domingo, 30 de julho de 2023

A VERDADEIRA FELICIDADE

 



O desejo ou a busca da felicidade é uma espécie de instinto colocado na alma do homem ao ser criado, a fim de que, através dele, aspire a felicidade eterna, a beatitude celeste, segundo declarou Santa Catarina de Gênova em seu tratado sobre o purgatório:
“Quando Deus cria uma alma, da parte de Deus ela sai pura, simples, isenta de toda mancha de pecado e dotada de um instinto que a impele para Deus, como seu centro e beatitude.  Mas o pecado original debilita muito este instinto, e ainda mais o pecado atual. Esse instinto é dependente do da sociabilidade, pois ninguém pode ser feliz sozinho.

Assim como no antigo paganismo, a sociedade moderna tem como meta primordial essa busca da felicidade.

Vejam o que diz Dr. Plínio sobre esta felicidade:

“Um problema que frequentemente se põe para os jovens do mundo contemporâneo diz respeito à verdadeira felicidade: onde e de que maneira alcançá-la?

Ainda me lembro de como esta questão se apresentava aos moços do meu tempo. .

Em geral, eram rapazes que não enfrentavam dificuldades graves de nenhuma espécie, criados em ambientes familiares bem constituídos, e com toda uma existência regular à sua frente. Nessas condições, o moço logo pensava no que fazer para ser feliz.

Falsa ideia de felicidade

Dessas análises, a primeira noção que vinha ao espírito do jovem é a de que o homem nasceu para ser feliz. E se assim não fosse, a bem dizer não valia a pena ter nascido.

...o normal nesta Terra é a alegria contínua, nunca interrompida por nada de desagradável. Apenas o bem-estar, as boas perspectivas, as ideias animadoras, aquilo que faça as pessoas conversarem de modo jovial, agradável e, sobretudo, as faça rir. Eis a máxima noção de felicidade.

Então, numa roda de amigos, quanto mais se ri, mais se supõe que estão felizes. E se são pessoas que têm o hábito de estarem sempre sorrindo, os terceiros se referem a eles como sendo muito venturosos, porque demonstram seu contínuo regozijo interior.

...o jovem capaz de ditos jocosos e de provocar a hilaridade em torno de si, faz o papel de um “spray” de felicidade, de cujas emanações todos querem se beneficiar.

...era uma verdadeira satisfação pessoal a pessoa ser engraçada, pois a queriam por toda parte. ...O rapaz engraçado – ou a moça engraçada – era o eixo e o centro de tudo.

Como não será fácil perceber, o contentamento assim concebido é exclusivamente egoístico, baseado na procura e na fruição dos prazeres pessoais e mundanos. Trata-se de ir atrás de todas as satisfações, lícitas e ilícitas, fugindo da morte quanto for possível, das prolongadas doenças, das deficiências físicas, das contrariedades morais e psicológicas, dos infortúnios e dos sofrimentos.

Graves consequências das alegrias frenéticas

Ora, essa corrida desenfreada atrás de uma felicidade incessante e equivocada esmigalha tanto a alma e a personalidade do homem, deforma-o tanto que ele se esquece por completo do que seja a verdadeira felicidade. E não pode haver pior infelicidade do que a de ficar cego para a autêntica alegria.

“Só o que é gostoso torna feliz. Se tudo que é gostoso a mim não me fez feliz, então...” 

O homem verdadeiramente feliz

A verdadeira felicidade não está nessa avidez de emoções e de sensações pecaminosas, mas na temperança oriunda da fé católica, apostólica, romana, bem correspondida. É feliz o homem que compreende a realidade desta vida como ela é, que sente todas as coisas nas suas devidas proporções e diante delas reage em consequência. É o homem imbuído da noção de que não é razoável nem é de acordo com a natureza humana – portanto, não é também de acordo com a moral católica – querer a todo momento algum prazer, alguma satisfação.

O homem feliz vive do equilíbrio entre a realidade e as vibrações que ela provoca. Não foge do sofrimento nem do que é desagradável. Se algo é ruim, ela procura remediá-lo. Se não é possível, pede a Deus resignação e forças para se habituar às condições desfavoráveis e às provações que Nosso Senhor dispôs que ele sofresse, entendendo que é para o seu bem, para alcançar méritos para a outra vida – esta, sim, feita de uma felicidade perene e sem jaça.

O homem verdadeiramente feliz é aquele que tem a consciência tranquila, porque possui uma alma batizada e virtuosa, fiel aos Mandamentos da Lei de Deus, do mesmo modo que quando se é pequeno e inocente.

Saudades da infância feliz

Volto, uma vez mais, a um exemplo pessoal. Sempre me lembro, com saudades, da minha primeira infância, antes de entrar no Colégio São Luís. Eu era um menino imensamente feliz. Que alegrias eu carregava dentro de minha alma! Que felicidade eu sentia dentro de mim! Tão intensa que, um pouco mais capaz de raciocinar, comecei a analisá-la e a procurar a causa de tanto júbilo.

Era a sensação da consciência satisfeita consigo mesma e em paz com Deus. Era a felicidade da inocência primeva, que a pessoa carrega em si enquanto não ofende a Nosso Senhor.

A posse de um estado de alma onde tudo nos oferece essa impressão, onde estamos em condições de ver e de nos encher dessa alegria, porque é um reflexo de Deus e, portanto, nos comove do mesmo modo – isso sim dá uma verdadeira felicidade.

Uma alegria que chega a seu ápice genuíno quando se começa a conhecer e a amar a Santa Igreja Católica.

Mais do que um magnífico panorama, mais do que uma estupenda flor, mil vezes mais do que qualquer saboroso prato de comida, mais que tudo nos cumula de satisfação a Esposa Mística de Nosso Senhor Jesus Cristo.

No que me diz respeito, já tive oportunidade de narrar como me sentia feliz ao ir à igreja nos dias de preceito. Como ela me parecia um santuário celestial, transmitindo-me as mais eloquentes impressões de harmonia, na sua composição de cores e de formas, parecendo-me tão digna, tão séria, tão recatada, enfim, a expressão da própria santidade.

Sobretudo no momento da Missa, quando os sinos e o órgão tocavam, o sacerdote entreva vestido de lindos paramentos e o coro entoava belos cânticos religiosos. Depois, a hora da Consagração, a elevação do cálice, atos que me enchiam de amor e entusiasmo pela Liturgia católica. Eu comungava, e tinha a convicção de que o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo , o Homem-Deus estava dentro de mim. Misteriosamente, toda aquela felicidade chegava ao auge: “Oh! Que maravilha!”

 “Por mais que sofra, por mais que lute, por mais que haja dificuldades, ainda que fosse apenas para levar uma existência, tanto quanto possível, digna de ser vivida neste vale de lágrimas, valia a pena, só para ser filho da Igreja. Aí o homem encontra a parcela de felicidade – mas que parcela de ouro! – que a vida pode de fato dar.

O bem-estar da dor cristã

Mas, ao mesmo tempo em que se alcança essa felicidade, compreende-se também que a venturosa influência da Igreja só perdura nas almas na medida em que elas saibam sofrer.

...o bom católico  começa a compreender o valor do sofrimento, do qual os pseudo-felizes tanto fogem. ...a dor é para a alma humana o  que é o fogo para um metal que deve ser separado da ganga e purificado: sofre-se, porém com resignação e dignidade. Isso dá à alma uma tranquilidade, uma harmonia, uma força que não há prazer que pague.

Oh, o bem-estar da dor cristã!

Às vezes, quando pequeno, eu me colocava diante de crucifixos ou imagens do Senhor Com Jesus e, olhando-as, pensava:

“É misterioso, Ele está coberto de dores, mas se percebe n’Ele uma congruência, um  vigor, uma coerência, uma resignação que me Levam a dizer: nunca um homem foi tão invejável como o Homem-Deus no auge de sua tristeza!”

É preciso, portanto – se este for o desígnio da o

Providência para nós -, ter a coragem de penetrar no mar de dores e aguentá-las. Quando se procede assim por amor de Deus, uma certa doçura penetra em nós e nos habita, uma suavidade que é única e que faz parte desse  bem-estar de ser filho da Igreja.

Peçamos a Nossa Senhora, Ela que é a Causa de Nossa Alegria, que nos conceda a verdadeira felicidade. Será, muitas vezes, a felicidade da dor. Per crucem ad lucem: pela cruz se vai à luz. Tenhamos coragem, e lá chegaremos”.[1]

Sardanápalo, modelo da “felicidade” pagã deste mundo

Em sua famosa obra “Cidade de Deus”, Santo Agostinho comenta como deve ser a verdadeira felicidade social, mostrando como vivia a sociedade pagã de seu tempo em busca de uma falsa felicidade. No final, Santo Agostinho coloca como exemplo dessa felicidade mentirosa a vida de um personagem da Antiguidade, Sardanápalo, o qual suicidou-se com toda sua família e pediu que junto de seus corpos fossem enterrados todos os objetos com que gozavam os prazeres da vida, não permitindo que outros também os desfrutassem..

O relato do fim de vida deste triste imperador da antiguidade pagã (ocorrida cerca de 612-609 a.C.) não é muito diferente de outros reis e patriarcas que viviam segundo os princípios idolátricos e filosóficos daqueles tempos. Vejam como a Wikipédia narra tal vida:

“Sardanápalo ultrapassou todos os seu antecessores em ociosidade e luxúria, sendo essa toda a sua vida. Vestia roupa feminina e usava maquilagem. Tinha muitas concubinas, não só mulheres mas também homens. Escreveu o próprio epitáfio, onde dizia que o prazer físico é o único propósito na vida. Uma aliança de medos, persas e babilônios desafiou os assírios. Sardanápalo envolveu-se pessoalmente nos combates e repeliu várias vezes os rebeldes, mas não conseguiu derrotá-los. Pensando que o tinha conseguido voltou ao seu estilo de vida decadente, ordenando sacrifícios e celebrações. Entretanto os rebeldes receberam reforços e suas tropas foram surpreendidas quando festejavam e foram derrotadas. Voltou ele, então, para Nínive, ao mesmo tempo que colocou no comando do seu exército o seu cunhado, rapidamente derrotado e morto. Após ter posto a sua família em segurança, preparou-se para resistir em Nínive. Conseguiu aguentar um longo cerco, mas chuvas intensas provocaram cheias no Tigre, que levaram à queda de uma das muralhas de defesa. Para evitar cair nas mãos dos seus inimigos, Sardanápalo mandou erigir uma enorme pira funerária para si próprio, onde empilhou "todo o seu ouro, prata e trajes reais", após o que encerrou todos os seus eunucos e concubinas dentro da pira, à qual lançou fogo e onde morreu com eles.

A resenha desse enlace trágico diz que ele determinou que suas riquezas e tudo o que lhe dava prazeres tinha que ser enterrado junto com seu corpo a fim de que ninguém mais desfrutasse daquilo.

Mas, pensando bem, será que a sociedade moderna desfruta realmente desta felicidade que alardeiam aos quatro ventos? Ou será que revivem em suas vidas a de novos Sardanápalos, prontos a suicidar-se a qualquer momento como ocorre com muitos? Lembremo-nos de que o demônio nunca dá o que promete, pelo contrário, tira tudo o que temos de bom.

 (Vejam nossa postagem anterior sobre a felicidade social: 

 https://quodlibeta.blogspot.com/search/label/Felicidade%20social)


 

 

 

 

 



[1] Extraído da revista “Dr. Plínio”, edição 35, de fevereiro de 2001, seção “Dr. Plínio Comenta”, págs. 12/17


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