(Demonstrando a aplicação do que se chama hoje "sensus fidelium", no início do Cristianismo as eleições dos Papas eram feitas sob aclamação popular. Doutor Plínio publica artigo discorrendo sobre o fato)
A poluição em todas as suas formas, continua problema atual. Mais especialmente tenho em vista aqui a poluição moral inerente à vertiginosa decadência dos costumes, e a poluição mental provocada pela trepidação da vida hodierna. (…)
O meio de fugir disso? Uma
excursão, por exemplo, ou a audição de alguns belos discursos, a leitura de um
romance, contentam a vários. Há os que se satisfazem com menos, isto é, com a
ingestão de qualquer comprimido que favoreça a evasão para as profundidades de
sonos insondáveis. Entre tantos recursos despoluentes, há também a excursão às
extensas regiões do passado, ou seja, a leitura de narrações históricas. No
píncaro destas, existe a legenda, com o encanto de sua leveza, de seu
simbolismo, de seu esplendor.
Para a decepção da maioria e o
possível contentamento de uns poucos, é uma viagem ao passado que proponho
neste fim de semana. Não ao passado histórico, mas ao passado legendário, tão
lato, tão belo, que por alguns lados parece tocar na própria eternidade. Acabo
de ler um conto tomado mais ou menos a esmo na Légende Dorée, de Jacques de
Voragine. Queres viajar comigo nas regiões etéreas deste conto, leitor?
Fabiano era um simples romano
como outro qualquer. Um “homem da rua”, como hoje se diria. E sequioso de
notícias como são em todos os tempos os seus congêneres.
Ora, havia em Roma, ainda recente
uma grossa novidade: morrera o Papa. E estava em gestão uma novidade ainda
maior: ia ser escolhido pelo povo o novo Pontífice. Nosso “homem da rua”,
segundo o costume, saiu de casa e se misturou na multidão, reunida para a
augusta escolha. Fabiano julgava chegar atrasado, isto é, a tempo somente de
conhecer o resultado.
E este veio, bem diverso do que
Fabiano podia imaginar. Do alto do Céu baixou uma pomba de esplendorosa alvura,
e pousou sobre a sua cabeça. Por esse fato simbólico, o Espírito Santo deixava
claro que designava Fabiano. A multidão, piedosamente entusiasmada, escolheu-o
Papa. E Fabiano, que saíra à rua para passear, se viu alçado assim à dignidade
inigualável de sucessor daquele de quem o Salvador disse: Tu és Pedra, e sobre
essa pedra edificarei a minha Igreja. E as portas do inferno não prevalecerão
contra ela (Mt 16, 18). E a partir daquele momento a “solicitude de todas as
igrejas” (2 Cor 11, 28) passou a ser a única preocupação e a única atividade de
sua vida.
Aqueles remotos tempos se
assemelhavam de algum modo aos nossos. A Igreja tinha adversários poderosos e
implacáveis. O sangue dos mártires corria às torrentes em toda a vastidão do
Império Romano. Também hoje a Igreja tem inimigos poderosos. E, por toda parte,
também os católicos são perseguidos. É certo que os adversários de hoje (…) não
são brutais como os de outrora.
Perseguem com o sorriso hipócrita
nos lábios, e a mão estendida para a colaboração dolosa. (…) Hipocrisia ou
brutalidade são acidentes. Em substância, o ódio é o mesmo.
Fabiano, cheio de veneração pelos
mártires, começou seu Pontificado enviando por todo o Império sete diáconos e
sete subdiáconos, para que recolhessem por toda a parte as atas dos martírios.
Homem previdente, queria ele legar assim para toda a posteridade, estas
narrações de uma heroicidade sem igual, escritas pelo sangue dos homens por
amor ao Sangue de Cristo. De sorte que até a consumação dos séculos servissem
de adorno à Igreja.
Mas Fabiano não recebera em vão a
visita da Pomba. O “homem da rua”, presumivelmente pacato e mediano,
transformou-se em herói, e não apenas em colecionador e compilador de feitos
heróicos de outros.
O imperador Filipe levava uma
vida cheia de pecados. Sem embargo, quis assistir às vigílias da Páscoa e
participar dos Santos Mistérios.
Fabiano, (…) em lugar de aceitar
a presença escandalosa do pecador, (…) impediu que Filipe transpusesse os
umbrais sagrados enquanto não confessasse seus pecados e não aceitasse de se
colocar no lugar reservado então aos pecadores penitentes dentro da Igreja.
Filipe cedeu.
E Fabiano, pela graça da Pomba,
venceu assim a fera. Feliz da Igreja quando é governada por varões que,
fortalecidos pela Pomba, não teme as feras!
Bem entendido, as feras não
gostam deste trato. No 13º ano de seu Pontificado, o Imperador Décio mandou
decapitar Fabiano. Este é o fim sinistro do “homem da rua” visitado pela Pomba,
e transformado por Ela em um vencedor de feras.
Fim sinistro?
Consideremos o desfecho da
história, tão e tão elevado, que a legenda áurea apenas o deixa discretamente
subentendido. No momento em que a cabeça venerável de Fabiano foi cortada, uma
corte rutilante de Anjos, provindo das alturas excelsas onde reinam o Padre, o
Filho e o Espírito Santo, baixou para receber a alma santíssima do novo mártir.
Fabiano subiu, subiu, levado pelos Príncipes celestes. Mas, por mais que ele
subisse, a Santíssima Trindade parecia irremediavelmente inacessível. Depois de
um glorioso itinerário através das Hierarquias infindáveis dos Anjos que o
aclamavam e o elevavam com o cântico de seu afeto, Fabiano, extasiado de
felicidade e de glória, foi deposto pelos Anjos aos pés de Nossa Senhora. E
assim como através de um telescópio os astros mais distantes parecem
aproximar-se de nós, assim também junto ao Coração de Maria, Fabiano se sentia
inteiramente saciado pela presença de Deus. Como é doce e glorioso contemplar
Deus face a face, aos pés do trono de Maria!
Rogai por nós e pela Igreja!
Nessas alturas celestes terminou
o passeio do “homem da rua”, que fora pacatamente à procura de notícias sobre
quem tinha sido eleito Papa. E até o fim do mundo haverá homens que digam: “São
Fabiano, rogai por nós”. Eu, por exemplo. E tu também leitor.
“Rogai por nós”. Só isto? Rogai,
São Fabiano, pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana. (…)
Ó, rogai pela Igreja, São
Fabiano!
(Plinio Corrêa de Oliveira “Folha de São Paulo”, 3/12/1976)
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