Os dois espíritos, o católico e o liberal, foram à rua e lá um dia se encontraram da seguinte maneira:
O católico disse que não aceitava que entrasse em sua casa um feiticeiro. Indagado pelo espírito liberal sobre os motivos, afirmou:
- Sou católico, e como tal não posso admitir na minha casa quem tem pacto com o demônio.
O outro retrucou:
- O que é que tem? A gente deve ser católico somente na igreja, quando vai à missa ou quando necessita de algum serviço religioso, como batizado e casamento. No resto de nossa vida, nas demais coisas devemos proceder sem preconceitos de religião, pois religião só na igreja!
O espírito católico interroga:
- Você se considera católico?
- Sim, responde o outro.
- Mas, você também concorda que é um liberal.
- Sim, concordo, e até me orgulho disso. Posso até dizer que sou um católico liberal.
- Pois bem, em que lugar você pratica o seu liberalismo – em casa, na rua ou no trabalho?
- Ora, em nenhum lugar específico. Na realidade, a gente pratica o liberalismo em todos os lugares, até na igreja assistindo a missa. O liberal tem que ser coerente em todas as suas ações, tem que ser liberal em tudo. Portanto, não podemos excluir de nosso liberalismo nenhuma atividade. Até dormindo, se for possível...
- Então você acha que tem que ser liberal em tudo o que faz, até dormindo, mas o católico só pode ser católico dentro da igreja? Porque o espírito liberal tem que abarcar todas as atividades do homem e o espírito católico não?
O espírito liberal ficou mudo de espanto, titubeou mais um pouco dizendo que liberalismo não é religião. Mas, concluiu que seu espírito liberal não lhe permitia ter convicções firmes, tinha que ceder, ser maleável em tudo, inclusive nesse aspecto.
O espírito católico não parou, e argumentou mais ainda:
- Mas essa postura não é correta. Isso não leva a nada. Você tem que ter convicções firmes, opinião própria sólida, a fim de que paute sua vida sem erros ou tropeços infelizes. Do contrário, ficará despersonalizado, sem idéias próprias, facilmente manobrado pelos outros.
Pensando agora em alongar a conversa, retrucou o liberal, querendo demonstrar ter idéias próprias:
- Isto é verdade, mas nós queremos ser assim, pois somente agindo dessa forma conseguimos levar uma vida despreocupada, sem problemas e livre de normas que nos trazem transtornos. O liberal optou por ser livre de preceitos, de regras, de dogmas, de quaisquer regulamentos, assim bem como deve fugir de debates que possam força-lo a pensar em coisas elevadas.
A conversa estava ficando bem ao nível de quem gosta de pensar, bem diferente do que dizia o liberal. O espírito católico argumenta mais uma vez:
- Realmente, não entendo este seu espírito liberal, pois querendo ser livre se torna escravo...
O homem se espantou com esta palavra, exclamando alto:
- Escravo? Que absurdo! Escravo de quê? De quem?
- Primeiramente escravo dessa concepção errada; em segundo lugar, escravo das consequências desta concepção, que são os vícios que daí podem decorrer. Não pensar, não debater assuntos sérios, não discutir boas idéias, não ter idéias próprias, leva o homem ao pior de todos os ócios: o mental. E daí decorre muitos outros vícios, como a preguiça, a indolência, a sensualidade, etc. Você se diz liberal porque se julga livre, mas no final de contas é um escravo incorrigível de uma infinidade de vícios, por causa de seu espírito liberal que impede de combatê-los e se acomoda a eles, ou até os adota com gosto.
Era difícil para o liberal argumentar, afinal ele mesmo disse que não gosta de discutir e debater. Mas, ficar calado como? Tinha que dizer algo mais.
- Pode ser, mas pelo menos não sou escravo do dever, da moral, que é muito mais martirizante e doloroso ser do que aquela outra escravidão.
- Ser escravo do dever e da moral é apenas uma metáfora, pois o homem, ao contrário, fica completamente livre ao cumprir o dever e seguir os preceitos e as regras da moral. Ao fazê-lo o homem apenas põe em exercício suas faculdades naturais, sem nenhuma coação ou violência contra sua vontade. A coação moral só existe para o malfeitor a fim de se evitar que fira os direitos dos demais.
Já meio perdido, diz o liberal:
- Então, não se pode ser liberal e católico ao mesmo tempo?
- Não! De forma alguma! São duas posturas antagônicas. Ou se é católico autêntico, por inteiro, ou se é liberal, mas nesse caso não se pode chamar de católico. O liberalismo religioso é pecado contra a fé. Tal liberalismo termina por ser permissivo a tudo o que atenta contra a fé e a moral, aceitando pacificamente comportamentos e idéias contrárias aos ditames da religião católica. Não somente aceitando que os outros pratiquem na sua presença, mas o próprio liberal também o praticando no seu dia a dia.
A conversa parou aí. O liberal mudou de assunto. Não tinha mais o que dizer. Seu liberalismo não o permitia.
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