No Evangelho consta que o homem tem 3 inimigos da alma, que são a carne, o mundo e o demônio. A carne são nossos instintos com suas más inclinações; o mundo é a sociedade em que vivemos, e o demônio é o anjo mau que vive constantemente nos tentando na revolta contra Deus. E, talvez, o que mais influi em nós para a vida pecaminosa são os pecados sociais, quer dizer a vida do mundo, pois muitos vivem assim pecando sem perceber o mal que fazem pelo fato de ser algo comum a todos. Dr. Plínio Corrêa de Oliveira define muito bem esse “mundo”, que ele denomina de “mentalidade das Nações”:
“O
ESPÍRITO DO MUNDO - E a mentalidade das Nações
Na primeira parte de sua preparação para a
Consagração, São Luís Maria Grignion de Montfort deseja que as pessoas façam
uma operação de esvaziamento do espírito do mundo.
Para esvaziar-se do espírito do mundo,
devemos começar por saber como ele é.
O mundo é a sociedade temporal na qual o
indivíduo vive. Em todo país católico, como o Brasil, existem duas sociedades:
a espiritual e a temporal. Num certo sentido, a sociedade temporal vive na
espiritual e, em certo outro sentido, a espiritual vive na temporal.
Habitualmente, o mundo tem um determinado
modo de pensar, de agir e de viver, que todos os seus habitantes – ou pelo
menos uma boa parte deles – reputa verdadeiro, exato, conforme a suas
tradições, a seus costumes, a seu modo de ser, a sua cultura, etc., e querem
conservá-lo.
O mundo considerado assim, ou é definidamente
católico, e neste caso é um colaborador da Igreja, ou não é inteiramente
católico mas, em parte ou no todo de sua mentalidade, é considerado de um modo
oposto ao que a Igreja ensina e, neste segundo caso, é adversário da Igreja.
Isso supõe o princípio de que cada sociedade
temporal tem uma mentalidade, ou seja, um conjunto de princípios, de modos de
viver e de sentir, uma cultura, uns costumes, uma tradição, esperanças,
preferências, etc., e esse conjunto representa as aspirações de todos os seus
integrantes.
O indivíduo que tem a mentalidade do mundo
vive muito bem nesse ambiente no qual ele tem o consenso geral, pois ele está
de acordo com esse consenso. Acontece que se esse consenso não é inteiramente
católico, o homem que vive nesse ambiente sofre uma solicitação contínua para
deixar a mentalidade da Igreja e tomar a do mundo. E, nesse sentido, o mundo,
então, é o grande inimigo da alma.
Nesse caso, a Igreja adverte seus filhos: ”Não tomem a mentalidade do mundo, que é má!”
Ter uma idéia bem
clara do espírito do mundo
Nossa defesa contra o espírito do mundo,
então, tem de ser termos uma idéia bem clara do que é esse espírito, como ele
se estrutura, qual é a sua força e como se pode produzir a sua derrota.
Alguém dirá: “Isso é impossível”.
Eu lhe perguntaria: “Você examinou? Você tem
sequer idéia de qual é o adversário que estamos combatendo? Como é que você diz
ser impossível uma coisa que você não conhece?”
É claro que todas as coisas que não
conhecemos podem nos parecer impossíveis. Mas, na realidade, são francamente
possíveis se as conhecermos bem.
Derrotar o espírito do mundo é possível em duas dimensões: individual e coletiva. Individualmente, apontando a um indivíduo bem precisamente o que é o espírito do mundo, para ele o combater em si. Pois se ele não sabe o que é, não poderá combatê-lo; no máximo, fará uns combates esporádicos contra um aspecto ou outro, mas não arrancará o monstro inteiro de dentro de si.
No início, a Igreja
tinha diante de si “mundos” diferentes
Se tomarmos a História da Igreja nos
primeiros séculos – em face dos povos do Mediterrâneo, onde ela se desenvolveu
inicialmente, e do Oriente Próximo – veremos que ela encontrava mundos
diferentes, porque as estradas eram muito pouco transitáveis, as comunicações
eram difíceis, e por isso cada país tinha sua mentalidade, sua cultura, e
formava um “mundo” próprio. Ora podia um determinado “mundo” – neste sentido da
palavra – estar muito próximo da Igreja, ora podia estar mais longínquo dela.
Por exemplo, os romanos eram muito primitivos
quando a Grécia estava no seu apogeu. Por sua vez, quando Roma chegou a seu
apogeu, a Grécia era um conjunto de decadentes, mas a cultura grega tinha sido
inteiramente assimilada pelos romanos, os quais passaram a viver segundo a
mentalidade dos gregos.
A cultura grega tinha-se espalhado por um
“mundo” que abrangia, além da Grécia propriamente dita, parte da Península
Balcânica, Bizâncio, e parte da Península Itálica, inclusive Roma. Mas uma parte
desse mundo era bárbara ainda.
Do outro lado do Mediterrâneo estava o Egito,
com uma cultura sensivelmente diferente da cultura grega.
Em cada país a Igreja tinha uma posição diferente perante o mundo.
Como a mentalidade
gera o estilo
Antigamente via-se como uma nação era
diferente da outra considerando os monumentos, a literatura, e tudo o que havia
sido legado pela tradição. Isso foi assim desde o antigo Egito até a Revolução
Francesa e as grandes invenções. Até o século XIX, as nações eram muito diferenciadas
umas das outras; cada uma com sua mentalidade, com seu modo de ser, com sua
filosofia, constituía um mundo à parte.
Por exemplo, o estilo arquitetônico clássico
grego, superconhecido, superlouvado, como é que se formou? Houve um tempo em
que os gregos viviam em choupanas. Em certo momento, eles começam a construir,
e começam a aparecer obras monumentais, extraordinárias, não pelo tamanho, mas
pelo gosto, pela harmonia, pela simetria.
Como se chegou da barraca de um povo de
pescadores mais ou menos ignorantes ao Parthenon de Atenas, por exemplo?
Alguém dirá: “Dr. Plínio, é muito simples. Um
belo dia, apareceu um homem com talento, e havia outro homem que queria
construir um templo e lhe deu o dinheiro necessário. Aquele, então, o
construiu. Pronto”.
Não é assim. O estilo clássico grego, quando
apareceu, encontrou o apoio entusiástico de toda a população, porque um estilo
apresenta sempre a imagem de uma mentalidade. Era preciso, pois, que essa
mentalidade já estivesse meio incubada nos atenienses para que, quando
aparecesse o estilo, eles exclamassem “É isto!” Quer dizer, houve, em primeiro
lugar, uma elaboração do estilo no subconsciente dos atenienses.
Não é que eles estivessem o tempo inteiro à
sua procura, pois há certas coisas que o homem só encontra quando não pensa muito nelas.
O conjunto dos habitantes de Atenas tinha uma
espécie de avidez daquele estilo. Quando
apareceu um homem especialmente capaz de sentir em si – por ser um ateniense
muito típico – aquela avidez coletiva, e dotado dos meios artísticos para dar
expressão arquitetônica a esses sentimentos, ele fez o Parthenon. Mas quando o
fez, ele agiu como um porta-voz de todos os moradores da cidade, de tal maneira
que houve uma aclamação geral por sua obra.
Estilo, aqui, não é só o estilo arquitetônico. No caso grego, é toda uma mentalidade ateniense, todo um espírito que, em alguma medida – sem exagerar nada – os filósofos de Atenas e seus grandes intelectuais exprimiram.
Duas mentalidades
refletidas num pequeno episódio
Por exemplo. Conta uma lenda que houve um
concurso de escultura em Atenas, para o qual se admitiu toda espécie de
escultores que quisessem concorrer. E as duas estátuas mais avaliadas foram uma
deusa esculpida por um grego e uma rainha esculpida por um persa.
O escultor persa talhou sua estátua com um
vestido riquíssimo, à maneira dos potentados persas. A Pérsia, sendo um rico
império, tinha todo o luxo, todo o esplendor da corte imperial. Por isso,
aparecia neles a preocupação de apresentar nas suas esculturas o esplendor da
corte, como um elemento integrante da mentalidade nacional.
Por sua vez, os gregos em Atenas constituíam
uma república que se tornou célebre. O fato concreto é que o grego esculpiu uma
deusa muito bonita, mas vestida de uma túnica simplicíssima.
O júri, constituído por gregos, fez uma
apreciação entre as duas obras de arte e deu a vitória à estátua grega. O
escultor persa, naturalmente, ficou indignado – é clássica a oposição entre os
dois povos – e protestou:
- Por que é que minha escultura não ganhou?
Ela está tão ricamente adornada!
Os membros do júri lhe responderam:
- Tu a esculpistes rica porque não a
soubestes esculpir bela.
Os senhores estão vendo que, num pequeno episódio, são duas filosofias e duas mentalidades que se deixam ver.
A consonância atrai,
a dissonância repele
Numa cidade antiga havia bairros, havia
estrangeiros, havia tudo o que há nas cidades de hoje. Nas cidades, hoje como
antigamente, os vários bairros entram numa espécie de contato mudo uns com os
outros, muito mais pelo olhar e pela convivência do que pela conversa. E o modo
pelo qual um bairro influencia outro, cria nele uma mentalidade de conjunto que
é propriamente a sua “filosofia”.
Desta maneira, cada bairro tem sua
filosofiazinha própria e acaba tendo um certo contato – mais próximo ou mais
remoto – com outro bairro. Forma-se, assim, uma espécie de “bolsa de
filosofias”. Essas filosofias são afins,
por causa da vizinhança. E, postas numa mesma bolsa, engendram uma “filosofia
comum”, a qual é uma filosofia ampla, abrangendo todos os aspectos da vida, e
constituem uma mentalidade total.
Em geral, quando um indivíduo é político e
quer ser esperto, ele percebe que quanto mais suas opiniões forem
características de um certo ambiente, mais ele atrairá esse ambiente em torno
de si. E que quanto mais, em vez de características, suas opiniões forem
dissonantes, mais ele repelirá o ambiente que o rodeia.
Qual é o resultado disso?
É que o ser humano, desde menino, vai instintivamente
procurando ficar parecido com os outros e tomar a mentalidade dos outros, para
ter um convívio agradável com eles. Percebe, às vezes, as dissonâncias de um
modo muito vivo, e aceita algumas coisas, mas recusa outras. A maior parte das
pessoas aceita tudo, e forma esse “bolo” que, no seu conjunto, se chama
“opinião pública”.
Portanto, se alguém quiser ter um rumo na vida, precisa perceber que efeito está causando e julgá-lo: se for um efeito razoável, aceitar; se for de acordo com a fé, aceitar; se for bom, aceitar ainda muito mais. Se for contrário em algo ao espírito, sobretudo, à doutrina da Igreja, recusar. E fazê-lo a qualquer preço. Se a pessoa assim não proceder, se ela não exercer uma vigilância contínua sobre si mesmo nesse ponto, acabará se tornando peteca nas mãos dos circunstantes”.[1]
O mundo ateu
Em outra
oportunidade, Dr. Plínio assim se refere a um pecado social muito comum na sociedade
moderna, que é o do ateísmo:
"...Assim, há ateus que se alegram com a convicção de que
"Deus não existe". A tal ponto que se algum fato evidente — um
milagre retumbante por exemplo — o convencesse do contrário, bem poderia
acontecer que ele passasse a odiar a Deus, e até a matá-Lo, se fosse possível.
Outros ateus estão de tal maneira enchafurdados nas
coisas da terra, que seu ateísmo não consiste em negar que Deus existe, mas em
desinteressar-se inteiramente do assunto. Se é cabível a distinção, eles não
são "ateus", no sentido mais radical e aliás corrente da palavra, mas
"a-teus", ou seja, laicos. Concebem sem Deus a vida e o mundo. Caso
se lhes provasse que Deus existe, veriam n’Ele um ser "con il quale o
senza il quale, il mondo va tale quale". Sua reação consistiria em
decretar contra Ele um total e perpétuo banimento dos assuntos terrenos.
Mas há um terceiro gênero de ateus. A este pertencem os que, acabrunhados pelos trabalhos e decepções da vida, e vendo bem, por amarga experiência pessoal, que as coisas desta terra não passam de "vaidade e aflição de espírito" (Eccles. 1, 14), gostariam que Deus existisse. Mas tropeçando nos sofismas do ateísmo, aos quais outrora haviam aberto o espírito, atados pelos hábitos mentais racionalistas a que aferraram a mente, tateiam agora nas trevas sem conseguir encontrar o Deus a quem outrora rejeitaram. Quando medito na apóstrofe de Jesus Cristo: "Vinde a mim, ó vós todos que estais sobrecarregados e fatigados, e eu vos restaurarei" (Mt. 11, 28), penso mais especialmente neste tipo de ateus. E tenho mais especialmente vontade de os chamar "caros ateus"...[2]
[1]Revista “Dr. Plínio”, nº 63, junho de
2003
[2] PLÍNIO CORREA DE OLIVEIRA - Artigo “A
ti caro ateu”, "Folha de S. Paulo", 31 de agosto de 1980
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