COMENTÁRIOS DE DR. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA A UM TEXTO DE SÃO LUÍS
MARIA GRIGNION DE MONTFORT, ONDE É TRATADO DA AMPLITUDE DO AUXÍLIO DE NOSSA
SENHORA AOS QUE SABEM INVOCÁ-LA
Vamos ler um comentário de São
Luís Grignion que se encontra na “Carta Circular aos Associados da Companhia de
Maria”, extraído diretamente de suas obras completas.
Aqui os senhores podem ver a
amplitude do auxílio de Nossa Senhora para aqueles que sabem de fato
implorá-La:
Eu sou a vossa proteção e a vossa defesa...
É uma introdução, pequena,
comentada.
... ó pequena companhia...
“Companhia” os senhores sabem o
que quer dizer na linguagem de São Luís Maria Grignion de Monfort, ou seja
batalhão.
"... disse o Padre eterno. Eu vos tenho gravado em meu Coração , em minhas
mãos, para vos amar e vos defender, porque vós pusestes vossa confiança em Mim,
e não nos homens, na Providência e não no ouro".
Quer dizer, o pensamento muito
bonito aqui é o seguinte: aqueles que se dão inteiramente a Deus Nosso Senhor,
os que se dão a Deus por meio de Maria, eles têm o nome d’Eles gravado no
Coração e nas mãos do próprio Deus.
“No Coração” é um símbolo, quer
dizer, o nome gravado no Amor do próprio Deus. “Nas mãos”, que dizer, na
operosidade da Providência. A Providência que atua e encaminha os
acontecimentos.
O
índio na menina dos olhos da imagem de Nossa Senhora de Guadalupe: exemplo da
amplitude da proteção d’Ela
Nós temos uma ilustração muito
bonita disso no quadro representando Nossa Senhora de Guadalupe.
Como os senhores sabem,
recentemente, fotografias tiradas do quadro, verificou-se que na menina dos
olhos da imagem, estava o índio para quem Ela apareceu. Quer dizer, está na
própria menina do olhos. É um modo de Nossa Senhora exprimir a mesma coisa. É um
carinho singular que Ela tem para com aqueles que A servem, e que podem ser
fustigados por essas ou aquelas tempestades: são sempre levados a bom termo
pela Providência Divina.
Eu vos libertarei de ciladas que vos fazem, das calúnias
que são levantadas contra vós.
Os senhores vêem como, portanto, é
próprio aos verdadeiros filhos de Nossa Senhora, em todos os tempos, sofrer
ciladas e calúnias.
Eu vos livrarei dos terrores da noite, e das trevas que
vos metem medo.
O que são os terrores da noite?
Não são só os fantasmas, os medos que as pessoas podem ter durante a noite, mas
são os terrores que aparecem aos homens nas situações obscuras e tenebrosas da
vida. Nas quadras difíceis da existência, em que o homem não sabe como agir,
ele se vê como que numa noite cheia de terrores. E então, Deus diz, e Nossa
Senhora que é a Medianeira de Deus, diz também que "nos livrará dos
terrores da noite". Quer dizer, nos auxiliará nas trevas de que possamos
estar circundados.
Nossa
Senhora nos livrará dos assaltos do “demônio do meio-dia”, que é o demônio da
idade madura
Eu vos livrarei dos assaltos do demônio do meio-dia que
vos quer seduzir.
Ao que parece esse “demônio do
meio-dia”, é o demônio da idade madura. É o demônio a que estão sujeitos os
homens quando eles chegam à idade em que eles se perguntam: "O que é que
eu fiz na vida? Que carreira eu segui? Que grau eu ocupei? A que cargo eu
cheguei? Que dinheiro eu economizei? Que prestígio eu granjeei?"
E vendo que não granjearam o que
queriam, embora às vezes tenham granjeado muito, eles então resolvem vender-se.
Esta forma de tentação é chamado o
“demônio do meio-dia”. Porque o homem está no meio-dia de sua vida, está no
pináculo de sua vida, naquela hora em que vai caminhando para o seu declínio,
que a tarde começa e que ele então faz um retrospecto do que foi toda a sua
manhã, para perguntar o que fez, o que colheu.
Preocupação que não se põe de modo
tão aflitivo - é certo - aos vinte anos, como aos trinta; nem tão aflitiva aos
trinta quanto aos quarenta. E que parece que chega ao seu zênite entre os
quarenta e os sessenta. É a era em que o homem procura consolidar-se, em que o
homem se torna venal. Provavelmente Judas Iscariotis encontrou-se com o
“demônio do meio-dia” quando resolveu vender a Nosso Senhor.
Nossa
Senhora cobrirá com seu afeto aqueles que forem perseguidos pela ação do
demônio e seus sequazes por amor ao nome d'Ela
Eu vos esconderei sob as minhas próprias asas.
Esta é aquela palavra linda, de
Nosso Senhor a respeito de Jerusalém. Quando Ele diz: "Jerusalém,
Jerusalém, se tu tivesse conhecido Aquele que poderia te dar a paz. Quantas
vezes Eu quis reunir-te sob as minhas asas como a galinha faz com os
pintainhos. Mas tu não conhecestes a paz, etc."
Assim também, diz aqui: "Eu
te reunirei debaixo das minhas asas. Eu te cobrirei com o meu afeto", diz
Nossa Senhora àqueles que forem perseguidos pela ação do demônio e dos sequazes
do demônio por amor ao nome d’Ela.
Adiante explicarei aos senhores a
importância que tem o ser perseguido por amor ao nome d’Ela.
Eu vos carregarei nos meus próprios ombros.
É uma referência à parábola do Bom
Pastor, que toma a ovelha doente, e a carrega nos próprios ombros com todo o
afeto.
Eu vos nutrirei no meu próprio seio.
Quer dizer, a Providência fará
conosco o que a mãe faz com o seu filhinho, o que Nossa Senhora fez com o
Menino Jesus, assim Ela nos trata a nós perseguidos por amor a Ela.
Eu vos armarei com a minha verdade e tão poderosamente,
que vós vereis os vossos inimigos cair aos milhares ao vosso lado. Mil maus
pobres à vossa esquerda, dez mil maus ricos à vossa direita, sem que a minha
vingança sequer se aproxime de vós.
O
justo perseguido por amor a Nossa Senhora verá caírem, de um lado e do outro,
os inimigos d’Ela
A metáfora é linda. É o justo
perseguido por amor a Nossa Senhora, que caminha. Ele verá caírem de um lado e
do outro os inimigos d'Ela, e a vingança de Deus a ele não atingirá. À esquerda
d’Ele, cairão mil maus pobres; à direita d’Ele cairão dez mil maus ricos. Mas
ele nem de longe será atingido.
Por que esses mil maus pobres e
esses dez mil maus ricos? Em primeiro lugar, é preciso que os senhores notem
quantos inimigos tem o justo. Ele olha para a esquerda, ele tem mil homens, e
isso numa época em que a população do Globo era muito menor, hein!
Porque são todas frases bíblicas.
Mil homens era um exército, dez mil era uma coisa que metia medo.
Do outro lado, ele tem dez mil
maus ricos. Quer dizer, está assediado de maus por todos os lados. Cercaram-no
para liquidá-lo. Mas põe a sua confiança em Nossa Senhora , e
nada lhe sucede.
Por que de um lado os pobres são
mil, e os maus ricos são dez mil? Ele mostra aí que o bem não é ser pobre, nem
ser rico. O mau não é ser pobre, nem ser rico. O importante é ser bom ou ser
ruim. Ele tem de um lado ricos, de outro lado pobres; uns e outros são ruins.
Mas como o rico é mais poderoso do que o pobre, corresponde a uma manifestação
maior do poder de Deus liquidar um número maior de ricos.
Vós caminhareis com coragem sobre a áspide e o basilisco,
invejoso e caluniador.
Áspide é uma forma de cobra. E
basilisco é um animal mitológico. Então, são a áspide – deve ser a invejosa – e
o basilisco – deve ser o caluniador. Quer dizer, "vós caminhareis sobre os
invejosos e os caluniadores. E nada vos acontecerá".
São animais bravios. Caminhar
sobre cobras não é nada prudente, é perigoso; caminhar sobre basilisco, animal
mitológico, deve ser uma coisa horrorosa. Mas nada acontecerá. Serão todos
calcados aos pés.
A
vida da Igreja não teria nenhuma beleza, nem nenhum mérito, se muitas vezes os
bons não tivessem sofrido
Vós calcareis aos pés o leão e o dragão ímpio, arrogante e
orgulhoso. Eu vos ouvireis nas vossas orações, Eu vos acompanharei nos vossos
sofrimentos. Eu vos livrareis de todos os males, e Eu vos glorificarei com toda
a minha glória.
Os senhores vejam que beleza. Quer
dizer, nesta batalha - notem bem – o justo sofre, não é que ele não sofre. Diz
aqui:
Eu vos acompanharei nos vossos sofrimentos.
O justo pode sofrer, e quantas
vezes tem sofrido! Mas a vida da Igreja não teria nenhuma beleza, nem nenhum
mérito, se muitas vezes os bons não tivessem sofrido. Depois diz:
Eu vos livrareis de vossos males.
Portanto tereis os males. Os bons
vão ter males, mas serão libertos dos males que tiverem; deverão passar por
fases cruciais, enfrentar coisas terríveis, mas devem ser libertos. A
Providência intervirá a favor d’Eles. E a promessa linda:
Eu vos glorificarei com toda a minha glória, que eu vos
mostrarei no meu reino descoberto, depois que Eu vos tenha enchido de dias e de
bênçãos nesta Terra.
Isso é uma majestade de Deus
providíssima.
Naturalmente, Ele não diz aí o
seguinte: que todo o mundo que é bom, vive muito tempo. Mas Ele diz uma outra
coisa: que aqueles que segundo o desígnio d'Ele devem viver muito tempo, Ele
não permitirá aos maus que matem. Ele só permitirá que eles cumpram os seus
dias na Terra. Os maus só matarão aquele que estiver nos desígnios de Deus, de
permitir que morram numa determinada ocasião, como uma doença poderia matar, um
desastre, ou qualquer outra coisa que pudesse matar.
Bem, eles, nesta Terra, serão
acumulados de dias e de bênçãos. E depois no Céu, eles serão glorificados com
toda a glória de Deus.
Os senhores vêem que prêmio
magnífico. Para quem? Isto não é para qualquer perseguido, mas para quem é
perseguido por amor a Deus! Quer dizer, nós precisamos notar bem o que é ser um
perseguido por amor a Deus. É perseguido por amor a Deus aquele que é odiado
pelas qualidades que tem, e que tem essas qualidades para servir a Deus. São
duas coisas que é preciso considerar.
Quer dizer, vamos tomar um pai de
família solícito, entretanto ateu… o que pode acontecer. Vem um bandido
qualquer e implica com sua solicitude e o assassina. Comete, portanto, um
homicídio, um crime abominável.
Mas esse homem não tem a glória de
quem é perseguido por amor a Deus. É perseguido pelo amor a Deus aquele homem
que tinha esta virtude por amor a Deus. E quem o mata, ou persegue, ou calunia,
ou qualquer coisa, sabendo que ele estava praticando a virtude, por causa da
virtude que ele pratica e sabendo que ele pratica aquela virtude por amor a
Deus. Esta é a condição para a gente ser perseguido por amor a Deus.
Qual é o mérito especial que se
tem de ser perseguido por amor a Deus?
Ser perseguido por amor a Deus é
uma das bem-aventuranças que estão no Evangelho. É uma bem-aventurança pelo
seguinte: aquele que é perseguido por amor a Deus, recebe de Deus uma espécie
de delegação, uma espécie de representação ou de mandato. Ele é um procurador
de Deus diante dos homens. E sendo odiado por amor a Deus, é Deus que odeiam nele.
E sendo ele odiado por amor a Deus, Deus contrai uma espécie de união com ele.
Contrai uma espécie de ligação com ele que é uma prova de que Deus o amava, e é
uma prova de que Deus o quer amar ainda mais. Deus o chama para junto de Si, e
o quer cumular de provas de Seu afeto e de Seu carinho, precisamente nessas
circunstâncias. Porque fizeram-no sofrer por amor a Ele.
Dou aos senhores outro exemplo
terreno e os senhores podem compreender bem.
Os senhores imaginem um rei que é
duramente insultado por um cavaleiro de um reino vizinho. O rei dirá: "Eu
lutar com um simples cavaleiro de um reino, não é uma coisa que tenha
propósito, eu sou rei. Eu luto com outro rei, não luto contra um cavaleiro, com
um simples cavaleiro; mas, de outro lado, a minha honra não pode deixar de ser
desagravada desse ultraje. Então eu nomeio alguém para lutar contra
aquele". Esse alguém vai lá e luta. Não foi uma prova de afeto do rei ter
nomeado esse sujeito para a luta? Por que? Porque o rei quis sentir-se
representado por aquele, quis incumbir aquele da função digna, gloriosa, de
defender a honra real.
Sempre que alguém ataca aos bons
por suas qualidades, ainda que se tenha defeitos, é a Deus que ele está
atacando.
Nosso Senhor disse isso
expressamente: "Aquilo que fizerem ao menor dentre de vós, a Mim mesmo o
tereis feito".
O que vale para esmola como vale
para ultraje. E se Ele quis, portanto, permitiu que nós, no cumprimento do
dever, fôssemos atacados por ódio a Ele, somos como aquele cavaleiro que Ele
constitui como representante d’Ele. Agüentando aquela perseguição, agüentando a
calúnia, agüentando a injúria, nós agüentamos em nome d’Ele e somos representantes
d’Ele, somos como Anjos representando Deus na Terra. Quer dizer, é uma missão
lindíssima e que nos reveste de toda a glória. Deus se faz assim representar
freqüentemente na Terra.
Notem que Nosso Senhor disse que
no juízo final Ele vai julgar os homens assim: "Eu estive nu, e vós não Me
vestistes; Eu estive encarcerado e vós não Me visitastes; Eu tinha fome e vós
não Me destes de comer; Eu tinha sede e vós não Me destes de beber. Ide agora
malditos!"
Quer dizer, Ele estava na pessoa
de todos os aflitos e de todos os necessitados, e aos que não socorreram os
aflitos e os necessitados [dirá]: "Ide agora malditos para o fogo do
eterno!"
Quer dizer, Ele mesmo Se fez
representar nessas circunstâncias. Quanto mais os que sofrem de aflição por
causa d’Ele, de necessidade por causa d’Ele.
Se é verdade que Christianusalter
Christi, o cristão crucificado é um outro Cristo Crucificado. E São Paulo
Apóstolo dizia que ele não sabia pregar a não ser Jesus Cristo e Jesus Cristo
Crucificado.
De maneira que nós devemos pedir a
Nossa Senhora que Ela nos torne dignos de, por nossa oração, por nossa firmeza,
enfrentar essa fúria. Que Ela afaste de nós a provação e a perseguição, mas que
se estiver no desígnio d’Ela que nós enfrentemos isso durante algum tempo, que
Ela nos dê a confiança imperturbável de que de quaisquer cinzas, renascerá a
TFP para a glória d’Ela.
("Conferência"
de 21 de outubro de 1971)
**********************************************************************
TEXTO DE SÃO LUÍS GRIGNION DE MONTFORT
(Traduzido de“San
Luís Maria Grignion de Montfort – OBRAS” – BAC – Págs. 547/551)
“Aos
associados da Companhia de Maria
[1]Não temas, pequeno rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o
reino.[1]Não temais, mesmo
que, naturalmente, tenhais todos os motivos para temer. Vós não sois mais que
um débil rebanho, tão pequeno que até um menino o pode contar.[2]De
outro lado, as nações, os mundanos, os avarentos, os voluptuosos, os
libertinos, se juntam aos milhares para fazer-lhes guerra com suas burlas, suas
calúnias, seus desprezos e violências: Se levantam os reis da terra e seus
chefes conspiram.[3]
[2] Vós sois pequenos; eles, grandes. Vós, pobres;
eles, ricos. Vós, sem crédito; eles contam com o apoio de todos. Vós, débeis;
eles têm o poder em sua mão.
Mas, uma vez mais,
não temais; sim, não temais voluntariamente. Escutai a Jesus Cristo, que
vos diz: Sou eu; não temais.[4]Eu
os escolhi a vós.[5]
Eu sou vosso bom pastor. Eu os reconheço como minhas ovelhas.[6]Não
vos admireis que o mundo vos tenha ódio.[7]
Sabei que primeiro ele odiou a Mim.[8]Se
fósseis do mundo, o mundo vos amaria como coisa sua; mas porque não sois do
mundo[9],
tereis que padecer seu ódio, suas calúnias, suas injúrias, seus desprezos,
seus ultrajes.
[3] Eu sou vosso protetor[10],e vossa defesa,
pequena companhia, vos disse o Pai eterno; os tenho gravados em meu coração e
escritos em minhas mãos[11]
para amá-los e defendê-los, porque haveis colocado vossa confiança em mim e não
nos homens, em minha Providência e não no ouro.
Eu os livrarei das
ciladas que vos armam, das calúnias que vos levantam, dos terrores da noite e
das trevas que vos aterram; dos assaltos do demônio do meio-dia, que busca
seduzi-los; eu vos esconderei sob minha asas; eu vos carregarei sobre meus
ombros; eu vos alimentarei em meus peitos; eu vos armarei com minha verdade, e
duma forma tão poderosa que vereis com
vossos próprios olhos cair os vossos inimigos aos milhares ao vosso redor: mil
maus pobres à vossa esquerda e dez ricos maus à vossa direita, sem que de vós
sequer se aproxime minha vingança.
Caminhareis
valorosos sobre a áspide e o basilisco invejoso e caluniador; pisoteareis o
leão e o dragão ímpio, soberbo e orgulhoso; eu vos acompanharei em vossos
sofrimentos; eu vos escutarei em vossas orações; eu vos libertarei de todos os
vossos males; eu vos glorificarei com a plenitude de minha glória, que vos
manifestarei abertamente depois de vos haver cumulado de dias e bênçãos sobre a
terra.[12]
[4] Estas são, querida e pequena Companhia de
Maria, as promessas admiráveis que Deus vos faz pela boca do profeta, contanto
que por Maria ponhais toda vossa confiança n’Ele.
Abandonados como
estais todos à sua Providência, a Deus toca sustentá-los, multiplicá-los e
dizer: Sede fecundos e multiplicai-vos e enchei a terra;[13]não
temais, pois, vosso pequeno número. A Deus toca defendê-los; não temais, pois,
a vossos inimigos. A Deus toca vesti-los, alimentá-los e mantê-los: não temais,
pois, que vos falte o necessário nestes críticos tempos, que o são somente por
falta de confiança em Deus.[14]
A Deus toca glorificá-los[15]:
não temais, pois, que ninguém os tire vossa glória. Numa palavra: não temais a
nada e descansai seguros sobre o seio paternal de Deus.
[5] Mas pouco é não temer nada. Deus quer que
espereis d’Ele grandes coisas e que esta esperança os cumule de alegria.
Este riquíssimo e
bondosíssimo Pai quer dar-lhes o reino de sua graça.[16]
Sois reis e sacerdotes de Deus: vos fizeste para nosso Deus reino e
sacerdotes[17],
por vosso caráter de cristãos e de sacerdotes. Mas sois reis, ademais, por
vossa pobreza voluntária: bem-aventurados os que têm espírito de pobre,
porque d’Eles é o reino dos céus[18].
O Senhor não vos disse somente que obtereis o reino dos céus, senão que,
tendo espírito de pobre, já o possuís. Como?
[6] 1º Porque assim como no céu não há necessidade
de nada do que existe sobre a terra, senão que se transborda de bens
espirituais e eternos e se possui plenamente a Deus, do mesmo modo os pobres
voluntários como vós não necessitam de nada sobre a terra, porque não querem
nem desejam nada – pelo contrário não teriam espírito de pobre -, porque, como
disse o sábio, como são o espírito e o coração do pobre, assim são suas
riquezas.[19]
Se seu coração está contente é rico e não lhe falta nada.
[7] 2 ºOs que têmespírito de pobre são ricos na fé
e nas demais virtudes: “É sobejamente rico o que tem espírito de pobre com
Jesus Cristo”, disse São Jerônimo.[20]
É rico em consolos
divinos: Preparaste, ó Deus!, vossos bens aos necessitados.[21]
Ao não ser ferido pelas espinhas dos ricos nem o desejo das riquezas e ao
privar-se como um rei do céu das doçuras terrestres e carnais, transborda de
consolos divinos: Oferece manjar de reis.[22]
Mais ainda, já é
rico com a glória do céu, mesmo que seus corpo todavia lá não esteja. Ouro é
o que vale ouro.[23]
Do mesmo modo, o que vale o céu podemos dizer que é o céu. Que vale ter
espírito de pobre? – O reino dos céus, a glória dos céus.
[8] 3º O
que tem verdadeiro espírito de pobre possui o mesmo Deus em seu coração. “Há,
acaso, algo mais glorioso para o homem que vender seus bens e comprar a
Cristo?” pergunta Santo Agostinho.[24] Oh, ditosa venda! Oh ditosa compra! Não
conhece o homem seu valor? [25]
Sabei, queridos irmãos, que nenhum homem conhece o preço de vossa pobreza
evangélica: “Rica é realmente a pobreza cristã, pois mais é o que tem que o
que não possui; nem teme sofrer a miséria neste mundo aquele a quem foi dado
possuí-lo todo ao possuir ao Dono de tudo quanto existe”[26]
[9] Para acrescentar o tesouro de vossa pobreza e
o grande reino que haveis conquistado, observai estas três práticas:
1ª Apreciai e amai
ternamente a pobreza real e afetiva que haveis abraçado; ninguém se faz rico
com mais facilidade nem sabe empregar melhor as riquezas, disse um sábio bispo,
que o que tem verdadeiro espírito de pobre, pois sabe que as riquezas não
servem senão para fazer pobres e miseráveis a quem, possuindo-as, as amam, e
que fazem verdadeiramente ricos e felizes àqueles que se desfazem delas com
santo e glorioso menosprezo: “As riquezas convertem em pobres e miseráveis
ao que as ama; em ditoso e rico ao que por Cristo as despreza”.[27]
Não volteis, pois,
a mirar o patrimônio ou o benefício que haveis deixado: O que deita mão ao
arado e segue olhando para trás, não é apto
para o reino de Deus.[28].Nem
olheis para os lados, com inveja, tantos bens, eclesiásticos ou não, que
poderíeis certamente possuir como tantos outros, cuja vista desperta as
paixões dos insensatos.[29]
[10] 2ª Experimentai voluntariamente as conseqüências
da pobreza. A saber: 1º, o trabalho, não comendo o pão senão com o suor da
fronte, na pregação e no confessionário; 2º, as humilhações e
desprezos de que são objeto, ordinariamente, os eclesiásticos pobres; 3º, as demais incomodidades que
acompanham a pobreza, nos vestidos, na comida, na habitação, nas fadigas e nas
viagens.
[11] 3ªAspirai sem cessar
os bens eternos e batei à porta da misericórdia de Jesus Cristo, que reconhece
e ouve certamente a todos os que andam vestidos com a libré de sua pobreza. O
que tem verdadeiro espírito de pobre olha o mundo como um deserto horrível e aparta
d’Ele o seu coração, não se enreda em seus negócios: Nenhum soldado da ativa
se envolve em assuntos civis.[30]Não
sustenta a seus parentes e amigos do mundo...[31]
[12] Assim, pois, como um viajante que tem pressa de chegar a uma cidade
importante, à qual dirige rapidamente seus passos concentrado somente neste
pensamento, cruza indiferente, sem deter-se a contemplar a beleza das regiões
que atravessa, da mesma maneira o missionário, desprendido como um São
Francisco, caminha com toda pressa para a celestial Jerusalém. Enamorado
unicamente dos encantos desta imortal cidade de paz e de glória, só tem olhos
para contemplá-la; não encontrará pena
ao que lhe custa para chegar a ela nem prazer ao que lhe possa apartar dela. Como
outro São Paulo, não considera as coisas visíveis, senão as invisíveis, porque,
se disse de si mesmo, as coisas visíveis são passageiras e perecedoras, a morte
as arrebata quando se crê poder gozar delas, freqüentemente se perdem com
amargura ainda antes da morte; enquanto que os bens invisíveis – esses bens
inefáveis que só podem saborear-se na posse de Deus – são eternos.
Assim, finalmente, o missionário, sustentado
e animado por esta nobre esperança que repousa no fundo de seu coração e
perseverando em sua santa e sublime vocação, terá a dita de poder repetir
confiadamente, na hora da morte, as belas e consoladoras palavras do mais
zeloso de todos os missionários de Cristo: Combati o bom combate, terminei
minha carreira, guardei a fé. De resto me está reservada a coroa da justiça que
me dará o Senhor, justo juiz...[32]
[1]Lc 12,32
[2] Is 10, 19
[3]Salmos 2,2
[4]Lc 24, 36
[5] Jo 15, 16
[6]Jo
10, 14
[7] I
Jo 3, 13
[8]Jo
15, 18
[9]Jo
15, 19
[10]Gên
15, 1
[11] Is 49, 16
[12] Salmo 90
[13]Gên 1,28
[14] Mt 6, 26-34
[15] Salmo 91 (90), 15.
[16]Lc
12, 32
[17]Apoc.
5, 10
[18]Mt
5, 3
[19]Eclo
38, 20
[20]
San Jeronimo “Ad HeliodorumMonachumep. 14: PI. 22,348
[21]
Salmo 67, 11
[22]Gên
49, 20
[23] Aurum est quod aurum valet.
[24] San Agustin, Serm. ult. De
diversis; PI, 39.
[25] Job 28, 13
[26] San Agustin Serm. 78: PI,
38,492; Serm. 85: PI, 38,521.
[27]
Beato HUMBERTO DE ROMANS,OP (séc. XIII), Epístola de
tribusvotissubstantialibusreliionis.
[28]Lc
9, 62
[29]
Sab. 15, 5
[30]
2Tim 2, 4
[31] O
manuscrito original, em seu estado atual, termina com esta frase incompleta. A
última parte desapareceu. Um velho caderno (1837) do arquivo geral da Companhia
de Maria apresenta como final as linhas que reportamos como a de n. 12, sua
atribuição a São Luís Grignion é duvidosa, pelo que se transcreve em caracteres
diferentes.
[32]
2Tim 4, 7-8
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