"Entretanto, em certas ocasiões, diante do
contraste ente o ambiente da copa e o do meu quarto, eu já fazia durante o
horário da sesta reflexões sobre a nobreza, a partir da idéia da infinita majestade de Nosso Senhor, que me
parecia a própria personificação do nobre.
Mas o que sentia eu em presença de Nosso
Senhor, possuindo sobre Ele o conhecimento que pode ter uma criança tão
pequena?
Eu O considerava através das imagens d’Ele
que via num livrinho infantil sobre religião, e tinha a sensação evidente de
ser Ele o Homem-Deus, pois mamãe explicava isso com toda a clareza. Mas
sobretudo porque, devido a uma circunstância providencial, na minha imaginação
Ele era exatamente como está representado na imagem do Sagrado Coração
existente no oratório do quarto de mamãe, a qual ela prezava
extraordinariamente. Junto a essa imagem havia uma outra, pequena, de Nossa
Senhora das Graças, e eu estava habituado a ver esses objetos. Lembro-me de mim
mesmo analisando-os pela primeira vez num determinado dia e pensando: “Afinal,
como é Ele?”
Sentia que, se quisesse fazer uma idéia d’Ele,
deveria ter a certeza de que sua mentalidade era precisamente aquela, ali
representada. Conhecê-Lo, pois, para mim, era interpretar aquela figura. E eu
refletia: “Essa imagem me compraz e está de acordo com minha retidão, da qual
estou certo, pois ela é uma evidência interna nascida em mim, ´proveniente de
algo que não erra!”
Eu não sabia que isso era o senso do ser. (*)
Então, o que a imagem parecia tornar patente aos meus olhos?
Sobretudo firmeza; Nosso Senhor estava tão
bem posto sobre os próprios pés e tão ereto; o seu porte era tão varonil, tão
próprio a quem pensa em tudo seriamente e tem uma grande amplitude de visão do universo,
que Ele era para mim a própria imagem da certeza firme. O fato de seus cabelos
serem divididos em duas partes parecia marcar uma simetria universal, indicando
que tudo no mundo pode ser visto em dois aspectos distintos, constituindo uma
harmonia superior. Também, o modo de eles caírem ao longo da cabeça e sobre os
ombros, sem um fio em desalinho, tinha uma ordem impecável e perfeita, mas
suave, acolhedora e afável. E o olhar que Ele deitava sobre o fiel era cheio de
convicções e reflexões, acumuladas num prodigioso depósito de certezas. Mas
tudo isso se dava num plano tão alto e extraordinário que Ele me parecia, ao
mesmo tempo, o verdadeiro Rei e Mestre por excelência. Aquele era, portanto, realmente,
meu Deus, Jesus Cristo, Filho de Maria, que nasceu em Belém! De onde a minha
adesão a Ele!
Era a voz da Igreja, por meio daquela humilde
obra artesanal, apresentando-me a figura de Nosso Senhor Jesus Cristo. E eu,
maravilhado, sentia que Ele atingia as aspirações do meu senso de ser e
correspondia totalmente a tudo quanto eu achava bom e direito. Mais ainda:
punha em mim horizontes e aspectos novos, com uma extraordinária elevação. No
contato com Ele, eu me sentia tratado como gostaria de sê-lo! Ele possuía o olhar
por excelência, do qual eu desejava que participassem todos os olhos que me
viam”
(*) Senso do ser: expressão muito utilizada por
Dr. Plínio para explicar o senso que existe na alma humana, desde as suas
primeiras apreensões da realidade – juntamente com a inclinação natural para o
bem, a verdade e a beleza – e que confere à pessoa uma noção da existência de
si mesma e dos outros seres.
(“Notas
Autobiográficas – Plínio Corrêa de Oliveira – Editora Retornarei – Vol. I,
págs. 305 e 307/
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