terça-feira, 18 de janeiro de 2022

A CORAGEM DE JULGAR O PRÓXIMO

 



São Bruno, referindo-se à degradação de certos monges de seu tempo, escreve no capítulo I da Santa Regra:

“A terceira e péssima espécie de monges é a dos sarabaítas[1], que, não sendo provados por nenhuma Regra, nem pela experiência, como ouro na fornalha, mas sendo, pelo contrário, moles como o chumbo, permanecendo ainda fiéis ao século por suas obras, mentem a Deus pela tonsura. Os quais, andando sem pastor, aos dois ou três, ou mais comumente sós, não nos apriscos do Senhor mas nos seus próprios, têm por lei a volúpia dos desejos: de sorte que qualquer coisa que pensarem ou preferirem, a isto chamam santo, e ilícito ao que não quiserem.

 A quarta espécie é a dos monges chamados giróvagos[2], que passam toda sua vida hospedando-se por três ou quatro dias em mosteiros diferentes, sempre vagando e nunca estáveis, servindo com requinte a sua própria volúpia e sua gula, e sob todos os pontos de vista piores que os sarabaítas. Do detestável modo de vida de uns e outros, é preferível silenciar do que falar”. (“Catolicismo”, n. 13, de janeiro de 1952).

 PODEMOS ERRAR AO JULGAR PELA APARÊNCIA, MAS DEUS NÃO

 Quando o Profeta Samuel foi até Isaí (o pai de Davi) escolher um dos filhos dele para ser Rei de Israel, ouviram isso de Deus:

 “Não olhes para o seu vulto nem para a altura da sua estatura, porque eu o julguei e não julgo o homem pelo que aparece à vista; porque o homem vê o que está patente, mas o Senhor olha para o coração”  (Sam I 16-7)

 COMO O SANTO CURA D’ARS JULGAVA AQUELES QUE NÃO ESTÃO UNIDOS A CRISTO, POIS NELES ”HÁ LATENTE ALGO DE DIABÓLICO”.

 Palavras de São João Batista Vianey, o “Cura D’Ars”, dirigidas a Ernest Hello e Jorge Seigneur, que pediam conselhos a respeito da fundação de um diário católico. (1859)

 “Vivemos em um mundo miserável. Deveis expor esta miséria e dizer a verdade sem acepção de pessoas. Há uma massa de mentiras e de erros que deveis dissipar, sem olhar para as pessoas que os espalham. Deveis combater o erro entre os católicos, pois estes têm menos direito – se posso chamar de direito – do que os outros para pregar idéias errôneas. Amai os vossos adversários. Rezai por eles, mas não deveis fazer-lhes cumprimentos. É tempo perdido. Não procureis agradar a todos, nem podeis a todos agradar. Procurai agradar a Deus e seus Anjos e Santos: eis o vosso público!

Pois bem, meus filhos, mãos á obra! Os que de vós se afastam, que vos censuram por falta de amor, intimamente vos darão razão: talvez vos defendam publicamente. Se os homens pudessem ver como eu trato “Grappin” (alcunha regional com que o Santo  designava o demônio), diriam que não lhe tenho amor. Meto-lhe medo, causo-lhe espanto, lanço-o por terra, e digo-lhe: “Grappin, tu me atacas; pois bem., eu me defendo também”.

Mas, vós meus filhos, dir-me-eis que os homens não são demônios. Sem dúvida, muitos não são demônios. Mas em todos que não estão unidos  intimamente a Cristo está latente alguma coisa diabólica: e contra isso deveis levantar-vos como executores de justiça. O erro é um obstáculo para a união. Meu Deus, quão inexaurível é a verdade, quão imarcessível, quão repleta de vida! Mais uma vez, não deixeis jamais de combater o erro. E para isto, gastai a maior parte de vosso tempo. Começai, pois, e perseverai! Não vos deixeis intimidar pela contradição. Contradição não vale nada. Fareis bem e muito bem”. (Extraído de “Catolicismo”, n. 16, de abril de 1952)

 O REINO DOS CÉUS É DOS VIOLENTOS

 Ainda da biografia de S. Luíz Maria Grignion de Montfort, o insigne apóstolo da devoção marial (1673-1716), escrita pelo Padre Louis Le Crom:

“Durante uma missão em Nantes, penetra em um botequim mal afamado “Para mostrar de quem é o locotenente, o Padre (de Montfort), põe-se de joelhos no meio dessa malta fanática e reza uma Ave Maria. Depois, levantando-se, toma os instrumentos de música, quebra-os contra o chão, derruba as mesas, em uma confusão de copos e garrafas. O estupor é geral. Alguns resistem e desembainham a espada. Com um gesto trágico o Santo avança diretamente para eles, o terço em uma das mãos e o Crucifixo na outra. Um resto de fé fez recuar esses miseráveis e,  apavorados por uma tal visão, fogem seguidos de todo o bando”. (p. 223)”.

“Em Saint-Pompain havia o mau hábito de de realizar feiras aos domingos... Montfort, ao que parece, organizou uma procissão guerreira; e, entoando cânticos, as crianças, as Virgens, os Penitentes, todos fiéis, se lançaram ao assalto das prateleiras dos mercadores e da farândula de dançarinos. Desconcertado, o inimigo fugiu”

“O Padre de Montort teria composto um cântico que recorda esse fato: A derrota das danças abomináveis e das feiras pagãs de Saint-Pompain, citado por Quérard”. (p. 355)

(Um apôtre marial – Saint Louis-Marie Grignion de Montfort”, pelo Padre Louis Le Crom, Montfortain – Ed. Librairie Mariale, Calvaire Montfort, Pont-Chateau). (Extraído de “Catolicismo”, n.40, abril de 1954)

 PODE-SE ÀS VEZES FAZER JUÍZO DE ALGUÉM POR CAUSA DE SEU FÍSICO

Palavras de São Gregório Nazianzeno referindo-se ao imperador Juliano, o Apóstata[3]:

“Eu o olhava, e me chamava a atenção sua cabeça sempre em movimento, seus ombros agitados, e que davam a impressão de desconjuntar-se, um olhar desvairado, um passo cambaleante, um nariz arrebitado que respirava insolência e desdém. E eu me perguntava: que monstro Roma alimenta aqui?” (Disc. V, 23, 24; P. G., t. XXV, col. 692, 693 -  apud Fernand Mourret, “Histoire Générale de l’Eglise”, Ed. Gay, Paris, pág. 185). (Extraído de “Catolicismo”, n. 64. Abril de 1956);

 

CENSURA: JUÍZO NECESSÁRIO PARA A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PESSOAL E PÚBLICA

 

1.    A Crítica;- Hoje vê-se a crítica como a simples recusa e condenação feita a algo do qual não se gosta. Criticar é mostrar os erros, é condenar. Mas, não foi bem essa a intenção dos filósofos quando idealizaram a necessidade da crítica. Quando um tema estava em discussão entre eles, havia necessidade de que alguém levantasse idéias opostas a fim de que a tese fosse confrontada e demonstrada sua exatidão. Isso era chamado de crítica, especialmente entre os escolásticos, onde as discussões filosóficas eram mais livres e discutidas abertamente. A condenação ou aprovação, o juízo final do tema não vem com a crítica, mas com a própria conclusão a que se deve chegar no estudo da questão. A crítica é apenas uma fase intermediária.

2.    A Censura – Da mesma forma, a censura nem sempre provém da crítica. Ela vem muitas vezes da constatação imediata do erro em que está a idéia que se debate. E censurar não é somente condenar e apontar os erros, mas impedir que os mesmos sejam divulgados. Ela pode ser exercida por cada pessoa individualmente, pelo grupo social a quem todos pertencem, por um país inteiro através de seus governantes, ou por qualquer autoridade que detenha poder para isso. E seu exercício pode ser feito através de meios suasórios simples ou até mesmo pelo emprego de violência. Um pai censura o  filho por causa de seus erros e manda que o mesmo obedeça-o, dando razões para isso; mas se o mesmo teima na prática do erro o pai tem a obrigação de usar da força e obrigá-lo a desistir de praticar o mal, castigando-o se for necessário. O mesmo procedimento pode ser praticado pela autoridade de uma pequena comunidade contra os fautores do mal ou de uma autoridade maior de um pais, seja contra um indivíduo ou contra grupos deles. A censura, neste caso, é apenas a aplicação da lei.

 

Conclusão: É com base na crítica e na censura que é construída a opinião pública. É formada esta por idéias, e quando estas surgem, logo de início as pessoas a confrontam com idéias opostas (usando assim de crítica) para aquilatar, avaliar, se estão conformes com os conceitos sociais aceitos por todos. Após a crítica vem a censura. Quer dizer, as pessoas não somente apresentam as idéias opostas àquelas consideradas erradas, mas passam automaticamente a censurar aqueles que as defendem ou as propagam.

 



[1] Classe de monges antiga, que data do tempo de São Jerônimo. Viviam sem Regra. Eram de três classes: cenobitas, ermitãos e sarabaítas. Cenobitas porque viviam nas celas; ermitões porque andavam pelos deserto sem morada fixa, e sarabaita porque moravam numa comunidade, mas sem seguir Regras.

[2] Como adiante ele fala, os giróvagos podem pertencer a uma determinada Ordem, mas mudam-se com freqüência de uma e outra, são, portanto inconstantes numa vocação.

[3] Chamam-no de “Apóstata” porque era cristão e renegou a Fé, passando a perseguir a Igreja.

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