O desejo ou a busca
da felicidade é uma espécie de instinto colocado na alma do homem ao ser
criado, a fim de que, através dele, aspire a felicidade eterna, a beatitude
celeste, segundo declarou Santa Catarina de Gênova em seu tratado sobre o
purgatório: “Quando Deus cria uma alma, da parte de Deus ela sai pura, simples,
isenta de toda mancha de pecado e dotada de um instinto que a impele para Deus,
como seu centro e beatitude. Mas o
pecado original debilita muito este instinto, e ainda mais o pecado atual”. Esse instinto é dependente do da
sociabilidade, pois ninguém pode ser feliz sozinho.
Assim como no antigo paganismo, a sociedade moderna tem como meta
primordial essa busca da felicidade.
Vejam o que diz Dr. Plínio sobre esta
felicidade:
“Um
problema que frequentemente se põe para os jovens do mundo contemporâneo diz
respeito à verdadeira felicidade: onde e de que maneira alcançá-la?
Ainda
me lembro de como esta questão se apresentava aos moços do meu tempo. .
Em
geral, eram rapazes que não enfrentavam dificuldades graves de nenhuma espécie,
criados em ambientes familiares bem constituídos, e com toda uma existência
regular à sua frente. Nessas condições, o moço logo pensava no que fazer para
ser feliz.
Falsa ideia de felicidade
Dessas
análises, a primeira noção que vinha ao espírito do jovem é a de que o homem
nasceu para ser feliz. E se assim não fosse, a bem dizer não valia a pena ter
nascido.
...o
normal nesta Terra é a alegria contínua, nunca interrompida por nada de
desagradável. Apenas o bem-estar, as boas perspectivas, as ideias animadoras,
aquilo que faça as pessoas conversarem de modo jovial, agradável e, sobretudo,
as faça rir. Eis a máxima noção de felicidade.
Então,
numa roda de amigos, quanto mais se ri, mais se supõe que estão felizes. E se
são pessoas que têm o hábito de estarem sempre sorrindo, os terceiros se
referem a eles como sendo muito venturosos, porque demonstram seu contínuo
regozijo interior.
...o
jovem capaz de ditos jocosos e de provocar a hilaridade em torno de si, faz o
papel de um “spray” de felicidade, de cujas emanações todos querem se
beneficiar.
...era
uma verdadeira satisfação pessoal a pessoa ser engraçada, pois a queriam por
toda parte. ...O rapaz engraçado – ou a moça engraçada – era o eixo e o centro
de tudo.
Como
não será fácil perceber, o contentamento assim concebido é exclusivamente
egoístico, baseado na procura e na fruição dos prazeres pessoais e mundanos.
Trata-se de ir atrás de todas as satisfações, lícitas e ilícitas, fugindo da
morte quanto for possível, das prolongadas doenças, das deficiências físicas,
das contrariedades morais e psicológicas, dos infortúnios e dos sofrimentos.
Graves consequências das alegrias frenéticas
Ora,
essa corrida desenfreada atrás de uma felicidade incessante e equivocada
esmigalha tanto a alma e a personalidade do homem, deforma-o tanto que ele se
esquece por completo do que seja a verdadeira felicidade. E não pode haver pior
infelicidade do que a de ficar cego para a autêntica alegria.
“Só o
que é gostoso torna feliz. Se tudo que é gostoso a mim não me fez feliz,
então...”
O homem verdadeiramente feliz
A
verdadeira felicidade não está nessa avidez de emoções e de sensações
pecaminosas, mas na temperança oriunda da fé católica, apostólica, romana, bem
correspondida. É feliz o homem que compreende a realidade desta vida como ela
é, que sente todas as coisas nas suas devidas proporções e diante delas reage
em consequência. É o homem imbuído da noção de que não é razoável nem é de
acordo com a natureza humana – portanto, não é também de acordo com a moral
católica – querer a todo momento algum prazer, alguma satisfação.
O homem
feliz vive do equilíbrio entre a realidade e as vibrações que ela provoca. Não
foge do sofrimento nem do que é desagradável. Se algo é ruim, ela procura
remediá-lo. Se não é possível, pede a Deus resignação e forças para se habituar
às condições desfavoráveis e às provações que Nosso Senhor dispôs que ele
sofresse, entendendo que é para o seu bem, para alcançar méritos para a outra
vida – esta, sim, feita de uma felicidade perene e sem jaça.
O homem
verdadeiramente feliz é aquele que tem a consciência tranquila, porque possui
uma alma batizada e virtuosa, fiel aos Mandamentos da Lei de Deus, do mesmo
modo que quando se é pequeno e inocente.
Saudades da infância feliz
Volto,
uma vez mais, a um exemplo pessoal. Sempre me lembro, com saudades, da minha
primeira infância, antes de entrar no Colégio São Luís. Eu era um menino
imensamente feliz. Que alegrias eu carregava dentro de minha alma! Que
felicidade eu sentia dentro de mim! Tão intensa que, um pouco mais capaz de
raciocinar, comecei a analisá-la e a procurar a causa de tanto júbilo.
Era a
sensação da consciência satisfeita consigo mesma e em paz com Deus. Era a
felicidade da inocência primeva, que a pessoa carrega em si enquanto não ofende
a Nosso Senhor.
A posse
de um estado de alma onde tudo nos oferece essa impressão, onde estamos em
condições de ver e de nos encher dessa alegria, porque é um reflexo de Deus e,
portanto, nos comove do mesmo modo – isso sim dá uma verdadeira felicidade.
Uma
alegria que chega a seu ápice genuíno quando se começa a conhecer e a amar a
Santa Igreja Católica.
Mais do
que um magnífico panorama, mais do que uma estupenda flor, mil vezes mais do
que qualquer saboroso prato de comida, mais que tudo nos cumula de satisfação a
Esposa Mística de Nosso Senhor Jesus Cristo.
No que
me diz respeito, já tive oportunidade de narrar como me sentia feliz ao ir à
igreja nos dias de preceito. Como ela me parecia um santuário celestial,
transmitindo-me as mais eloquentes impressões de harmonia, na sua composição de
cores e de formas, parecendo-me tão digna, tão séria, tão recatada, enfim, a
expressão da própria santidade.
Sobretudo
no momento da Missa, quando os sinos e o órgão tocavam, o sacerdote entreva
vestido de lindos paramentos e o coro entoava belos cânticos religiosos. Depois,
a hora da Consagração, a elevação do cálice, atos que me enchiam de amor e
entusiasmo pela Liturgia católica. Eu comungava, e tinha a convicção de que o
Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo , o Homem-Deus estava dentro de
mim. Misteriosamente, toda aquela felicidade chegava ao auge: “Oh! Que
maravilha!”
“Por mais que sofra, por mais que lute, por
mais que haja dificuldades, ainda que fosse apenas para levar uma existência,
tanto quanto possível, digna de ser vivida neste vale de lágrimas, valia a
pena, só para ser filho da Igreja. Aí o homem encontra a parcela de felicidade
– mas que parcela de ouro! – que a vida pode de fato dar.
O bem-estar da dor cristã
Mas, ao
mesmo tempo em que se alcança essa felicidade, compreende-se também que a venturosa
influência da Igreja só perdura nas almas na medida em que elas saibam sofrer.
...o
bom católico começa a compreender o
valor do sofrimento, do qual os pseudo-felizes tanto fogem. ...a dor é para a
alma humana o que é o fogo para um metal
que deve ser separado da ganga e purificado: sofre-se, porém com resignação e
dignidade. Isso dá à alma uma tranquilidade, uma harmonia, uma força que não há
prazer que pague.
Oh, o
bem-estar da dor cristã!
Às
vezes, quando pequeno, eu me colocava diante de crucifixos ou imagens do Senhor
Com Jesus e, olhando-as, pensava:
“É
misterioso, Ele está coberto de dores, mas se percebe n’Ele uma congruência,
um vigor, uma coerência, uma resignação
que me Levam a dizer: nunca um homem foi tão invejável como o Homem-Deus no
auge de sua tristeza!”
É preciso, portanto – se este for o desígnio da
Providência
para nós -, ter a coragem de penetrar no mar de dores e aguentá-las. Quando se
procede assim por amor de Deus, uma certa doçura penetra em nós e nos habita,
uma suavidade que é única e que faz parte desse
bem-estar de ser filho da Igreja.
Peçamos
a Nossa Senhora, Ela que é a Causa de Nossa Alegria, que nos conceda a
verdadeira felicidade. Será, muitas vezes, a felicidade da dor. Per crucem ad
lucem: pela cruz se vai à luz. Tenhamos coragem, e lá chegaremos”.[1]
Sardanápalo,
modelo da “felicidade” pagã deste mundo
Em sua famosa obra “Cidade de Deus”,
Santo Agostinho comenta como deve ser a verdadeira felicidade social, mostrando
como vivia a sociedade pagã de seu tempo em busca de uma falsa felicidade. No final, Santo Agostinho coloca como exemplo dessa
felicidade mentirosa a vida de um personagem da Antiguidade, Sardanápalo, o
qual suicidou-se com toda sua família e pediu que junto de seus corpos fossem
enterrados todos os objetos com que gozavam os prazeres da vida, não permitindo
que outros também os desfrutassem..
O
relato do fim de vida deste triste imperador da antiguidade pagã (ocorrida
cerca de 612-609 a.C.) não é muito diferente de outros reis e patriarcas que
viviam segundo os princípios idolátricos e filosóficos daqueles tempos. Vejam
como a Wikipédia narra tal vida:
“Sardanápalo ultrapassou todos os seu
antecessores em ociosidade e luxúria, sendo essa toda a sua vida. Vestia roupa
feminina e usava maquilagem. Tinha muitas concubinas, não só mulheres mas
também homens. Escreveu o próprio epitáfio, onde dizia que o prazer físico é o único
propósito na vida. Uma aliança de medos, persas e babilônios desafiou os assírios. Sardanápalo
envolveu-se pessoalmente nos combates e repeliu várias vezes os rebeldes, mas
não conseguiu derrotá-los. Pensando que o tinha conseguido voltou ao seu estilo
de vida decadente, ordenando sacrifícios e celebrações. Entretanto os rebeldes
receberam reforços e suas tropas foram surpreendidas quando festejavam e
foram derrotadas. Voltou ele, então, para Nínive, ao mesmo tempo que colocou no comando do
seu exército o seu cunhado, rapidamente derrotado e morto. Após ter posto a sua
família em segurança, preparou-se para resistir em Nínive. Conseguiu aguentar
um longo cerco, mas chuvas intensas provocaram cheias no Tigre, que levaram à queda de uma das muralhas de defesa. Para evitar cair
nas mãos dos seus inimigos, Sardanápalo mandou erigir uma enorme pira funerária
para si próprio, onde empilhou "todo
o seu ouro, prata e trajes reais", após o que encerrou todos os
seus eunucos e concubinas dentro da pira, à qual lançou fogo e onde morreu com
eles.”
A
resenha desse enlace trágico diz que ele determinou que suas riquezas e tudo o
que lhe dava prazeres tinha que ser enterrado junto com seu corpo a fim de que
ninguém mais desfrutasse daquilo.
Mas, pensando bem,
será que a sociedade moderna desfruta realmente desta felicidade que alardeiam
aos quatro ventos? Ou será que revivem em suas vidas a de novos Sardanápalos,
prontos a suicidar-se a qualquer momento como ocorre com muitos? Lembremo-nos de
que o demônio nunca dá o que promete, pelo contrário, tira tudo o que temos de
bom.
[1]
Extraído da revista “Dr.
Plínio”, edição 35, de fevereiro de 2001, seção “Dr. Plínio Comenta”, págs.
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