(Comentários de Dr. Plinio Corrêa de Oliveira sobre a Santíssima Virgem Maria)
Cântico muito apropriado para alimentar nossa
piedade nos dias da Semana Santa, o Stabat Mater mereceria um comentário tão
extenso quanto grande é sua beleza e unção. Porém, não sendo possível nos
estendermos como desejaríamos, analisarei algumas passagens, baseando-me numa
tradução a qual, infelizmente, não possui o mesmo sabor do texto original em
latim.
A situação mais trágica de toda a História
“Estava a Mãe dolorosa, ao pé da Cruz,
lacrimosa, e o Filho pendente dela.
Dura espada lhe rasgava a alma pura, com dor;
tristeza e gemidos”.
Após a apresentação desse quadro, seguem-se
algumas orações:
“Eia Mãe fonte de amores, fazei que essas
fortes dores eu sinta e convosco chore.
Fazei que a alma se me inflame, para que a
Cristo Deus só ame e só busque o seu agrado.
Santa Mãe, isso vos peço, fique o peito bem
impresso das chagas do Crucificado.
Fazei-me, enquanto viver, com meu Jesus
condoer, convosco chorar deveras”.
A cena aqui descrita, de Nosso Senhor
pendente da Cruz e Nossa Senhora em pé (pois este é o significado de stare, em
latim), chorando, é a mais patética de toda a história do mundo.
Nunca houve situação mais trágica do que
essa, nem nada que se lhe compare. Diante desse quadro que deveria comover
todos os homens, adquire especial relevo aquelas várias preces.
Caráter sagrado das relações mãe-filho
Para compreendermos o inteiro alcance desse
cântico, convém consideramos a relação Filho-Mãe.
No alto do Calvário se encontra Nosso Senhor,
na força de sua idade, pregado na Cruz, exposto a um tormento indizivelmente
agudo, com o Corpo todo chagado devido aos maus tratos anteriores, a coroa de
espinhos ferindo-Lhe a cabeça, prestes a exalar sua alma. Passou por todas as
dores e se acha no fim da agonia. D’Ele se poderia dizer, metaforicamente, como
o fez a Sagrada Escritura: “Já não era um homem, mas um verme” (Sl 21, 7), e
reputado “como um leproso” (Is 53, 4),
de tal maneira estava desfigurado,, chagado e lanhado.
Conforme predissera o Profeta Isaías, do alto
da cabeça até a planta dos pés não havia em Jesus parte sã. Ora, a pessoa nessa
situação pungente, própria a despertar a compaixão de todo o mundo, é ao mesmo
tempo o Homem-Deus. Sendo o Inocente, e sofrendo o martírio mais injusto,
humilhado pela ralé mais infame, tudo quanto contra Ele se executava assumia
uma gravidade verdadeira infinita. Cometia-se, portanto, um pecado imenso, algo
que deveria levantar de indignação até as pedras.
Pois bem, ao pé da Cruz estava a Mãe do
Supliciado.
Nada se respeita tanto no mundo quanto uma
mãe que chora junto a seu filho morto. Isso faz cessar todas as hostilidades,
ápodos, qualquer espírito de vingança, toca e inclina as almas para a
misericórdia. É a fraqueza feminina no que tem de mais sublime, a condição de
mãe posta diante do que há de mais doloroso: o falecimento de seu próprio
filho.
Tais sentimentos se verificam inclusive em se
tratando do pior dos criminosos, digno da maior compaixão, justamente condenado
à morte. Quando, nas vésperas de sua execução, anuncia-se a visita da mãe dele,
tudo se suspende. A irritação despertada contra o sentenciado como que recebe
um parênteses, todos acolhem sua progenitora com respeito e a conduzem junto ao
filho que ela deseja consolar. E esse réu, objeto da reprovação geral, enquanto está com sua
mãe adquire – pela sua condição de filho – uma respeitabilidade a qual
pareceria impossível em semelhante facínora. Ninguém o a tormenta nem o
incomoda. Suspende-se o curso da justiça, até que o contato com sua mãe tenha
cessado.
Tudo isso porque a relação mãe-filho é
sagrada, envolve reservas de ternura inimagináveis. Em razão do que ela tem de
sacrossanto em si, aplaca as cóleras e impõe toda forma de respeito.
Misérias da sensibilidade humana
Ora, no Calvário está a mais perfeita de
todas as mães, chorando a ofensa feita a Deus com uma profundidade de sentido
que não podemos sequer imaginar. Em face dessa cena compungente ao extremo, era
de se presumir que a piedade humana naturalmente se enternecesse.
Se presenciássemos a crueldade de alguém que
mata sua cachorra, abandonando à própria sorte os filhotes dela sem terem quem
lhes procure alimento, sentiríamos uma impressão desagradável, teríamos pena.
Pois somos assim, e nos enternecemos – às vezes exageradamente – com a dor
sofrida pelos animais.
Então, se temos Fé e acreditamos que Nosso
Senhor Jesus Cristo é Deus e morreu na Cruz para nos salvar, que Nossa Senhora
existiu e estava ao pé da Cruz, deveríamos ter nossa alma partida de dor e nada
poderia nos falar tanto quanto essa situação. Entretanto, devido à miséria da
sensibilidade humana, dá-se algo de inconcebível: os mesmos que se deixam
comover pelo infortúnio de um bicho, diante da Paixão se tornam “glaciais”, e
dizem: “Já sabemos disso, hããã...” A
Morte de Nosso Senhor é uma das estações da Via Sacra. Dos que a rezem ,
quantos não têm a atenção voltada para outros assuntos? E quantos, mais
numerosos, nem sequer dela participam, alegando ocupações mais importantes?
Essa indiferença humana é tão marchante que,
depois de apresentar esse quadro, muito judiciosamente o Stabat Mater
acrescenta quatro orações nas quais pedimos a Deus algo que deveria borbulhar
do fundo das almas: o sentimento de arrependimento, compunção, gratidão; o
desejo de aproveitar para si os frutos dessa Redenção, daquelas lágrimas,
daquele Sangue, para progredirmos na prática do bem.
Por que existe tal indiferença? Porque esse
tema é bonito, elevado, santo, grandioso demais. E pela sua natureza decaída
com o pecado original, o homem se tornou tão ruim que, em presença de algo
muito sublime, santo e elevado, fica completamente insensível. Há todos os
motivos para chorar e se compungir, mas não chora nem sente compunção.
Pedir a graça da verdadeira compunção
Cumpre termos presente que o autêntico
movimento de piedade provém de um ato de Fé e amor a Deus, frutos da vida
sobrenatural recebida por nós através da graça. Não a podemos adquirir por
simples méritos de nossa natureza.
Assim, temos de pedir e desejar ardentemente
essa graça insigne: que a Paixão de Nosso Senhor não seja para nós uma coisa
morta, poeirenta e distante, ocorrida há séculos, e sim algo de vivo que nos
diz respeito diretamente, e nos toque no fundo da alma como sucedeu a todos os
santos.
Esse “tocar no fundo da alma” não significa
apenas um mero sentimento de tristeza, mas também de solidariedade para
compreendermos a inteira relação do holocausto de Jesus conosco, movendo-nos a
um ato de genuíno amor a Deus e de correspondência ás graças.
Nosso Senhor e a Santíssima Virgem sofreram
todas essas dores na intenção de salvar os homens, e mesmo que fosse para
resgatar só a mim, as teriam padecido. Eles me conheciam pessoalmente no
momento desse sacrifício, pensaram em mim e o aceitaram para me redimir. Assim,
hei de corresponder a tanta misericórdia, deixarei de pecador e progredirei na
virtude. Quero salvar almas e implantar o Reino de Maria na Terra, como a plena
retribuição àquilo que na Paixão foi realizado.
É, portanto, esse movimento de alma,
sensibilizada pela Paixão, que devemos pedir nas orações.
A esse propósito, tomo a liberdade de evocar
um exemplo pessoal. No meu tempo de menino, quando me preparava para me
confessar e fazer a Primeira Comunhão, minha governanta alemã, Fraülein
Mathilde, dizia-me: “Faça seu exame de consciência”.
Eu o fazia e escrevia as faltas num papel,
pois era muito distraído e receava me esquecer. Chegando na igreja, a
governanta me mandava ajoelhar e rezar o ato de contrição. Em seguida me
perguntava:
- Você se arrependeu?
- Não...
- Então reze a Via Sacra!
Terminada a oração, a mesma pergunta:
- Você se arrependeu?
Eu perdia a face diante de tanta maldade que
era a minha ausência de arrependimento, mas não queria fazer uma confissão
sacrílega, e respondia: “Não”. Ela decretava: “Faça novamente a Via Sacra!”
Afinal, para conseguir me livrar de tanta Via
Sacra, excogitava qualquer emoção ligeiramente “arrependitiva” e a governanta
declarava: ‘Vai logo para o confessionário, senão essa contrição desaparece”.
E eu, compenetrado de minha tremenda vilania
– pois era um homem que não se arrependia de nada, tendo de se confessar
rapidamente antes que se esvaísse aquele
mínimo sentimento de culpa -, pensava: “É verdade, deixa eu pegar minha
‘contriçãozinha’ no pulo; do contrário, não
sei o que será de mim”.
Claro está, essa governanta possuía uma idéia
errada do que era o sentimento de contrição. Na realidade, não se trata de
simples choramingar nem de uma dor sensível, mas é tomar profundamente a sério
os dados fornecidos pela Fé, cogitando, por exemplo, no seguinte: até a última
gota do Sangue de Nosso Senhor teve de ser derramada, quando a lança perfurou o
próprio símbolo do amor, que é o Sagrado Coração. Ele sofreu tudo por mim!
Então, a que conclusões devo chegar?
Essa seriedade da alma é a compunção. Muitos
santos a tiveram acompanhada de pranto, que é um grande dom: o das lágrimas.
Mas este, embora muito conveniente não é necessário para o autêntico
arrependimento.
Portanto, em virtude dos méritos de Nosso
Senhor Jesus Cristo, devemos pedir a graça da verdadeira compunção. E nesse
intuito – sem procurar um “calorífero emocional” – será mesmo louvável que
recitemos piedosamente uma Via Sacra.
Tesouros de lógica e virtude
Compreendemos, então, como o Stabat Mater é
bem constituído.
Ele coloca diante de nós o mais comovente dos
quadros, e nos leva a fazer pedidos de que esta situação trágica de fato nos
comova, reconhecendo a fundo a maldade e a dureza humanas, insensíveis a tanta
dor.
“Eia Mãe fonte de amores, fazei que essas
fortes dores eu sinta e convosco chore”.
Quer dizer, que eu me solidariza convosco.
Concedei à minha alma uma participação na vossa dor.
“Fazei que a alma se me inflame, para que a
Cristo Deus só ame e só busque o seu agrado.”
Depois da solidariedade, implora-se algo mais
alto: uma união tal que eu só ame a Ele, Cisto Jesus.
“Santa Mãe, isso vos peço, fique o peito bem
impresso das chagas do Crucificado”.
Note-se como está bem graduado e pensado:
solidariedade, amor exclusivo, participação no sofrimento d’Ele aqui na Terra.
Quero ter impressas em mim a chagas de Jesus.
E por fim:
“Fazei-me, enquanto viver, com meu Jesus
condoer, convosco chorar deveras”.
Pede-se a graça da perseverança, para que
durante minha existência inteira essa disposição de alma permaneça viva. Amém.
Percebe-se, dessa forma, a maravilha de Fé,
lógica, coerência e humildade contida nessa oração. E esta outra
característica, não menos bela: posto diante de Cristo crucificado, o fiel não
se dirige diretamente ao Redentor, mas a Nossa Senhora, sabendo ser Esta o
caminho mais certo e seguro de chegar a Ele. Então, aceitando a mediação
universal de Maria, roga-Lhe sua intercessão para que suas preces sejam ouvidas
pelo Senhor Jesus.
Na verdade, o Stabat Mater é uma poesia tão
singela, tão simples, que requer profunda analise para se compreender e admirar
os tesouros de teologia e virtudes nela encerrados.
(Transcrito da revista “Dr. Plínio”, nº 84, março de 2005)
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