terça-feira, 2 de junho de 2020

REFLEXÕES SOBRE A IMAGEM DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS







"Entretanto, em certas ocasiões, diante do contraste ente o ambiente da copa e o do meu quarto, eu já fazia durante o horário da sesta reflexões sobre a nobreza, a partir da idéia da  infinita majestade de Nosso Senhor, que me parecia a própria personificação do nobre.
Mas o que sentia eu em presença de Nosso Senhor, possuindo sobre Ele o conhecimento que pode ter uma criança tão pequena?
Eu O considerava através das imagens d’Ele que via num livrinho infantil sobre religião, e tinha a sensação evidente de ser Ele o Homem-Deus, pois mamãe explicava isso com toda a clareza. Mas sobretudo porque, devido a uma circunstância providencial, na minha imaginação Ele era exatamente como está representado na imagem do Sagrado Coração existente no oratório do quarto de mamãe, a qual ela prezava extraordinariamente. Junto a essa imagem havia uma outra, pequena, de Nossa Senhora das Graças, e eu estava habituado a ver esses objetos. Lembro-me de mim mesmo analisando-os pela primeira vez num determinado dia e pensando: “Afinal, como é Ele?”
Sentia que, se quisesse fazer uma idéia d’Ele, deveria ter a certeza de que sua mentalidade era precisamente aquela, ali representada. Conhecê-Lo, pois, para mim, era interpretar aquela figura. E eu refletia: “Essa imagem me compraz e está de acordo com minha retidão, da qual estou certo, pois ela é uma evidência interna nascida em mim, ´proveniente de algo que não erra!”
Eu não sabia que isso era o senso do ser. (*)
Então, o que a imagem  parecia tornar patente aos meus olhos?
Sobretudo firmeza; Nosso Senhor estava tão bem posto sobre os próprios pés e tão ereto; o seu porte era tão varonil, tão próprio a quem pensa em tudo seriamente e tem uma grande amplitude de visão do universo, que Ele era para mim a própria imagem da certeza firme. O fato de seus cabelos serem divididos em duas partes parecia marcar uma simetria universal, indicando que tudo no mundo pode ser visto em dois aspectos distintos, constituindo uma harmonia superior. Também, o modo de eles caírem ao longo da cabeça e sobre os ombros, sem um fio em desalinho, tinha uma ordem impecável e perfeita, mas suave, acolhedora e afável. E o olhar que Ele deitava sobre o fiel era cheio de convicções e reflexões, acumuladas num prodigioso depósito de certezas. Mas tudo isso se dava num plano tão alto e extraordinário que Ele me parecia, ao mesmo tempo, o verdadeiro Rei e Mestre por excelência. Aquele era, portanto, realmente, meu Deus, Jesus Cristo, Filho de Maria, que nasceu em Belém! De onde a minha adesão a Ele!
Era a voz da Igreja, por meio daquela humilde obra artesanal, apresentando-me a figura de Nosso Senhor Jesus Cristo. E eu, maravilhado, sentia que Ele atingia as aspirações do meu senso de ser e correspondia totalmente a tudo quanto eu achava bom e direito. Mais ainda: punha em mim horizontes e aspectos novos, com uma extraordinária elevação. No contato com Ele, eu me sentia tratado como gostaria de sê-lo! Ele possuía o olhar por excelência, do qual eu desejava que participassem todos os olhos que me viam”


(*)  Senso do ser: expressão muito utilizada por Dr. Plínio para explicar o senso que existe na alma humana, desde as suas primeiras apreensões da realidade – juntamente com a inclinação natural para o bem, a verdade e a beleza – e que confere à pessoa uma noção da existência de si mesma e dos outros seres.


(“Notas Autobiográficas – Plínio Corrêa de Oliveira – Editora Retornarei – Vol. I, págs. 305 e 307/

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