quarta-feira, 14 de junho de 2017

MILAGRE EUCARÍSTICO DE DAROCA E A INSTITUIÇÃO DA FESTA DE CORPUS CHRISTI

 

Na cidade de Daroca, localizada no nordeste da Espanha, os habitantes se orgulham de seu passado histórico e de sua importância durante os tempos romanos. É protegida por muros altos em todos os lados e possui mais de cem torres para vigilância e observação. Está a cerca de 75 quilômetros de Zaragoza e foi escolhida pelo Senhor para uma notável manifestação sobrenatural eucarística. É a primeira povoação espanhola, e talvez do mundo, que estabeleceu uma festa pública em honra do Santíssimo Sacramento.
O passado da cidade ainda parece vivo mostrando muros e castelos medievais, torres, praças e ruas conforme o traçado romano daquela época. Nas igrejas e museus podem ser encontradas a inestimável arte romana e dos mouros, observando-se também a predominância do estilo gótico e a influência do Renascimento.
Todavia, embora tenha toda esta riqueza histórica, o maior tesouro de Daroca é a relíquia dos Sagrados Corporais, que data de 1239, quando aconteceu o milagre. Por aquele ano, quando a cidade de Valencia estava sob o reinado do Rei católico Dom Jaime, o rei sarraceno Zaen Moro decidiu tomar a cidade com as tropas que haviam chegado do norte da África. O rei católico vendo as intenções do sarraceno, e sabendo que a força militar espanhola era menor, ordenou oferecer uma Santa Missa ao ar livre, e encorajou os soldados assim como os oficiais, a receberem a Sagrada Eucaristia. O Rei Jaime assegurou aos militares que se eles fossem fortalecidos espiritualmente com o Corpo do Senhor, poderiam lutar sem medo porque receberiam a proteção e a ajuda Divina.
As tropas cristãs de Daroca, Teruel e Calatayud se dispunham a conquistar dos mouros o Castelo de Chio, Luchente, distante três léguas de Jativa. Estávamos a 23 de fevereiro de 1239. O Capelão celebrara, momentos antes, a Santa Missa na qual consagrou seis hóstias destinadas à Comunhão dos seis capitães daquelas tropas: Jiménez Pérez, Fernando Sánchez, Pedro, Raimundo, Guilhermo e Simone Carroz. O sacerdote ficou confuso e aterrorizado com o estrondo de canhões, os tiros, gritos e toda a confusão que se formou, pois os mouros iniciavam um ataque de surpresa. Foi obrigado a interromper a Missa, escondendo as sagradas espécies que já estavam consagradas, envoltas nos corporais, num pedregulho do monte.
Num intervalo da batalha, quando os sarracenos se retiraram para agrupar as suas forças, os soldados católicos se ajoelharam diante do altar para dar graças a Deus por aquela primeira vitória alcançada. Saindo os cristãos parcialmente vitoriosos, os comandantes pediram ao sacerdote que lhes desse a Comunhão em ação de graças ao Senhor pela vitória alcançada. Sem perca de tempo, o padre Mateo tentou encontrar o lugar onde havia escondido as Hóstias e teve grande dificuldade, porque em face da confusão reinante ficou em dúvidas quando ao local. Mas por fim encontrou os Corporais e logo abriu para verificar se estava tudo bem com as Hóstias Consagradas. Ficou perplexo com o que viu! As seis Hóstias tinham desaparecido e ficaram em seu lugar seis manchas de sangue no Corporal. Tinha acontecido uma notável manifestação milagrosa. Apressado, o sacerdote subiu ao altar improvisado e mostrou aos militares o Corporal com as manchas do Sangue do Senhor, para reverência e veneração de todos.
Os comandantes se regozijaram ante o que viram. Tomaram isto como um sinal de Jesus de que iam ser vitoriosos. Fizeram com que o sacerdote levantasse o corporal manchado de sangue num mastro como se fosse um estandarte.  Voltaram á batalha contra os mouros e o castelo de Chio foi recapturado. O mérito desta batalha deu-se ao milagre eucarístico.
A notícia do milagre circulou ligeira e inclusive despertou ciúmes nos habitantes das cidades vizinhas. Como a celebração da Santa Missa foi realizada no campo, bem distante da cidade de Valência, as três cidades: Teruel, Catalayud e Daroca, reivindicaram que o milagre havia acontecido dentro de suas jurisdições territoriais. Todas as três queriam ficar com a custódia dos Santos Corporais. O assunto foi debatido durante muito tempo e depois de muitas palavras, decidiram que a disputa seria resolvida através da sorte. Embora fosse um critério incomum, foi o escolhido de comum acordo entre as partes. Através da sorte seria indicada a cidade que ficaria na posse dos Panos Sagrados. Concordaram ainda, que os Corporais, devidamente acondicionados e protegidos, seriam colocados sobre uma mula e o animal deveria escolher qual a direção e o caminho a seguir.
E assim foi feito! A mula deixou o monte onde estava e iniciou sua jornada, seguida pela assistência composta dos guerreiros e sacerdotes com velas acesas.  Depois de vaguear durante 12 dias, num percurso de cerca de 200 milhas, dobra os joelhos e cai morta em frente à Igreja de São Marcos (hoje Igreja da Trindade), em Daroca. Então Daroca foi a cidade escolhida. Há vários relatos que se referem à viagem da mula, quando ocorreram muitos milagres em seu percurso, ouviram-se cantos e músicas angelicais ao lado de fúria de demônios que abandonavam pessoas que tinham possuído, ao lado, também, de conversões de vários pecadores. O Corporal ficou nesta igreja até que se trasladou para a de Santa Maria. Estávamos a 7 de março de 1239, festa de São Tomás de Aquino (que era vivo e tinha cerca de 14 anos de idade), um grande devoto e defensor da Eucaristia. Mais tarde, São Tomás foi nomeado o protetor do Milagre Eucarístico de Daroca.
Os habitantes felizes com o desfecho, providenciaram a construção de uma igreja, para ser a depositária dos preciosos Panos de linho. Num altar especial colocaram os dois Corporais dentro de molduras e vidros protetores, a fim de que os fiéis pudessem apreciar e venerar as seis manchas com o Sangue do Senhor. Atualmente a Igreja em Daroca onde estão os Corporais Sagrados é denominada, Igreja de Santa Maria Colegiada, ou simplesmente “A Colegiada”. Nas paredes foram pintadas cenas admiráveis do milagre, e junto ao altar existem muitas imagens e estátuas feitas de alabastro, multicoloridas, no estilo medieval.
No ano de 1261, no reinado do Papa Urbano IV, a cidade de Daroca e o seu cabido resolveram enviar uma delegação à Roma a fim de informar detalhadamente Sua Santidade sobre as maravilhas operadas por Deus no portentoso milagre.  E tinha aumentado tanto a piedade dos fiéis que foi necessário construir fora dos muros da cidade uma pequena torre de pedra para abrigar a Santa Relíquia. O Papa Urbano IV era contemporâneo da Beata Juliana de Liege, a monja que passou  sua vida tentando instituir a Festa do Santíssimo Sacramento e foi ele quem declarou a autenticidade do milagre de Daroca. Um ano depois, em 1262, instituiu a Festa de Corpus Christi. Acredita-se que o Papa tenha visto no milagre de Daroca um sinal divino para que fosse instituída a festa de Corpus Christi.
Chegou também ao Papa os informes de dois grandes santos, São Boaventura e São Tomás de Aquino, conclamando a Igreja para uma veneração pública das Sagradas Espécies, o que inclinou o ânimo do Santo Padre  na assinatura dos decretos que instituíram na Igreja a soleníssima festa de “Corpus Christi”, ordenando que desde então se fizessem procissões públicas e solenes e que nelas se levasse o Santíssimo Sacramento para ser adorado.
São Vicente Ferrer, em 1414, pregou na torre onde estavam as relíquias e converteu na ocasião 110 judeus. De tal forma repercutiu tal milagre em toda a Cristandade que a partir de então começaram a vir peregrinos de todo o mundo para venerar aquelas relíquias. 
Em 1444, o Papa Eugênio IV concedeu um ano de jubileu para Daroca, cada 10 anos. Este foi o mesmo Papa que reconheceu como autênticos os milagres eucarísticos de Walldürn, na Alemanha e de Ferrara, na Itália.


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