Não me custou perceber que Nosso Senhor Jesus
Cristo, especificamente enquanto fazendo ver seu Coração aos homens, era a
fonte infinita da qual emanava todo o bem. E n’Ele realizavam-se todas as perfeições
e maravilhas de alma possíveis, de um modo que eu jamais poderia ter imaginado!
E, ao discernir o bom espírito que havia em todas as coisas da Igreja, pensava:
“Este ambiente é o reflexo d’Ele! A harmonia que encontro aqui é o próprio
Deus. Ele é isso num grau supremo, extraordinário, perfeito e infinito”.
Às vezes, permanecia diante da imagem do
Sagrado Coração de Jesus que existe num altar lateral da igreja. Via-O em pé,
muito nobre e com um sorriso ligeiramente triste, mas imensamente convidativo,
tocando com a mão no Coração e olhando para quem estava embaixo, como se
dissesse:
“Queres um lugar aqui dentro? Não me aceitas?
Olha que tesouro! Isto é para ti!”
Eu olhava e pensava: “Bem sei que isto é uma
imagem e não um homem, mas as pessoas que construíram a igreja querem que Deus
seus visto assim e, por isso, representaram Nosso Senhor dessa forma. Ora, Deus
visto assim, é completo! Percebo que Ele é de fato assim.
“Que fisionomia! A beleza de que ouço falar
por aí não vale nada! Se um dia eu quisesse analisar a idéia de formosura, eu
viria aqui para olhar a fisionomia d’Ele, pois só Ele é bonito! Esse é o
padrão: uma beleza de alma, mais do que de corpo. Mas, que corpo...! E por
detrás dele,, que alma....! Que maravilha!
“Dado que essa imagem coincide de um modo
inteiramente satisfatório com o ambiente da igreja e com o que me ensinaram a
respeito de Nosso Senhor, olhando a sua fisionomia, suas mãos, seu traje, seus
cabelos e seu gesto, terei uma idéia global a respeito d’Ele, que posso tornar
mais precisa e mais rica em contornos, se examinar cada ponto. Sobretudo seus
divinos olhos e seu Sagrado Coração”.
Começava, então, a fazer a análise
psicológica d’Ele e assim O discernia. Hoje vejo o quanto eu “arquetipizava” a
imagem por efeito da minha inocência, pois ela está realmente distante daquilo que
a graça me fazia ver. Numa atitude de respeito e de adoração, eu compunha a
mais alta das idéias que minha mente de criança podia formar. De maneia que,
quando muito mais tarde conheci o Santo Sudário, exclamei: “É Ele!”
Posso dizer que aquilo que eu via na infância
representava ainda mais fielmente a Nosso Senhor do que o próprio Santo
Sudário, o que se compreende facilmente, pois este O mostra enquanto morto e
vítima, e na imagem do Sagrado Coração Ele Se me apresenta vivo, acolhedor e
afável.
Eu via n’Ele algo de uma bondade insondável,
e essa idéia era requintada pela impressão que me causava a cor vermelha de seu
Coração. Encantavam-me, também, em Nosso Senhor, o asseio e as boas maneiras,
expressas no feitio da sua face e ainda mais no seu corpo, que parecia emitir
luz. Sua túnica dava-me a idéia de uma pessoa perpetuamente limpíssima, sem
mancha alguma na alma ou na própria indumentária. E havia no seu traje uma
discreta bordadura que me parecia indispensável à sua elevação. Sem ouro, Ele
não teria reverenciado sua própria grandeza como devia. Essa consciência d’Ele
a respeito da sua majestade me deixava encantado.
Eu me dizia: “Como Ele está em pé com
distinção! Como o modo de segurar o Coração é o de uma pessoa bem-educada! Como
a impostação da cabeça é de alguém que recebeu boa formação! Como a barba está
bem-arranjada, sem faceirice! Que supremo aristocratismo natural nos cabelos!
Tem-se a impressão de que Ele nem pensa nisso, mas não há um cacho, nem um fio,
que não estejam inteiramente no lugar apropriado, para dar uma idéia perfeita
d’Ele mesmo!
“Muita gente viveu em ambientes mais
distintos dos que Ele frequentou. Mas... distinção é aquela! Os outros são
todos insignificantes em comparação com Ele!”
E eu chegava à conclusão: “Como Ele é amigo
da ordem universal! Como é coerente com
essa ordem! Ele ama todas as coisas na sua ordenação própria e no mais belo
aspecto que podem dar de si mesmas. E com quanto carinho! Ele gosta dessa rosa
que foi posta em seu altar, assim como também gosta de mim que estou igualmente
aos seus pés. Ele é afim com tudo o que é reto! A Igreja Católica é santa
porque é como Ele; é um hífen entre Ele e nós; é a própria auréola que nimba a
cabeça d’Ele e por isso eu a amo! A influência, a mentalidade e a presença
d’Ele estão neste ambiente”.
Essas graças foram de tal profundidade e
alcance que não creio ter podido, naquela idade, conhecer d’Ele mais do que
conheci.
(“Notas
Autobiográficas – Plínio Corrêa de Oliveira – Editora Retornarei – Vol. I,
págs. 510/512).
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