de vir um glorioso restaurador das
ruínas do Mundo (por sobrenome o justo) e que seus companheiros e soldados hão
de levantar a voz e que seus cavalos (que devem ser os de madeira) hão de
rinchar no mar; e conclui o Profeta com dizer que isto é um grande segredo, que
ele guarda só para si. As palavras de todo o texto, no capítulo 24, são estas: “Hi levabunt vocem suam, atque laudabunt,
cum glorificatus fuerit Dominus hinnient de mari. Propter hoc in doctrinis
glorificante Dominum in insulis maris nomen Domini Dei Israel. A finibus terrae
laudes audivimus gloriam justi, et dixi: Secretum meum mihi; secretum meum
mihi”.[10] E note-se que convida e convoca o Profeta
as doutrinas e as ilhas do mar, para que louvem e glorifiquem a Deus, pelo que
há de obrar o justo nos fins da terra.
Porque as terras ultramarinas chamam-se propriamente ilhas, ainda que sejam
continentes, e os lugares onde se convertem, ensinam e catequizam os gentios
(como então se há de fazer geralmente) chamam-se com a mesma propriedade doutrinas: Propter hoc in doctrinis
glorificate Dominum in insulis maris nomen Dei Israel. [11]
No livro
“História do Futuro” o padre Vieira discorre mais demoradamente sobre a
importância do Brasil nas Profecias. A
respeito do texto de Isaías, que diz: “Ai
da terra em que ressoa o ruído de asas, que está além dos rios da Etiópia, a
qual envia embaixadores por mar e em barcos de junco sobre as águas, de
mensageiros velozes, a uma nação dividida e despedaçada; a um povo terrível, o
mais terrível de todos, a uma nação que está esperando, e que é calcada aos
pés, cuja terra é cortada pelos rios”
(Is 18, 1-2), comenta o padre Vieira:
“Trabalharam
sempre muito os intérpretes antigos por acharem a verdadeira explicação e
aplicação deste texto; mas não atinaram nem podiam atinar com ela, porque não
tiveram notícia nem da terra, nem das gentes de que falava o Profeta. Os comentadores modernos acertaram em comum com
o entendimento da profecia, dizendo que se entende da nova conversão à Fé
daquelas terras e gentes também novas, que ultimamente se conheceram no Mundo
com o descobrimento dos Antípodas; e notaram alguns com agudeza e propriedade,
que isso quer dizer a energia da palavra: ad
gentem conculcatam”: “gente pisada dos pés”, porque os antípodas, que ficaram debaixo de
nós, parece que os trazemos debaixo dos pés e que os pisamos; mas chegando mais
de perto à gente e terra ou província de que se tende a profecia, também os
modernos não acertaram até agora com o sentido próprio, germano e natural dela,
e este é o que nós havemos de descobrir
ou escrever aqui, pelo havermos recebido de pessoa douta e versada nas
Escrituras, que, havendo visto as gentes, pisado as terras e navegado as águas
de que fala este texto, acabou de o entender, e verdadeiramente o entendeu,
como veremos e verão melhor os que tiverem lido as exposições antigas e
modernas dele.
“Cornélio
[a Lápide] teve para si que fala o profeta de Etiópia e do Preste João; mas
Etiópia não está além de Etiópia, como diz o texto. Malvenda, com os outros que
cita, o entende dos Chinas e Japões...
“Mas esta
exposição e a de Mendonça e Rebelo (que entendem o texto geralmente da Índia
Oriental), têm contra si tudo o que logo diremos. José da Costa, tão versado
nas Escrituras como na geografia e na história natural das Índias Ocidentais,
Ludovico Legionense, Tomás Bózio, Árias Montano, Frederico Lúmnio, Martim del
Rio e outros dizem (e bem), que falou Isaías da América e Novo Mundo, e se
prova fácil e claramente. Porque esta terra que descreve o Profeta está além da
Etiópia: trans flumina Aetiopiae: e é
terra depois da qual não há outra: ad
populum post quem non est alius. Estes dois sinais tão manifestos só se podem
verificar nas Américas, que é a terra que fica da outra banda da Etiópia, e que
não tem depois de si outra terra senão o vastíssimo mar do Sul. Mas porque Isaías nesta sua descrição põe
tantos sinais particulares e tantas diferenças individuantes, que claramente
estão mostrando que não fala de toda a América ou Mundo Novo em comum, senão de
alguma província particular dele; e os autores alegados nos não dizem que
província este seja, será necessário que nós o digamos, e isto é o que agora
hei de mostrar.
“Digo,
primeiramente, que o texto de Isaías se entende do Brasil, porque o Brasil é a
terra que diretamente está além da outra banda da Etiópia, como diz o Profeta: quae est trans flumina Aethiopiae, ou
como verte e comenta Vatablo: terra, quae
est sita ultra Aethiopiae quae Aethiopiae scatet fluminibus, e o hebreu ao
pé da letra tem de trans flumina
Aethiopiae. A qual palavra – de trans – como notou Malvenda, é
hebraísmo, semelhante ao de nossa língua. Os Hebreus dizem – de trans – e nós dizemos, detrás; e assim é na geografia destas
terras, que em respeito de Jerusalém, considerado o círculo que faz o globo
terrestre, o Brasil fica imediatamente detrás da Etiópia.
“Diz mais
o Profeta que a gente desta terra é terrível: ad populum terribilem; e não pode haver gente mais terrível entre
todas as que têm figura humana, que aquela (quais são os Brasis) que não só
matam seus inimigos, mas depois de mortos os despedaçam e os comem e os assam,
e os cozem a este fim, sendo as próprias mulheres as que guisam e convidam
hóspedes a se regalarem com estas inumanas iguarias... Em lugar de gentem conculcatam, lê o Sírio – gentem depilatam: gente sem pêlo; e tais
são também os Brasis, que pela maior parte não têm barba, e no peito e pelo
corpo têm a pele lisa e sem cabelo, com grande diferença dos Europeus.
“Diz pois
o Profeta, que são estes homens uma gente a quem os rios lhe roubaram a sua
terra: Cujus diripuerunt flumina terram
ejus. E é admirável a propriedade
desta diferença, porque em toda aquela terra, em que todos os rios são
infinitos e os maiores e mais caudalosos do Mundo, quase todos os campos estão
alagados e cobertos de água doce, não se vendo em muitas jornadas mais que
bosques, palmares e arvoredos altíssimos, todos com as raízes e troncos metidos
na água, sendo raríssimos os lugares por espaço de cento, duzentas e mais
léguas, em que se possa tomar porto, navegando-se sempre por entre árvores
espessíssimas de uma e outra parte...
“Continua
Isaías a sua descrição, e diz que os habitantes desta província são gente
arrancada e despedaçada; e só o Espírito Santo poderá recopilar em duas
palavras a história e última fortuna daquela gente.
“...Diz
pois Isaías que esta gente de que fala é um povo; Quae mittit in mare legatos et in vasis papyri super aquas: “Que
manda de uma parte para outra seus negociantes em vasos de cascas de árvores
sobre as águas”.
“Do que
temos dito até aqui ficará mais fácil de entender aquele grande enigma do
Profeta, que está nas primeiras palavras deste texto: Vae terrae cymbalo alarum; o
qual foi sempre o que maior trabalho deu aos intérpretes e os obrigou a dizerem
cousas mui violentas e impróprias, como aqueles que falavam a adivinhar, e não
adivinhavam nem podiam. Os Setenta Intérpretes, em lugar de terrae cymbalo alarum, leram terrae navium alis e uma e outra cousa
significam as palavras de Isaías; porque os nomes hebreus de que estas versões
foram tiradas, têm ambas as significações e querem dizer: Ai da terra que tem navios com asas; ou, ai da terra que tem sinos com asas. Se são sinos, como são navios?
E se são navios, como são sinos?
“...Isto
suposto, o expositor que mais foi rastejando o sentido verdadeiro que podia ter
este enigma, foi Gabriel Palácio, o qual, no comentário literal deste lugar de
Isaías, diz assim: Fortasse indicus usus
nominis cymbali antiquitas inolevit apud Hebraeos tempore Isaiae: “Porventura – diz ele – que no tempo de
Isaías as embarcações dos Índios se chamariam entre os hebreus sinos”.
E porque não seria antes, digo eu, que se chamassem sinos, ou tomassem nome de sinos
as embarcações dos Índios, de que Isaías falava, não porque este nome fosse
usado entre os Hebreus, senão entre os mesmos Índios? [12]
Vê-se pelo texto acima que o Grande Monarca, o Restaurador, o Moisés da Lei da Graça, viria de “terras ultramarinas”, isto é, do Brasil.
[1] “Obras Completas del Seudo Dionísio
Areopagita” – BAC – Madri, 1990 – págs. 167/168.
[2]
Como vimos anteriormente, este “poderoso monarca” não será um rei ou soberano
de alguma nação, mas um santo com poderes para reger as leis do Universo.
[3]
Mais uma imagem simbólica: o anjo é um mensageiro, podendo ser também um homem,
um santo, pois somente um ser humano poderá ter nascido no seio da Igreja. A
visão pode, também, se referir ao anjo custódio deste santo, mas, geralmente o
termo “anjo” nestas profecias refere-se também a algum homem com poderes
proféticos e enviado por Deus.
[4]
Ilhas, ou habitantes das ilhas, foi uma expressão usada por alguns profetas,
como Isaías, sem definir que povos eram estes.
Alguns estudiosos, segundo o Padre Vieira, julgam que se tratava dos
povos americanos que, desconhecidos dos povos em geral naquele tempo, no
entanto eram conhecidos misteriosamente pelos profetas.
[5]
Essa imagem de um “livrinho” pode nos levar à obra mestra de Dr. Plínio,
“Revolução e Contra-Revolução”.
[6] “Bénédictions et malédictions – Prophéties de la
révelation privée”, de Jean Vaquié, Paris, 3a. Edição
revista e ampliada, págs.
[7]
Importante notar que Portugal conseguiu expulsar os mouros de seus territórios
(séc. XII) muitos anos do que a Espanha (final do séc. XV).
[8] A
partir de então o Rei Afonso mandou colocar nos escudos e bandeira de Portugal
as cinco chagas de Cristo, símbolos que até hoje permanecem naquele país,
apesar dos governos republicanos e maçons de nossos tempos.
[9] O texto desta escritura acha-se transcrito no livro
“A Batalha de Ourique”, de Frei Antonio Brandão, Livraria Civilização Editora,
Porto, 1945
[10]
Estes levantarão a sua voz e
cantarão louvores; soltarão gritos de alegria do lado do mar, quando o Senhor
for glorificado. Por esta causa, com as verdadeiras máximas de doutrina,
glorificai ao Senhor; nas ilhas do mar (celebrai) o nome do Senhor Deus
de Israel. Desde as extremidades da terra nós ouvimos os louvores, a glória do
justo. E eu disse: O meu segredo para mim, o meu segredo para mim. (Isaías 24,
14-16)
[11] “Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofício” –
Pe. Antonio Vieira – Liv. Progresso Editora – tomo II – pág. 266
[12]
“História do Futuro”, - Biblioteca de Autores Portugueses - págs. 215/222).
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