É
indiscutível que Nosso Senhor Jesus Cristo era dotado de uma Bondade imensa,
divina, por ser Deus além de Homem. A propósito dessa Bondade que atraía e
causava fascínio, comenta o padre Berthe:
“Todos reconheceram ao homem de semblante grave, de olhos penetrantes,
de longa cabeleira a flutuar sobre os ombros, de fisionomia meiga e subtriste,
que inspirava, mesmo às crianças, respeito e afeição”. E mais adiante: “E ao mesmo tempo que aos ouvidos lhes ressoava aquela voz forte e
meiga, não podiam os ouvintes deixar de contemplar o semblante celestial do
profeta. E do seu rosto viam
irradiar uma bondade sobre-humana que a todos lhes cativava e roubava os
corações”.[1]
Procurou Ele
conquistar o coração das pessoas. E uma vez fez um teste perguntando: o que
dizem por aí do Filho do Homem?
Nosso Senhor nos ensina como enfrentar o
entrechoque de opiniões
Depois que
passou 40 dias no deserto jejuando, haver vencido o demônio e sido batizado por
São João, Nosso Senhor fez o milagre das Bodas de Caná e, após percorrer toda a
Palestina pregando e fazendo muitos milagres, dirigiu-se a Jerusalém preparado
para enfrentar a opinião dominante e a seita judaica que mandava na Cidade
Santa. Que fez Ele? Procurou convivência
pacífica com as correntes dominantes? Fez pactos, alianças? Nada disto!
Dirigiu-se ao Templo, onde devia apresentar-se como o Messias tão esperado e já
anunciado. Lá encontrou, no entanto, uma situação constrangedora. Os
comentários são, novamente, do padre Berthe: “Graças à cumplicidade dos sacerdotes, certos costumes abusivos e
verdadeiramente sacrílegos tinham convertido esse átrio num verdadeiro mercado.
Aí vendiam vinho, azeite, sal, pombas, cordeiros, e todos os objetos exigidos
para os sacrifícios. Os cambistas, instalados aos seus balcões, serviam aos estrangeiros
moeda judaica; já que só ela corria no Templo. Conversavam e altercavam neste
lugar santo como numa praça pública”. [2]
Todos sabem o que Ele fez. Aceso de santa ira, chicoteou e expulsou os
vendilhões do Templo. Talvez fosse para este momento que Nosso Senhor vinha
mais se preparando, pois aí Ele enfrentou o teste mais duro com a opinião
pública, antes de Sua Paixão e Morte na cruz. Não era conhecido ainda como
Profeta pelo povo de Jerusalém; não tinha, portanto, autoridade popular para
tal ato. A Autoridade que possuía era d’Ele mesmo, por ser Deus. No entanto Ele
o fez como homem, embora arrojadamente. Que ocorreu? O povo aplaudiu
calorosamente, pois todos sabiam que se devia respeitar o Templo e ninguém
ousou contestar ou enfrentar Jesus Cristo nesta hora. Sua ação foi, pois, um ato de conquista de simpatia da
opinião pública. O entrechoque foi sentido apenas pelos fariseus, sacerdotes e
doutores que se perguntavam entre si
com que direito vinha aquele audacioso Galileu mandar no Templo e condenar os
usos autorizados pelo Sinédrio. E que Templo era aquele, dominado por
gnósticos!
Para se ter
uma idéia de como andavam as coisas no Templo de Jerusalém, vejamos como o
descrevia William Thomas Walsh:
“...Num
mercado, justamente ali dentro, ou bem à mão, podiam comprar pombos, cabritos
ou cordeiros para o sacrifício, se antes já não o houvessem feito, mas tinham
de pagar também uma pequena taxa de inspeção.
“Alguns dos
peregrinos pobres e dos galileus reclamavam contra os preços. Na verdade, os
bufarinheiros do templo tratavam por vezes de elevá-los desaforadamente. Certa
vez, por exemplo, cobravam um denário de ouro romano por um casal de pombos,
até que um membro da família de Hillei interveio e forçou-os a baixar o preço
de novo para ¼ de um denário de prata. Caridade predileta dos judeus ricos era
pagar o sacrifício dos pobres. Certa ocasião, quando os cúpidos comerciantes
tinham deixado o pátio do Templo quase sem animais, Rabi Baba Bem Buta
burlou-os, trazendo 3 mil carneiros, quebrando assim o mercado, de modo que os
plebeus pudessem cumprir suas obrigações”.[3]
Mais adiante,
William Thomas Walsh descreve o episódio do Templo como ele imagina que teria
ocorrido conforme seus estudos:
“No dia
seguinte, ainda cheio de grandiosas esperanças, estava Simão Pedro com o
Senhor, junto à Porta Especiosa, observando as multidões de graves peregrinos
que se apressavam em atravessar o Pátio dos Gentios para oferecer seus
sacrifícios. Um levava duas pombas numa gaiola, outro um cordeiro, outro um
cabrito, enquanto outros ainda compravam aves ou animais no bazar, ao longo de
um dos maciços muros, ou levavam-nos para serem inspecionados e dados por bons.
Uma multidão esperava em fila diante de algumas mesinhas postas sobre o chão de
mármore polido por cambistas itinerantes. O tinido das moedas ressoava acima do
chilrear dos pássaros, do balir dos carneiros, do mugir do gado e do murmúrio
das vozes humanas.
“Contemplando
tudo isso num relance, Jesus apanhou algumas cordas que jaziam ao lado dos
engradados dos pombos, reuniu-as destramente em forma de chicote e passou por
diante do atônito Simão, com uma serena e terrível determinação, dirigindo-se
para as mesas e bazares. Algo n’Ele fez que até mesmo os guardas do Templo se
afastassem apressadamente para os lados. Um poeta cristão, de descendência
judaica, um homem de não pequena visão interior[4] afirma que, mesmo encolerizado, Seu rosto
jamais se contorceu ou avermelhou, como o dos outros homens, porque não era
paixão, mas justiça impessoal divina que O acionava. Aos vendedores dos pombos disse Ele
concisamente: “Tirai daqui isto e não façais da casa de Meu Pai casa de
negócio!” Mas quando chegou aos bois e aos carneiros, descarregou-lhes nas
costas o chicote de cordas, assestando-lhes grandes e vibrantes açoites com seus
poderosos ombros e braços, até que eles semearem o pânico em todas as direções,
entre os aterrorizados espectadores e
mercadores. Os cambistas ficaram sentados, paralisados de medo, à medida que
Ele ia batendo de mesa
“Simão Pedro não havia esperado nada de semelhante.
Mas observava tudo com certa altivez crescente. Quem, senão o Messias ousaria
agir tão atrevidamente em tal lugar? Quem, senão Ele, poderia dizer naquele tom
de real certeza: “A casa de Meu Pai?” [5]
Na Suma Teológica, de São Tomás
de Aquino, há o seguinte comentário de São Jerônimo sobre o episódio de
expulsão dos vendilhões do Templo: E sobre a frase:
‘Expulsou todos os que ali estavam vendendo e comprando’, comenta o mesmo
Jerônimo: ‘Dentre todos os milagres que Cristo fez, este me parece o mais
admirável: que um só homem, naquela época ainda desprezível, tenha podido, a
golpes de um simples chicote, expulsar tão numerosa multidão. É que de seus
olhos se irradiava como que um fogo celestial e em sua face brilhava a
majestade da divindade’ (S. T. III, q. 44, a. 3, Ad I).
Como estava o olhar de Jesus Cristo naquele instante?
Ninguém teve a ousadia de confrontar ou mesmo vislumbrar de longe aquele olhar
cheio de santa ira. Nenhum comentário sobre o assunto foi feito pelos evangelistas
ou por algum cronista ou historiador. No entanto, tal olhar foi apenas o
sucessor da primeira mirada quando presenciou as cenas absurdas que estavam ocorrendo
dentro do templo.
[1]
“Jesus Christo, Sua Vida, Sua Paixão, Seu
Triunfo” – Estabelecimentos Benziger & Co. S.A., Einsiedeln, Suíça 1925)
[2] “Jesus Christo, Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo” – Estabelecimentos Benziger & Co. S.A., Einsiedeln, Suíça 1925)
[3]
“O Apóstolo São Pedro”, pp. 28
[4]
Trata-se de Fray Luís de Leon, em “Los Nombres de Cristo”
[5]
“O Apóstolo São Pedro”, pp. 60/61
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