terça-feira, 29 de setembro de 2020

AS "DISPUTAS" OU CONTENDAS ENTRE ANJOS

 



As lutas ou “disputas” entre anjos transcendem o âmbito celeste ou espiritual e se refletem diretamente entre os homens. Um exemplo vemos nas Sagradas Escrituras, relatado pelo Profeta Daniel. A situação do povo judeu no tempo do cativeiro da Babilônia era a pior possível. Antes disto, o povo de Israel havia se dividido em dois reinos, o de Judá e o de Samaria. Como castigo, o reino de Samaria foi invadido pelos Assírios e levados para o cativeiro da Babilônia. Nem todos, porém, foram deportados, ficando na Região algumas tribos  (Rs II 15, 29). Isto ocorreu em torno do ano 734 a.C.. Somente o monte Galaad não era da tribo de Neftali, uma das principais levadas para o cativeiro juntamente com as outras além do Jordão. Esta expressão “além do rio”  foi utilizada depois por Esdras e Neemias para falar do povo que havia ficado na Samaria, havia sido misturado com pagãos da Mesopotâmia, e combatia os hebreus que tentavam reconstruir o Templo: “Tal é o teor da carta que lhe mandaram: Ao rei Artaxerxes, os teus servos, os homens que habitam do lado de além do rio...”  (Esdras 4, 11).

Assim, somente ficaram na Palestina a parte central da Samaria. Alguns anos depois, nova incursão dos Assírios na região leva o resto do povo para o cativeiro (II Rs 17, 6) e acaba definitivamente com o “reino de Israel”. Pouca coisa produziu de bom o reino de Samaria, contra o qual lutou Santo Elias, sabendo-se apenas que o livro de Tobias refere-se a um personagem cativo desse reino, da tribo de Neftali, que era o próprio Tobias.

A Samaria havia ficado, portanto, despovoada. Desta forma, o rei da Babilônia mandou gente de algumas de suas cidades para repovoá-la “em lugar dos filhos de Israel (II Rs 17, 24). Os novos ocupantes da região, porém, eram castigados por Deus com animais ferozes que os devoravam, dando sinais claros da reprovação divina de seus cultos pagãos. Por isso, o rei mandou que fossem doutrinados por um sacerdote hebreu (II Rs 17, 27-28), mas o povo não largava o paganismo, misturando as religiões e promovendo o sincretismo religioso (II Rs 17, 29-32 e 33-41).

Por causa disso, aquele povo que não era mais israelita, nem de Judá nem do cismático reino da Samaria, passou a ser chamado derrisoriamente de “samaritanos” pelos judeus, e foram eles os que mais lutaram contra a reconstrução de Jerusalém e do Templo.

Alguns anos depois, o reino de Judá (formado por Judá e Benjamin) foi também invadido, desta vez por Nabucodonosor, e os judeus levados cativos para a Babilônia, principalmente as pessoas da elite, como Daniel, Ezequiel e próprio Jeremias. Este cativeiro durou 70 anos e não provocou o total despovoamento de Judá e sua ocupação por outros povos, como ocorreu com a Samaria. Tudo indica que as “disputas”  angélicas narradas pelo Profeta Daniel referem-se à luta angélica travada para que o povo judeu, ou de Judá, voltasse para suas origens.

 

Um anjo pelejando contra outro?

Daniel cap. 10:

“No terceiro ano de Ciro, rei dos persas, foi revelada a Daniel, chamado Baltasar, uma palavra verdadeira e uma grande fortaleza; ele entendeu a palavra, porque é necessário haver inteligência das visões. Naqueles dias, eu, Daniel, chorei por todos os dias durante três semanas;  não comi pão agradável ao gosto, nem carne nem vinho entraram na minha boca, nem me ungi com perfume algum, até que se completasse os dias destas três semanas.  No dia vinte e quatro, porém, do primeiro mês, estava eu junto do grande rio, que é o Tigre.

“Levantei os olhos e olhei; e eis que vi um homem vestido de roupas de linho e cingido pelos rins com um cinto de puríssimo ouro; o seu corpo era como o crisólito, o seu rosto como o relâmpago e os seus olhos pareciam uma lâmpada ardente; os seus braços e todo o resto do corpo até aos pés eram semelhantes ao bronze reluzente e o som das suas palavras era como o ruído duma multidão. Somente eu, Daniel, tive esta visão; os homens que estavam comigo não a viram, mas caiu sobre eles um extraordinário terror, e fugiram para lugares ocultos. Tendo eu, pois, ficado sozinho, vi esta grande visão. Não ficou vigor em mim, mudou-se o meu semblante, caí desfalecido e perdi todas as forças. Ouvi o som das suas palavras, e, ouvindo-o, jazia deitado sobre o meu rosto, todo espavorido, e o meu rosto estava colado à terra.

“E eis que uma mão me tocou e fez-me levantar sobre os meus joelhos e sobre as palmas das minhas mãos. Depois disse-me: Daniel, homem de desejos, entende as palavras que te venho dizer; põe-te de pé, porque eu fui agora enviado a ti. Depois que me disse isto, pus-me de pé tremendo.  Disse-me: Não tenhas medo, Daniel, porque desde o primeiro dia, em que aplicaste o teu coração a compreender e a mortificar-te na presença do teu Deus, foram ouvidas as tuas palavras e eu vim por causa dos teus rogos. Porém o príncipe do reino dos persas resistiu-me durante  vinte e um dias; mas eis que veio em meu socorro Miguel, um dos primeiros príncipes, e eu fiquei lá junto do rei dos persas.  Vim para te ensinar as coisas que estão para suceder ao teu povo nos últimos dias, porque o cumprimento desta visão ainda está para dias (longínquos).

“E, enquanto ele me dizia estas palavras, baixei o rosto para a terra e fiquei em silêncio. E eis que aquele que tinha semelhança de um filho de homem, me tocou os lábios; e eu, abrindo a boca, falei e disse ao que estava em pé diante de mim: Meu Senhor, com a tua vista relaxaram-se as minhas juntas e não me ficou força alguma e até me falta a respiração. Aquele, pois, que eu via sob a aparência dum homem, tornou-me a tocar, confortou-me e disse:  Não temas, homem de desejos;a paz seja contigo; tem vigor e sê robusto. E, quando ele ainda me falava, recobrei as forças e disse: Fala, meu Senhor, porque me fortaleceste.

“Então disse-me ele: Sabes tu por que é que eu vim ter contigo? Agora volto a pelejar contra o príncipe dos persas. Quando eu saía, apareceu o príncipe (ou Anjo custódio) dos gregos, que vinha. Mas eu te anunciarei o que está expresso na escritura da verdade; e em todas estas coisas ninguém me ajuda senão Miguel, que é o vosso príncipe”. 

 

Daniel Cap. 11:

“E eu (Gabriel), desde o primeiro ano de Dario medo, estava junto dele para o sustentar e fortificar.

“Agora eu te anunciarei a verdade...”  (Dan 1, 1-2).

Daniel Cap 12:

“Naquele tempo se levantará o grande príncipe Miguel, que é o protetor dos filhos do teu povo”... 

O Arcanjo São Miguel, que é o Anjo da Guarda do povo de Israel, encontrou-se numa “disputa”  com o “anjo da Pérsia”  (ou um demônio, Gog, conforme Ez 39,2), auxiliando São Gabriel, que poderia ser, este sim, o Anjo da Guarda dos persas. São Gabriel falou para o profeta Daniel: “o príncipe do reino dos persas resistiu-me durante vinte e um dias; (Dan 10, 13)”. Neste caso, “príncipe” seria o rei dos persas que resistia às inspirações angélicas, talvez influenciado pelo anjo mau. Então, neste caso, São Gabriel estaria procurando inspirar o rei da Pérsia por ser o Anjo Custódio daquele povo.

O Profeta Zacarias também fala destas guerras angélicas, referindo-se à libertação do povo judeu desta forma:

“Estes são os que o Senhor enviou a percorrer a terra. Eles dirigiram-se ao anjo do Senhor que estava entre as murteiras, e disseram-lhe: Nós temos percorrido a terra, e eis que a terra está toda habitada e em repouso.

“O anjo do Senhor replicou dizendo: Senhor dos exércitos, até quando diferireis tu o compadecer-te de Jerusalém e das cidades de Judá, contra as quais te iraste? Este é já o ano septuagésimo”  (Zac 1, 10-12).  Afirmar que a terra “está toda habitada e em repouso” não é próprio dos bons anjos, indicando com isso que eram os demônios tentando despistar para que não se cumprissem os desígnios de Deus sobre os hebreus. São Miguel replica oportunamente e pede a Deus que inicie o processo de libertação do povo eleito do cativeiro. E ele o pede chamando Deus de “Senhor dos Exércitos”, titulo com que espera conseguir forças para vencer os exércitos angélicos inimigos.

O primeiro sinal destas “disputas” foi em torno da restauração do sacerdócio, também narrado por Zacarias:

“Depois o Senhor mostrou-me o sumo sacerdote Jesus, que estava em pé diante do anjo do Senhor; e Satanás estava à sua direita para se lhe opor. O Senhor disse a Satanás: O Senhor te reprima, ó Satanás; reprima-te o Senhor que escolheu Jerusalém. Porventura não é este um tição que foi tirado do fogo? Jesus estava revestido de hábitos sujos e posto em pé diante do anjo. Este tomou a palavra e falou àqueles que estavam em pé diante dele, dizendo: Tirai-lhe esses hábitos sujos. Depois disse a Jesus:  Eis que tirei de ti a tua iniqüidade  e te revesti de roupas de gala. E acrescentou: ponde-lhe na cabeça uma tiara limpa. Puseram-lhe na cabeça uma tiara limpa e revestiram-no de preciosos vestidos; entretanto o anjo do Senhor estava de pé...”  (Zac 3, 1-5).

Jesus era o sumo sacerdote e que acompanhou Zorobabel na reforma religiosa em curso por ocasião da volta do cativeiro.  A frase dita por São Miguel, “o Senhor te reprima, ó Satanás!”, é repetida por São Judas em sua Epístola: “Quando o arcanjo Miguel, disputando com o demônio, altercava sobre o corpo de Moisés, não se atreveu a proferir contra ele a sentença de maldição, mas disse somente: Reprima-te, o Senhor. (1, 10).

Estas “disputas” ou lutas angélicas se destinavam a se conseguir a libertação do povo hebreu, obtida finalmente com o edito de Ciro, rei da Pérsia (534 a.C.). Os judeus não só ficariam livres do cativeiro da Babilônia (II Crôn 36, 22-23 e Esdras 1, 1-4), mas poderiam também reconstruir Jerusalém e o seu Templo. Para tal fim, Daniel (que havia sido levado cativo no tempo de Nabucodonosor) fez penitência por três semanas (Dan 10, 2), período em que os anjos “disputavam”.  A “disputa”  entre São Gabriel e o outro anjo não era só para conseguir demover o rei a tomar aquela atitude, mas para afastar todos os obstáculos que surgissem criados pelos demônios.  Somente com o auxílio de São Miguel (Dan 10, 13) é que os Santos Anjos conseguiram seu objetivo. Cumprindo-se assim a profecia de Jeremias:  “Completos que forem os setenta anos, irei com a minha visita contra o rei de Babilônia, e contra aquela gente...” (Jer 25, 12).

Interessante notar que o Anjo só interveio por causa dos rogos de Daniel: durante um certo tempo, que ele fala em vinte e um dias, o profeta chorou, jejuou e fez sacrifícios.  No entanto, tudo indica que a penitência de Daniel deve ter sido bem mais longa, pois em seu próprio livro profético ele se refere a anos como se fossem dias (Dan 9, 24), “setenta semanas de anos”, ou, mais adiante “passarão sete semanas e sessenta e duas semanas” (desde o edito de Ciro até a vinda do Messias) e que os vinte e um dias devem ter sido, na realidade, vinte e um anos. Adiante diz o Profeta, “no dia vinte e quatro, do primeiro mês”, isto é, no início do ano vinte e quatro do período de tempo a que está se referindo. Esta data, vinte e quatro dias, é referida por Ageu (2, 21). A diferença de três anos é o que se acrescenta aos três anos iniciais de Ciro: “No terceiro ano de Ciro”, etc. Como Daniel começou a fazer penitência “No primeiro ano de Dario”  (Dan 9, 1-3) e este rei governou por cerca de 20 ou 21 anos, é sinal de que este deve ter sido o tempo que durou seu sacrifício. Embora o rei tenha resistido, São Gabriel “desde o primeiro ano de Dario medo, estava junto dele para o sustentar e fortificar (Dan 11, 1).

São Gabriel ainda voltou a pelejar contra o “príncipe dos persas” (Dan 10, 20), provavelmente algum demônio poderoso que inspirava reações dos bruxos e de alguns inimigos dos hebreus contra o rei. Quando São Gabriel “saía”  foi substituído no combate pelo anjo dos gregos, mas somente São Miguel teve forças para vencer aquela disputa: “Então me disse ele: Sabes tu por que é que eu vim ter contigo? Agora volto a pelejar contra o príncipe dos persas. Quando eu saía, apareceu o príncipe (ou anjo Custódio) dos gregos, que vinha. Mas eu te anunciarei o que está expresso na escritura da verdade; e em todas estas coisas ninguém me ajuda senão Miguel, que é o vosso príncipe”  (Dan 10, 20-21) . Provavelmente, mesmo depois do edito de Ciro, foi necessário que os Santos Anjos ajudassem o povo hebreu para conseguir o objetivo principal, que era a reconstrução de Jerusalém e do templo.  A ajuda do anjo dos gregos foi necessária, embora a mais importante tenha sido a de São Miguel (pelo fato de ter inspirado os próprios hebreus a reagir e lutar).

Alguns intérpretes acham que a expressão “príncipe dos persas” se refere ao Anjo Custódio daquele povo, o qual “disputava” com São Gabriel e São Miguel desejando que o povo hebreu ficasse na Pérsia (na época o centro do mundo civilizado), construísse um novo Templo e de lá propagasse a religião verdadeira a todo o resto do mundo.

Trata-se de uma hipótese muito interessante, mas difícil de ser aceita na prática, pois um Santo Anjo, principalmente sendo custódio de um povo, provavelmente conhecia os desígnios de Deus sobre o povo eleito e qual a finalidade do cativeiro da Babilônia, não havendo necessidade de que permanecesse lá para propagar a religião de Deus.

O fato dos anjos encontrar-se em “disputa”  deixava o profeta em dúvida do que fazer, aguardando um sinal divino. Tal a razão de Daniel ter ficado e não ter ido logo de volta para Jerusalém (Dan 10, 1). Outros profetas também ficaram na Babilônia, como Ezequiel, Ageu e Zacarias, a fim de exortar o povo a executar os desígnios de Deus. É curioso que São Gabriel só tenha conseguido vencer a “disputa” com as penitências de Daniel, e que “ausentando-se” da batalha para comunicar-se com o Profeta tenha que deixar na luta um “substituto”, isto é, o Anjo da Grécia.

A continuação da mensagem de São Gabriel parece indicar os desdobramentos futuros daquela “disputa” (Dan 11,2 em diante), quando ocorrerão diversas guerras e formar-se-ão os grandes impérios, os reinos futuros: o do Egito (chamado de meio-dia), o da Síria e da Pérsia (chamado do norte ou do Aquilão) e a Grécia.

O Profeta previu depois que a gnose seria mudada de lugar., pois os medos invadiriam a Pérsia e levariam “cativo para o Egito os seus deuses, etc. (Dan 11,8).  O centro da idolatria sairia temporariamente da Pérsia e Babilônia. Tudo indica que os “príncipes”  da Pérsia e do Egito julgavam que a idolatria seria mais facilmente divulgada por lá e que os hebreus poderiam  voltar para Israel, considerado por eles um centro de menor importância política e estratégica para a divulgação do hebraísmo que lhes opunha. No entanto, o judaísmo gnóstico já havia se misturado com os persas e egípcios, e muitos judeus não voltaram para Jerusalém junto com Esdras e Zorobabel, preferindo ficar na Babilônia. O Profeta Ezequiel, que viveu no exílio da Babilônia, fala da “prostituição” dos israelitas com os pagãos, e numa figura simbólica da apostasia e união deles com a gnose diz que os israelitas edificaram “em todas as praças públicas uma casa de prostituição” (Ez 16, 23-29), indicando talvez com isso uma grave censura ao surgimento das sinagogas, que datam desta época.   Da mesma forma, o Profeta Daniel e muitos hebreus de bons princípios, até o tempo de Mardoqueu (tio da rainha Ester), já no reinado de Assuero, preferiram ficar para combater as más influências naqueles que não puderam voltar para Israel.

É interessante notar que as expressões “anjo da Pérsia”, “príncipe dos persas” ou mesmo “ungido do Senhor” refere-se à atuação angélica sobres os soberanos persas.   E isto ocorreu tanto no tempo de Ciro quanto no de Assuero. O rei Ciro foi chamado por Isaías o “ungido do Senhor”: “Eis o que diz o Senhor a Ciro, meu ungido, a quem tomei pela mão, para lhe sujeitar ante a sua face as nações e fazer voltar as costas aos reis, etc. “  (Is 45, 1-2)”.   O rei Assuero, por sua vez, é visto por Ester como “um anjo de Deus”  (Ester 15, 16), embora este rei fosse péssimo, um tipo afeminado e maldoso. No edito que este rei fez em favor dos hebreus, elogia Mardoqueu e defende o povo judeu contra as maquinações do príncipe macedônio  (Ester 16, 10-14). Nada disto teria feito se não fosse por uma forte inspiração angélica.

 

“Agora volto a pelejar contra o príncipe dos persas”

São Gabriel declarou que voltaria a pelejar contra o príncipe dos persas, isto é, o rei da Babilônia. A expressão “príncipe dos persas” pode ser entendida também como se referindo ao demônio que comandava a reação maléfica contra a repatriação dos judeus e a reconstrução de Jerusalém e do Templo.

Quer dizer, mesmo o rei Ciro tendo autorizado a libertação do povo e a reconstrução de Jerusalém e do Templo, devolvendo inclusive todos os vasos sagrados que haviam sido roubados por Nabucodonosor (Esdras 1, 7-11), havia forte reação contra os hebreus. Conforme vimos acima, os povos que estavam na região de Samaria já não eram mais os israelitas, mas outros, vindos da Babilônia. Maliciosamente, inspirados pelos anjos das trevas, eles se ofereceram para ajudar na reconstrução do Templo:

“Ora os inimigos de Judá e de Benjamin souberam que os filhos do cativeiro edificavam o templo do Senhor Deus de Israel; e indo ter com Zorobabel e com os chefes das famílias, disseram-lhes: Deixai-nos edificar convosco, porque nós buscamos o vosso Deus, do mesmo modo que vós; nós temos-lhe sempre imolado vítimas, desde o tempo de Assaradão, rei da Assíria, que nos mandou para aqui”  (Esdras 4, 1-2).

Oferta tão lisonjeira e pacífica poderia parecer correta, mas na realidade tais homens eram movidos por malícia, pois eram eles inteiramente gnósticos e praticavam um sincretismo religioso total:

“O rei dos assírios mandou vir gente de Babilônia, de Cuta,de Ava, de Emat, e de Sefarvaim e pô-los nas cidades de Samaria em lugar dos filhos de israel” (II Rs 17, 24).   Mas como tais habitantes não respeitavam a lei de Deus, o Senhor lhes mandava castigar com leões que os matavam. Avisado do fato, o rei dos assírios ordenou que um sacerdote hebreu fosse lá morar com eles e lhes ensinar a religião dos israelitas:  “Tendo, pois, ido um dos sacerdotes que tinham sido levados cativos da Samaria, habitou em Betel e ensinava-lhes o modo como deviam honrar o Senhor. “Apesar disso, cada um destes povos fabricou para si o seu deus e colocaram-nos nos templos dos lugares altos, que os samaritanos tinham edificado...   Embora adorassem o Senhor, serviam também aos seus deuses...,” (II Rs 17, 28 e 33).  

Como foram recusados por Zorobabel e os outros chefes a colaborar na reconstrução do templo, os samaritanos revoltaram-se e passaram estorvar a obra.  Inicialmente “ganharam também por dinheiro os conselheiros do rei”  (Esdras 4,5), depois fazendo uma carta difamatória (Esdras 4, 7-11), escrita em aramaico, contra os hebreus. Nada disto adiantou, porque, embora os trabalhos tenham sido interrompidos, logo foram recomeçados por ordem do rei Dario, que tomou conhecimento da verdade através também de uma carta feita pelos hebreus. Quer dizer, para cada ação diabólica correspondia uma inspiração angélica oposta.

O mesmo ocorreu com a reconstrução de Jerusalém, narrada em Neemias, quando os samaritanos revoltaram-se contra os hebreus repatriados e não queriam deixá-los reconstruir a cidade. E aí a batalha angélica passou para o campo da guerra campal dos homens. Embora tenha havido antes intrigas contra os hebreus, partindo dos samaritanos ou de outros povos,  Deus “dissipou os desígnios”  daqueles homens (Neemias 4, 15) e terminaram os hebreus por reconstruir a cidade, de armas na mão:

“E desde aquele dia em diante sucedeu que metade  da gente moça trabalhava na obra e a outra metade estava pronta para a peleja, com lanças e escudos, arcos e couraças, e os chefes estavam atrás deles em toda a casa de Judá. Os que edificavam os muros, os que acarretavam e os que carregavam, com uma das mãos faziam a obra, e com a outra pegavam na espada; porque cada um dos que edificavam tinha sua espada à cinta. Trabalhavam e tocavam a trombeta junto de mim”.  (Neemias 4, 16-18).    

 


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