Relativismo é uma teoria filosófica criada
por Hegel, também chamada de “hegelianismo”, pela qual não há verdades
objetivas, tudo é relativo. Baseado nesse pressuposto ele ampliou o sentido da
dialética, pelo qual há uma infinita disputa entre tese e antítese sem nunca se
chegar a uma conclusão. Quando se afirma alguma coisa é uma tese e sua negação
é uma antítese; esta por sua vez é uma tese que gera uma outra antítese, e
assim indefinidamente sem nunca se chegar a uma conclusão, a uma verdade
absoluta. Tais conceitos confusos sobre a dialética deu lugar ao relativismo,
pois, não há verdade dogmática e estável, tudo é relativo.
O relativismo hegeliano pode ser visto apenas
no campo das opiniões, pois na opinião pode haver mais dúvida do que certeza.
As pessoas emitem opiniões, espécies de sentenças ou juízos pessoais, aceitando
ou repudiando aquilo que está sob seu julgamento. Mas, emitir opinião
simplesmente não basta para fazer juízo e ter certeza, pois nossa opinião é
falha e cheia de amor-próprio. São Tomás de Aquino diz que o homem não deve ter
somente opiniões, mas Fé, pois esta é firme e inabalável enquanto nossas
opiniões são vulneráveis e cheias de erros. Daí o erro de Descartes e seus
seguidores em eleger a dúvida como ponto de partida da certeza. O ponto final de
um perfeito juízo deve, pois, ser consequência de nossa Fé, e esta é uma
certeza inabalável.
Quem
nos dá uma ligeira ideia a respeito do que seja “opinião” é o padre Leonel
Franca numa de suas famosas obras:
“Aparentando
ao que duvida é o estado de quem “opina”. Aqui o equilíbrio que caracterizava a
dúvida é destruído em favor de uma das alternativas. A inteligência adere,
pronuncia-se, afirma.[1]
Mas as razões, as probabilidades, as verossimilhanças que a inclinam não lhe
parecem decisivas e tranquilizadoras. O objeto não se ilumina com toda a sua
claridade. Há uma região de penumbra e de sombra. A luz total faria talvez
vê-lo do outro modo e determinaria quiçá outra atitude da inteligência. Os
argumentos, por mais numerosos e sedutores que pareçam, não ultrapassam os
limites do provável, deixam ainda aberta a possibilidade de outros argumentos
que viriam mudar o estado da questão. A nota característica da opinião é esta
inquietude, esta consciência de que a solução a que se chegou não é definitiva,
este receio, não sem fundamento, de que talvez a verdade esteja do outro lado;
esta “formido oppositi” de que nos falam os velhos e modernos lógicos.[2]
No caso
da dúvida como no da opinião, achamo-nos em face de uma “cogitatio informis”,
na expressão de S. Tomás,[3]
de um pensamento que não se completou. Os dados intelectuais em jogo não
levaram definitivamente à solução final. O espírito ficou suspenso sem
possibilidade de uma adesão tranquilizadora.
Eis o
que explica o aspecto “afetivo” que acompanha esta diferença de estados
intelectuais: segurança, tranquilidade, paz, como corolários da segurança;
inquietude, temor, angústia, como repercussões dolorosas da dúvida. Se a
incerteza concerne não já um problema científico de alcance puramente
especulativo, mas uma questão pessoal que interessa todo o nosso ser e a nossa
atividade e em que se jogam os nossos destinos, esta angústia, filha da dúvida,
pode atingir em almas grandes a profundidade interior de dilacerações e de
torturas indizíveis. Toda a faculdade que se exerce normalmente, segundo as
leis de sua natureza, dá uma impressão de prazer e de bem-estar. A dor e o
sofrimento são o grito de um órgão que não funciona bem. Feita, por natureza,
para a verdade, a ser possuída conscientemente na segurança da certeza, a inteligência
move-se, debate-se, sofre enquanto não atinge a convicção profunda própria de
sua atividade específica.
A fé
não é dúvida, não é opinião; é certeza. No crente nenhuma suspensão de juízo,
nenhuma adesão oscilante e tímida, mas a convicção profunda de quem está com a
verdade.
Entre
as certezas, porém, a fé ocupa um lugar distinto que só lhe podemos assinalar
com um exame mais detido dessa atitude intelectual”.[4]
Entre a fé e a opinião a diferença é visível[5]
Ainda estamos falando de opinião pessoal.
Mas, como fica a opinião pública? Se toda ela é baseada na soma das opiniões
individuais, não há firmeza em seus conceitos, não pode haver certezas firmes
nela? Evidentemente que a opinião pública necessariamente não deve ser firme e
certa, ela pode estar errada ou cheia de dúvidas. O que se diz é que ela deve
refletir com exatidão o consenso das opiniões individuais de seus
participantes, das pessoas que a formam. É tanto que pode haver duas opiniões
públicas diferentes e até divergentes uma da outra: a manifestada pelo
verdadeiro povo e a das massas, sendo aquela firme e baseada na chamada “fé
pública” e esta última baseada apenas em impulsos momentâneos. A diferença
visível falada acima é no que se refere à opinião pessoal
Há, portanto, uma opinião pública volúvel e
outra firme e inabalável. Esta última é alicerçada pela Fé de cada indivíduo ao
se manifestar no conjunto da sociedade. Há também uma espécie de “Fé Pública”,
que é o conjunto das crenças dogmáticas e inabaláveis manifestadas pela
sociedade dos fiéis, a Santa Igreja. É ela a expressão viva do Corpo Místico de
Cristo.
São Tomás disse, conforme acima, que quem tem
opinião não quer dizer que tem Fé, porque a opinião é algo inconsistente, não é
uma convicção inabalável como a Fé, que nunca é o parecer ou a opinião pessoal.
Mas, ele está se referindo aí à opinião pessoal. A opinião pública é, portanto,
diversificada, nunca é a mesma, nunca é unânime numa determinada sociedade,
haja vista uma de suas definições que diz ser ela “o conjunto das impressões”
de determinado grupo de pessoas. Quer dizer, “impressões” não é certeza.
Exceção feita aos que manifestam sua Fé de forma pública, pois aí temos algo
firme, uma certeza, sendo manifestada na opinião pública. Podemos dizer que há
outra opinião pública, considerada mais legítima, pois não baseada em
impressões, mas em raciocínios lógicos e racionais, que não é fruto dos
sentidos mas da mente, da razão, do intelecto, ou então, da Fé.
Hoje em dia, com as opiniões oriundas dos
impulsos da mídia eletrônica, constata-se o retrato fiel desse tipo de opinião
pública volúvel, inconstante e, portanto, falsa. Embora, de certo modo, ela
reflita realmente a opinião das pessoas, pelo fato de ser inconsistente,
baseada apenas em impressões passageiras, mudará facilmente seus conceitos para
outros conforme a leve as impressões do momento.
Relativismo ou
indiferença?
Mas, aqui vamos ver o relativismo segundo
outros parâmetros. Trata-se do modo comportamental com que as pessoas vivem os
princípios da Fé e não das opiniões de um ou de outro. O modo como as pessoas
negam as verdades eternas dos princípios morais de convivência social e vivem
como se os mesmos não existissem. Talvez o termo correto seria “indiferentismo”
e não relativismo, haja vista que as pessoas se comportam de forma indiferente
com relação às verdades eternas.
Que verdades são estas? Que princípios morais
são estes decorrentes de tais verdades?
As principais verdades ignoradas por tal
comportamento são aquelas decorrentes da Fé. As pessoas não se dizem ateus ou
sem Fé, mas vivem como se ela não existisse, como se de fato não acreditassem
em Deus e na doutrina cristã. Como se nota tal comportamento? É na indiferença
com que se trata as coisas divinas e religiosas, negligenciando-as, não
praticando-as, ou mesmo tratando-as com desprezo. Às vezes não é simplesmente o
fato do católico deixar de assistir às Santas Missas, mas menosprezar quem as
assiste. No seu dia a dia o mais importante são os problemas corriqueiros, as
compras, as comidas, as bebidas, as festas, os passeios, etc. Deus e a Religião
fica para depois, ou para nunca. Um exemplo disso é a completa ausência de
qualquer símbolo religioso nos locais frequentados pelas multidões de hoje em
dia, dando a impressão de que tudo pode estar ali, menos Deus.
Certo religioso (que agora não recordo o
nome) fez uma homilia em que dizia que a pessoa nunca se afasta de Deus lhe
dando logo as costas. Geralmente a pessoa vai se afastando, se distanciando, de
frente para Ele, mas a partir de certa distância não terá nenhum escrúpulo em
lhe virar completamente as costas, de tão longe que já chegou d’Ele. O que leva
muita gente a se afastar assim de Deus é o relativismo.
Esse relativismo religioso da Fé manifesta-se
também dentro de casa, na vida do lar. Não se reza antes e depois do deitar, ou
antes e depois das refeições. Reza-se apenas quando há algo terrível
acontecendo e se necessita de Deus para ajudar a resolvê-lo, como uma doença
grave ou algum acidente. Também não se ensina mais as orações e o catecismo às
crianças em casa. Ensinam-se aos inocentes coisas mundanas em profusão, até
mesmo imoralidades a palavrões, mas nada que diga respeito à Fé cristã. Aí já
não é indiferença ou relativismo, mas ateísmo prático.
[1] São Tomás escreveu alguma vez que na
opinião não havia assentimento: “dubitans non habet assensum... similiter nec
opinans”. De Verit, q. XIV, a I. Cfr. III Sent. dist. 23, q. 2, a 2, sol. 1. Ambas estas
obras são trabalho de juventude. Nas posteriores, o santo afirma explicitamente
a existência de uma adesão, posto que destituída de firmeza, no espírito de
quem opina. Cfr. S. Theol. 2, 2ae q. 1 a 4; q. 2, a. 1.
[2] “A opinião é uma adesão mesclada de
dúvida e, por isso, mais ou menos vacilante e inconstante”. E.
Boirac, ‘Cours élémentaire de philosophie”, Logique. c. V, Paris, 1900, p. 287.
« De ratione opinionis est quod id quod est opinatum, existimetur
possibile aliter se habere ». S. Tomás, Summa II, Iiae, q. 1, a. 5, ad 4m.
[3] Questio
namque quamdiu probabilibus rationibus sub dubio agitatur, quasi informis est,
nondum ad veritatis certidudinem pertingens”. In Boeth, de Trinitate, Proemii
explanatio.
[4] “A Psicologia da Fé”, Pe. Leonel
Franca, Livraria Agir Editora, 1952, págs. 20/21.
[5] S. Tomás assim se exprime: “É da
essência da opinião julgar que a cousa poderia ser diversa enquanto que, na fé,
por causa de sua certeza, se julga que a cousa afirmada não pode ser
diversa”. Summa Theol. 2, 2ae q. I, a 5, ad 4m
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