A primeira e
principal definição de “mundo” refere-se ao Universo criado por Deus,
especialmente o nosso mundo material, também chamado de “cosmos”. Diz-se, desta
forma, que Deus criou o mundo e que toda a Criação foi destinada a formar um só
conjunto em torno do Criador, um sistema formado por criaturas no qual estas
tenham vida comum, hierarquicamente colocados uns dependendo de outros.
Uma outra
definição de mundo, mais específica e muito citada na Sagrada Escritura,
refere-se à sociedade em que vivemos e convivemos. Este seria todo o conjunto
formado pela família, os vizinhos, a cidade e a nação em que nascemos e vivemos
constituindo o mundo nessa linguagem sociológica e moral. E este mundo influencia
poderosamente as pessoas, ou para o bem ou para o mal, sendo mais forte a
influência para o mal. Assim, como nossas inclinações pessoais são mais fortes
para a prática do mal, do mesmo modo também os costumes vividos nesse mundo. E por
causa disso este “mundo” é dividido em dois: o do Bem, composto pelas pessoas
que cumprem socialmente os Mandamentos da Lei de Deus e formam o Corpo Místico
de Cristo, e o do Mal, formado por aqueles que ferem tais mandamentos e
procuram socialmente formar o corpo místico do demônio.
Um famoso
teólogo moderno define assim o mundo:
“Por sua própria
complexidade é difícil defini-lo. Em última análise, é o ambiente anticristão
que se respira entre as pessoas que vivem totalmente esquecidas de Deus e
completamente entregues às coisas da terra. Esse ambiente hostil constitui-se e
manifesta-se em quatro formas principais:
1º) Falsas Máximas,
em direta oposição ao Evangelho. O mundo exalta as riquezas, os prazeres, a
violência, a fraude e o engano, posto a serviço do próprio egoísmo, da
liberdade absoluta e total para entregar-se a toda sorte de excessos de
pecados. “Somos jovens, devemos desfrutar a vida”;
2º) Zombaria e
Perseguições contra a vida de piedade; contra os vestidos decentes e honestos;
contra os espetáculos morais, que são qualificados como ridículos e chatos; contra as santas leis do matrimônio,
que julgam antiquadas e difíceis de praticar;
3º) Prazeres e
Diversões cada vez mais abundantes, refinados e imorais; cinemas, televisão,
teatro, centros de perversão, modas indecentes, etc. Pensa-se e vive-se somente
para o prazer e para diversão;.
4º) – Escândalos e
Maus Exemplos quase contínuos, ao ponto de somente sair á rua, abrir uma
revista, olhar uma vitrine, ouvir uma conversa, sem que apareçam com toda
crueza uma incitação ao pecado sob alguma de suas formas. “O mundo inteiro está
no poder do maligno” (I Jo 5, 19).”[1]
Se todas as pessoas deste mundo, desta sociedade, praticarem costumes sérios e castos, isso pode nos influenciar para a mesma prática. A honestidade, por exemplo, sendo vivida por todos será modelo para a prática desta virtude. No entanto, não é isso que ocorre na maioria das sociedades. As tendências naturais de todos, as inclinações pessoais, sendo propensas para a facilidade da prática do mal, no dia a dia torna-se uma prática comum e social. O sistema de vida inteiramente baseado neste mundo pecaminoso é chamado pela Igreja de “mundanismo”, e de “mundano” todo aquele que leva esta vida. No Catecismo da Igreja Católica essa vida é assim reprovada: “Todos os fiéis de Cristo “devem dirigir retamente seus afetos para que, por causa do uso das coisas mundanas, por causa do apego às riquezas contra o espírito da pobreza evangélica, não sejam impedidos de tender à perfeição da caridade”.(Tópico 2545).
O pecado do mundo
Esta
expressão, usada por São João, é explicada dessa forma pelo Catecismo da Igreja
Católica: “As consequências do pecado
original e de todos os pecados dos homens conferem ao mundo em seu conjunto uma
condição pecadora, que pode ser designada com a expressão de S. João; “O pecado
do mundo” (Jo 1, 29). Com esta expressão quer-se exprimir também a influência
negativa que exercem sobre as pessoas as situações comunitárias e as estruturas
sociais, que são frutos dos pecados dos homens”. (tópico 408).
O “pecado do
mundo” é o mesmo que “pecado social”, isto é, um pecado coletivo, ou vida
social toda pecaminosa, e que termina por formar uma sociedade inteiramente
baseada no pecado. A partir do momento
em que o Cordeiro de Deus tirar o pecado deste mundo, este passará a ser um
outro mundo, o mundo da virtude e do caminho até Deus.
Por causa
disso a maioria das pessoas é levada a pecar por causa do mundo, por verem os
outros fazerem aquilo com naturalidade. Trata-se, portanto, de um importante e
poderoso impulso ao pecado. Quando Nosso Senhor Jesus Cristo disse “eu venci o
mundo”, Ele se referia ao mundo pecaminoso e contrário às leis divinas; de
outro lado, também falava que não veio para acabar com o mundo, destruí-lo, mas
reforma-lo, aí referindo-se tanto ao convívio social de modo geral como o
próprio Universo.
Há momentos,
também, em que Nosso Senhor se refere à paz, distinguindo bem a que pertence ao
mundo e à sua paz. Disse, por exemplo, que não veio trazer a paz, mas a espada
(Mt 10, 34); mas entre os Apóstolos desejou sua paz a todos (Jo 14, 27),
ressaltando que não se referia à “paz como o mundo a dá” e sim a sua paz. No
primeiro caso, Ele se referia à paz do mundo, o mundo de pecado, enquanto no
segundo estava falando da paz verdadeira que só Ele pode trazer ao mundo
através de suas graças divinas. Santo Agostinho define a paz “como a
tranquilidade na ordem”, quer dizer, não há verdadeira paz sem ordem. Portanto,
a paz do mundo é falsa.
Por si mesmo,
esse mundo social não é mal nem é bom, assumindo características boas ou más de
acordo com a convivência, com a vida levada pelos homens em determinada
sociedade, ou determinado mundo.
E para que
esse mundo se forme ou se mantenha existe uma opinião pública, que predomina no
comportamento geral das pessoas. Nesse caso, essa “opinião pública” não é
apenas o resultado dos pensamentos comuns da sociedade, mas do que estes
conseguem impor na vida social.
Vejamos o que
diz o Catecismo da Igreja Católica quando fala deste mundo. No tópico 311 diz: “Os anjos e os homens, criaturas
inteligentes e livres, devem caminhar para seu destino último por opção livre e
amor preferencial. Podem, no entanto, desviar-se. E, de fato, pecaram. Foi
assim que o mal moral entrou no mundo, incomensuravelmente mais grave do que o
mal físico. Deus não é de modo algum, nem direta nem indiretamente, a causa do
mal moral.[2]
Todavia, permite-o, respeitando a liberdade de sua criatura e, misteriosamente,
sabe auferir dele o bem: Pois o Deus
todo-poderoso..., por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal
existir em suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar
o bem do próprio mal”.[3]
E desde o
começo da humanidade que isso ocorre, até mesmo com o primeiro casal, pois
aquele “mundo” tão pequeno, formado por apenas um casal, foi importante para se
cometer o pecado original. Adão não foi tentado pela serpente, mas por Eva, e
ele, envolvido por ela, fazia parte daquele mundo que o fez pecar: “As consequências do pecado original e de
todos os pecados dos homens conferem ao mundo em seu conjunto uma condição
pecadora, que pode ser designada com a expressão de S. João; “O pecado do
mundo” (Jo 1, 29). Com esta expressão quer-se exprimir também a influência
negativa que exercem sobre as pessoas as situações comunitárias e as estruturas
sociais, que são frutos dos pecados dos homen” (tópico 408).
Estas
expressões do Catecismo, “situações comunitárias” e “estruturas sociais”,
mostram o que se resulta da opinião pública, a qual influencia a vida cotidiana
em comum e leva todos a ter concepções certas ou erradas sobre o mal, sendo
que, por fraqueza, o homem é mais propenso à prática do pecado.
Como vimos acima
o mundo constitui-se tanto naquilo que Deus preparou para o convívio nosso
quanto no que nós mesmo formamos, proveniente do que concebemos da doutrina e
da lei divina ou de outros princípios que nós mesmo criamos, isto é, daquilo
que deduzimos de nossos pensamentos e de nossas opiniões. O resultado geral
deste mundo, seja ruim ou bom, é consequência da opinião pública, pois todo o
convívio social se manifesta num pensamento coletivo, assim como este serve
para nutrir, animar e conservar a vida em comum de todos.
Na Sagrada
Escritura, especialmente no Novo Testamento, este mundo é várias vezes referido
como produto do mal, como esta de Isaías: “Punirei
o mundo por causa da sua maldade e os ímpios por causa da sua iniquidade, porei
fim à arrogância dos soberbos, humilharei a altivez dos tiranos” (Is 13, 11). São João, já no início de
seu Evangelho condena este mundo que não recebeu e não reconheceu Cristo, a “luz
do mundo”: “Ele era a luz verdadeira que
ilumina todo homem; ele vinha ao mundo. Ele estava no mundo e o mundo foi feito
por Ele, mas o mundo não o reconheceu” (Jo 1, 9-10); mas em outra
oportunidade diz: “o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo” (Jo
1, 29); portanto, este mundo pode se transformar num outro por força do
Cristianismo, confirmado por mais essa passagem: “Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho único, para que todo o
que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna. Pois Deus não enviou o seu
Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele.
Quem n’Ele crê não é julgado; que não crê já está julgado; porque não creu no
nome do Filho único de Deus. Este é o julgamento: a luz veio ao mundo mas os
homens preferiram as trevas à luz ” (Jo 3, 16-19).
Nosso Senhor
Jesus Cristo mostra qual a faceta do mundo de pecados, o mundanismo, nessa
frase: “Se o mundo vos odeia, sabei que,
primeiro me odiou a mim. Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu;
mas, porque não sois do mundo e minha escolha vos separou do mundo, o mundo, por isso, vos odeia.” (Jo 15, 18-19).
Adiante diz que venceu este mundo: “No mundo tereis tribulações, mas tendes
coragem: eu venci o mundo” (Jo 16,
33).
“Agora, porém, vou para junto de Ti e digo
isso ao mundo, a fim de que tenham em si minha plena alegria. Eu lhes dei tua
palavra, mas o mundo os odiou, porque não são do mundo, como eu não sou do
mundo. Não peço que os tireis do mundo, mas que os guarde do maligno. Eles não
são do mundo como eu não sou do mundo. Santifica-os na verdade: tua palavra é a
verdade. Como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E, por
eles, a mim mesmo me santifico para que sejam santificados na verdade; Não rogo
somente por eles, mas pelos que, por meio de sua palavra, crerão em mim: a fim
de que todos sejam um Como tu, Pai,
estás em mim e eu em Ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu
me enviaste. Eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um, como nós
somos um: Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e para que
o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como amaste a mim.
Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles
estejam comigo, para que contemplem minha glória, que me deste, porque me
amaste antes da fundação do mundo.
Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te
conheci e estes conheceram que tu me enviaste. Eu lhes dei a conhecer o teu
nome e lhes darei a conhece-lo, a fim de que o amor com que me amaste esteja
neles e eu neles” (Jo
17, 13-26).
Da mesma forma,
em sua epístola São João condena este mundo desta forma: “Não ameis o mundo nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, não
está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo – a concupiscência da
carne, a concupiscência dos olhos e o orgulho da riqueza – não vem do Pai, mas
do mundo. Ora, o mundo passa com sua concupiscência; mas o que faz a vontade de
Deus permanece eternamente”. (I Jo 2, 15-17). Na mesma carta repete algumas
vezes tal condenação: “Não vos admireis
irmãos, se o mundo vos odeia” (I Jo 3, 13); “Vós, filhinhos, sois de Deus e vós os vencestes. Porque o que está em
vós é maior do que aquele que está no mundo”
(I Jo 4, 4); “E os seus
mandamentos não são pesados, pois todo o que nasceu de Deus vence o mundo” (I Jo 5, 4); “Nós sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro está sob o poder
do maligno” (I Jo 5, 19).
São Paulo em suas cartas usa de linguagem semelhante para condenar o mundo: “...E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rom 12, 2). “Renovar a mente” significa mudar de opinião, de mentalidade, com a mudança de vida. Em outra carta ele chama o mundo de “este século”: “Onde está o sábio? Onde está o homem culto? Onde está o argumentador deste século? Deus não tornou louca a sabedoria deste século? Com efeito, visto que o mundo por meio da sabedoria não reconheceu a Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus pela loucura da pregação salvar aqueles que creem” (I Cor 1, 20-21). Na mesma carta condena o mundo como possuído de loucura e fraqueza: “Vede quem sois irmãos, vós que recebestes o chamado de Deus; não há entre vós muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de famílias prestigiosas. Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; e, o que no mundo é vil e desprezado, o que não é, Deus escolheu para reduzir a nada o que é, a fim de que nenhuma criatura possa vangloriar-se diante de Deus” (I Cor 1, 26-30). Mas, não deixa de transmitir esperança em que este mundo mude: “Foi Deus que em Cristo reconciliou o mundo consigo” (II Cor 5, 19); “Com efeito, a tristeza segundo Deus produz arrependimento que leva á salvação e não volta atrás, ao passo que a tristeza segundo o mundo produz a morte” (II Cor 7, 10). Embora nada levemos deste mundo: “Pois nós nada trouxemos para o mundo, nem coisa alguma dele podemos levar” (I Tim 6, 70).
[1] Teologia da Perfeição
Cristã – Cap. II, “A luta contra o mundo” – Pe. Antonio Royo Marin
[2]
Nota n. 367 do Catecismo: “Cf. Sto.
Agostinho, De libero arbítrio, I,
1.2; Sto. Tomás de Aquino, S. Th. I-II,79.1.
[3]
Nota n. 368 do Catecismo: “Cf. Sto. Agostinho, Enchir. 3,11: CCL 46, 53 (PL 40,
236)”.
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