quinta-feira, 11 de agosto de 2022

O OLHAR DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO NA EXPULSÃO DOS VENDILHÕES DO TEMPLO

 




 

É indiscutível que Nosso Senhor Jesus Cristo era dotado de uma Bondade imensa, divina, por ser Deus além de Homem. A propósito dessa Bondade que atraía e causava fascínio, comenta o padre Berthe: “Todos reconheceram ao homem de semblante grave, de olhos penetrantes, de longa cabeleira a flutuar sobre os ombros, de fisionomia meiga e subtriste, que inspirava, mesmo às crianças, respeito e afeição”. E mais adiante: “E ao mesmo tempo que aos ouvidos lhes ressoava aquela voz forte e meiga, não podiam os ouvintes deixar de contemplar o semblante celestial do profeta. E do seu rosto viam irradiar uma bondade sobre-humana que a todos lhes cativava e roubava os corações”.[1]

Procu­rou Ele conquistar o coração das pessoas. E uma vez fez um teste perguntando: o que dizem por aí do Filho do Homem?

 

Nosso Senhor nos ensina como enfrentar o entrechoque de opiniões

Depois que passou 40 dias no deserto jejuando, haver vencido o demônio e sido batizado por São João, Nosso Senhor fez o milagre das Bodas de Caná e, após percorrer toda a Palestina pregando e fazendo muitos milagres, dirigiu-se a Jerusalém preparado para enfrentar a opinião dominante e a seita judaica que mandava na Cidade Santa.  Que fez Ele? Procurou convivência pacífica com as correntes dominantes? Fez pactos, alianças? Nada disto! Dirigiu-se ao Templo, onde devia apresentar-se como o Messias tão esperado e já anunciado. Lá encontrou, no entanto, uma situação constrangedora. Os comentários são, novamente, do padre Berthe: “Graças à cumplicidade dos sacerdotes, certos costumes abusivos e verdadeiramente sacrílegos tinham convertido esse átrio num verdadeiro mercado. Aí vendiam vinho, azeite, sal, pombas, cordeiros, e todos os objetos exigidos para os sacrifícios. Os cambistas, instalados aos seus balcões, serviam aos estrangeiros moeda judaica; já que só ela corria no Templo. Conversavam e altercavam neste lugar santo como numa praça pública”. [2]

Todos sabem o que Ele fez.  Aceso de santa ira, chicoteou e expulsou os vendilhões do Templo. Talvez fosse para este momento que Nosso Senhor vinha mais se preparando, pois aí Ele enfrentou o teste mais duro com a opinião pública, antes de Sua Paixão e Morte na cruz. Não era conhecido ainda como Profeta pelo povo de Jerusalém; não tinha, portanto, autoridade popular para tal ato. A Autoridade que possuía era d’Ele mesmo, por ser Deus. No entanto Ele o fez como homem, embora arrojadamente. Que ocorreu? O povo aplaudiu calorosamente, pois todos sabiam que se devia respeitar o Templo e ninguém ousou contestar ou enfrentar Jesus Cristo nesta hora. Sua ação  foi, pois, um ato de conquista de simpatia da opinião pública. O entrechoque foi sentido apenas pelos fariseus, sacerdotes e doutores que se perguntavam entre si com que direito vinha aquele audacioso Galileu mandar no Templo e condenar os usos autorizados pelo Sinédrio. E que Templo era aquele, dominado por gnósticos!

Para se ter uma idéia de como andavam as coisas no Templo de Jerusalém, vejamos como o descrevia William Thomas Walsh:

“...Num mercado, justamente ali dentro, ou bem à mão, podiam comprar pombos, cabritos ou cordeiros para o sacrifício, se antes já não o houvessem feito, mas tinham de pagar também uma pequena taxa de inspeção.

“Alguns dos peregrinos pobres e dos galileus reclamavam contra os preços. Na verdade, os bufarinheiros do templo tratavam por vezes de elevá-los desaforadamente. Certa vez, por exemplo, cobravam um denário de ouro romano por um casal de pombos, até que um membro da família de Hillei interveio e forçou-os a baixar o preço de novo para ¼ de um denário de prata. Caridade predileta dos judeus ricos era pagar o sacrifício dos pobres. Certa ocasião, quando os cúpidos comerciantes tinham deixado o pátio do Templo quase sem animais, Rabi Baba Bem Buta burlou-os, trazendo 3 mil carneiros, quebrando assim o mercado, de modo que os plebeus pudessem cumprir suas obrigações”.[3]

Mais adiante, William Thomas Walsh descreve o episódio do Templo como ele imagina que teria ocorrido conforme seus estudos:

“No dia seguinte, ainda cheio de grandiosas esperanças, estava Simão Pedro com o Senhor, junto à Porta Especiosa, observando as multidões de graves peregrinos que se apressavam em atravessar o Pátio dos Gentios para oferecer seus sacrifícios. Um levava duas pombas numa gaiola, outro um cordeiro, outro um cabrito, enquanto outros ainda compravam aves ou animais no bazar, ao longo de um dos maciços muros, ou levavam-nos para serem inspecionados e dados por bons. Uma multidão esperava em fila diante de algumas mesinhas postas sobre o chão de mármore polido por cambistas itinerantes. O tinido das moedas ressoava acima do chilrear dos pássaros, do balir dos carneiros, do mugir do gado e do murmúrio das vozes humanas.

“Contemplando tudo isso num relance, Jesus apanhou algumas cordas que jaziam ao lado dos engradados dos pombos, reuniu-as destramente em forma de chicote e passou por diante do atônito Simão, com uma serena e terrível determinação, dirigindo-se para as mesas e bazares. Algo n’Ele fez que até mesmo os guardas do Templo se afastassem apressadamente para os lados. Um poeta cristão, de descendência judaica, um homem de não pequena visão interior[4]  afirma que, mesmo encolerizado, Seu rosto jamais se contorceu ou avermelhou, como o dos outros homens, porque não era paixão, mas justiça impessoal divina que O acionava.  Aos vendedores dos pombos disse Ele concisamente: “Tirai daqui isto e não façais da casa de Meu Pai casa de negócio!” Mas quando chegou aos bois e aos carneiros, descarregou-lhes nas costas o chicote de cordas, assestando-lhes grandes e vibrantes açoites com seus poderosos ombros e braços, até que eles semearem o pânico em todas as direções, entre os aterrorizados  espectadores e mercadores. Os cambistas ficaram sentados, paralisados de medo, à medida que Ele ia batendo de mesa em mesa. Moedas de todas as nações e siclos de prata do santuário tiniam sobre os blocos de mármore e rolavam sob os pés da multidão que fugia desatinada.

“Simão Pedro não havia esperado nada de semelhante. Mas observava tudo com certa altivez crescente. Quem, senão o Messias ousaria agir tão atrevidamente em tal lugar? Quem, senão Ele, poderia dizer naquele tom de real certeza: “A casa de Meu Pai?”  [5]

Na Suma Teológica, de São Tomás de Aquino, há o seguinte comentário de São Jerônimo sobre o episódio de expulsão dos vendilhões do Templo: E sobre a frase: ‘Expulsou todos os que ali estavam vendendo e comprando’, comenta o mesmo Jerônimo: ‘Dentre todos os milagres que Cristo fez, este me parece o mais admirável: que um só homem, naquela época ainda desprezível, tenha podido, a golpes de um simples chicote, expulsar tão numerosa multidão. É que de seus olhos se irradiava como que um fogo celestial e em sua face brilhava a majestade da divindade’ (S. T. III, q. 44, a. 3, Ad I).

Como estava o olhar de Jesus Cristo naquele instante? Ninguém teve a ousadia de confrontar ou mesmo vislumbrar de longe aquele olhar cheio de santa ira. Nenhum comentário sobre o assunto foi feito pelos evangelistas ou por algum cronista ou historiador. No entanto, tal olhar foi apenas o sucessor da primeira mirada quando presenciou as cenas absurdas que estavam ocorrendo dentro do templo.

 



[1] “Jesus Christo, Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo” – Estabelecimentos Benziger & Co. S.A., Einsiedeln, Suíça 1925)

[2] “Jesus Christo, Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo” – Estabelecimentos Benziger & Co. S.A., Einsiedeln, Suíça 1925)

[3] O Apóstolo São Pedro”, pp. 28

[4] Trata-se de Fray Luís de Leon, em “Los Nombres de Cristo”

[5] “O Apóstolo São Pedro”, pp. 60/61


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