segunda-feira, 28 de agosto de 2017

SANTO AGOSTINHO E A CIDADE DE DEUS




SANTO AGOSTINHO E A “CIDADE DE DEUS”

Santo Agostinho (13-11-354 – 28-8-430), Bispo, confessor e Doutor da Igreja, autor da “Cidade de Deus”, em que faz da luta entre os filhos da luz e os filhos das trevas, o eixo da História. Nessa obra apresenta os fundamentos da noção de Cristandade e de Civilização Cristã.
É festa também de Santo Alexandre, Bispo e confessor. Sua oração fez com que Ario, fulminado pelo divino julgamento, tivesse morte horrível.
Há um livro que recomendo a todo mundo com maturidade e desde que saiba ler sem orgulho: são as “Confissões” de Santo Agostinho. É uma verdadeira maravilha! É, antes de tudo, uma maravilha de edificação: a psicologia de sua conversão, quando narra como esta se deu, todos os seus pecados, todos os erros, todos os abismos em que caiu; seu orgulho que se quebrou depois que considerou tudo quanto de péssimo era capaz de fazer; o contato com Santo Ambrósio, os primeiros princípios, as primeiras luzes da ideia de religião que começam a influenciá-lo graças à presença de Santo Ambrósio, quando Santo Agostinho ainda não era católico... 
Embora sendo um homem famoso, tinha tanto entusiasmo por Santo Ambrósio, bispo de Milão, que ia à casa dele para lhe falar. Mas Santo Ambrósio, que não tinha os métodos de apostolado modernos e que era muito apostólico, com muito zelo pela salvação das almas mas não tinha nenhuma espécie de comichão para ver as pessoas dentro da Igreja, respondia-lhe que estava escrevendo, fazendo coisas mais importantes e que não podia atendê-lo... E Santo Agostinho ficava então – extasiado de admiração –, sentado diante dele vendo-o escrever.
Santo Ambrósio sabia que pelo apostolado de presença estava fazendo mais do que o apostolado de palavra: convertia aqueles a quem escrevia e convertia aqueles a quem se deixava ver.
Como eu gostaria de ver essa cena atrás de um postigo! Santo Ambrósio, grande Doutor da Igreja, escrevendo num “in folio”, fisionomia de venerável ancião, plácido, iluminado pela graça de Deus, sábio, recolhido, sublime em seus julgamentos e, de vez em quando, parando de redigir a fim de rezar uma jaculatória, ponderando um pouco até chegar a uma conclusão... Em frente dele, Santo Agostinho ainda tendo no rosto as convulsões de uma crise pela qual estava passando, mas a graça de Deus que nele ia penetrando, movendo sua personalidade na admiração por Santo Ambrósio... 
A famosa conversão de Santo Agostinho, na qual a música sacra desempenhou tão grande papel! Ele conta, nas “Confissões”, que quando entrava na Igreja e ouvia cantar a música sacra, os salmos etc., sentia uma violência, o fragor de seu arrependimento e do culto de Deus, tendo quase êxtases ouvindo a música sacra... 
A famosa crise, com a cena de sua conversão: ele ouve uma voz que lhe diz: “tolle, lege” (pegue e leia), ordenando-lhe que lesse um livro que era a Sagrada Escritura. Ele lê e sua conversão está determinada!
Seu famoso colóquio com sua mãe, Santa Mônica, que era uma pessoa boníssima, santa e ele era então péssimo filho para com ela. Chegou, certa vez, a esta cena pungente: ele quis ir para Roma (moravam na África), fugiu e embarcou sozinho. Ela sempre rezando e chorando muito pela conversão do filho. Certa ocasião, ela foi visitar um bispo (não me recordo de momento seu nome) e lhe perguntou se achava que seu filho se converteria. Ele lhe respondeu: “Mulher, eu não tenho muito tempo para te falar, mas uma coisa te digo: Deus não poderá resistir a um filho de tantas lágrimas!” Quer dizer, era um novo nascimento através do sofrimento de Santa Mônica, um sofrimento intenso, profundo, que ia gerar seu filho novamente.
Podem imaginar a alegria dela quando, contra toda expectativa, vê seu filho – mais perdido do que nunca – que se converte!
Então, quando ela está para voltar ao seu lugar de origem (Cartago) e se detém junto com Santo Agostinho no porto de Óstia, na Itália. Em companhia de seu filho, coloca-se junto à janela de uma hospedaria onde estavam alojados e começam a conversar a respeito do Céu. A mãe santa e o filho santo têm um êxtase naquele local, o que foi para ele uma luz que lhe deu ânimo para todas as lutas na vida. Para ela, foi o antegozo do Céu, pois morreu pouco depois... 
Em Hipona, entre outros, escreveu seu famoso livro “A Cidade de Deus” em que coloca o fundamento da doutrina de “Revolução e Contra-Revolução”, se assim se pudesse exprimir. A doutrina que ali enuncia é que só há duas forças, só dois princípios vitais, só dois elementos ativos, só dois Estados (a civitas de que fala é o Estado, e não “cidade” como se costuma dizer) no mundo: e são o de Deus e o do demônio, numa perpétua, completa e irreconciliável luta entre si, a Cidade de Deus e a cidade do demônio.
É a concepção que todos os fatos do mundo se reduzem a uma luta entre o bem e o mal, entre a Igreja Católica e o poder das trevas, entre aqueles que dentro da Igreja representam o bom espírito, de um lado. E de outro o poder das trevas. E que a luta entre esses dois princípios opostos resulta de dois amores e que a oposição desses dois amores constitui a fonte do ódio entre eles. A fonte desses amores e dos ódios é, na Cidade de Deus, o amor de Deus até o esquecimento de si mesmo; na cidade do demônio, cada um se ama a si próprio até o aquecimento de Deus. Ou seja, é o confronto entre a procura do absoluto e o egoísmo (cfr. op. cit. XIV, 28).
O só pensar em si, em seus interesses, em seus prazeres, em seus deleites, em suas coisinhas, o ter-se a si mesmo como minúsculo centro do universo, com o egoísmo todo voltado para suas satisfações, isto é o ponto de partida da cidade do demônio, do mal espírito e de tudo o mais.
A Cidade de Deus é não pensar em si, voltar-se inteiramente para as realidades supra-terrenas que a Revelação nos indica, ter o espírito voltado ao metafísico, ter o espírito religioso que se dirige para as mais altas coisas e que prepara as condições da alma para receber o dom inapreciável da fé católica. 
Isto é viver para Deus!
Esses dois princípios estão numa oposição completa e a história do mundo é feita da luta entre eles.
Alguém dirá: “Mas essa concepção é muito intransigente!” São Luiz Grignion de Montfort escreveu que tudo quanto Deus cria é bem criado, porque Deus não faz nada de errado. E Ele só fez uma inimizade, mas que essa inimizade é bem feita, porque Ele faz tudo bem feito. A inimizade que Ele criou é esta: entre os bons e os maus, entre os filhos da luz e os filhos das trevas, entre Nossa Senhora e a Serpente.
Entre São Luiz Grignion, Santo Agostinho e tantos outros Doutores da Igreja, o dogma da Imaculada Conceição, enfim tudo isto tem um “que” de conaturalidade e afinidade que serve de fundo de quadro para a doutrina por nós exposta.
Por isso mesmo, Santo Agostinho é muito atacado hoje em dia e dele se diz que foi maniqueu e que, portanto, teria adotado a concepção de que haveria dois deuses, um bom e um mau...! Eu não preciso refutar uma tolice dessas, mas esse é o princípio com que se ataca Santo Agostinho, Doutor da Igreja.
Portanto, não nos devemos espantar se encontrarmos gente que diga que exageramos a luta entre o princípio do bem e do mal.
Gostaria de atrair a atenção para um outro aspecto muito bonito a respeito de Santo Agostinho. Ele compôs suas obras quando o Império Romano do Ocidente estava caindo, enquanto tudo fazia crer que, com a invasão dos bárbaros, a religião católica ia ser varrida da terra. Ele era bispo em Hipona, no norte de África, e essa zona foi de tal maneira devastada que até agora a religião católica lá não se restabeleceu. Apesar disso, ele escreveu seus livros serenamente, para um futuro que não sabia qual era.
Quando Santo Agostinho morreu, as tropas bárbaras estavam arrombando a cidade. Aliás, os bárbaros prestaram uma homenagem ao corpo dele. Caiu o mundo, veio a Idade Média. As obras dele inspiraram a concepção medieval do Estado, do Império e da Igreja e ele é um Doutor da Idade Média...
Os senhores considerem o que foi preciso de fé em Deus para ele realizar tudo isso... Deus quis que escrevesse trabalhos vultosíssimos – certamente não para os bárbaros que estavam assediando Hipona. Mas eram para quando Deus quisesse, seus livros estavam feitos. 
E quando Deus quis, séculos depois de Santo Agostinho ter morrido, houve a Idade Média, a qual, de algum modo, é um lírio nascido dessa raiz que são suas obras, especialmente a “Cidade de Deus”.
Isto para nós que vivemos numa época em que turbas não mais com as armas utilizadas pelos vândalos, porém com outras muitíssimo mais devastadoras, vão percorrendo o mundo em várias direções, podemos meditar a esse respeito.
Façamos nossa obra com confiança e com fé, porque será útil de todo jeito. Nunca permitamos dar guarida à ideia de que não seja da maior utilidade realizar aquilo que possamos fazer, segundo as leis divinas e humanas, pelo triunfo do Imaculado Coração de Maria, prometido em Fátima.

(Plínio Corrêa de Oliveira, Santo do Dia, 28 de agosto de 1964)




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