(COMENTÁRIOS DE DR. PLINIO SOBRE A
SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA – 21)
Em plano muito mais elevado, podemos
esperar de Nossa Senhora aquilo que um filho espera de sua mãe?
Há duas espécies de mães: a boa e a
pseudo-boa. A mãe pseudo-boa – helás! Por demais freqüente nos povos latinos –
tem pena do filhinho e não quer que ele sofra, tenha “dodói”. Ela pactua com
todas as traquinagens do filho, com todas as suas faltas no cumprimento do
dever, com toda a sua moleza, dispensando-o de todas as regras e prejudicando
irremediavelmente a formação do seu caráter.
Mas há outro tipo de mãe que sabe que,
dada a contingência atual do homem, não há outro meio para ele senão sofrer,
sofrer e sofrer muito para dilatar a
alma, santificá-la, engrandecê-la. Sabe que é preciso sofrer para lutar na
vida, que é preciso sofrer para viver, sofrer enfim em todas as circunstâncias.
Sabe que, em última análise, que o
homem vale na medida do que sofre. Esta mãe cuida de aliviar os sofrimentos
de seus filhos na medida que isto seja possível e não lhes cause prejuizo. Mas
toda a medida de sofrimento que verdadeiramente a educação exija, uma boa mãe
quer que o filho a atinja. Ela simplesmente limita-se a ampará-lo no
sofrimento, de tal forma que ele tenha força e coragem para sofrer o que deve.
Mas ela quer que ele sofra. Nossa Senhora procede por essa forma.
Haveria ilusão em tomar as vidas de
santos, os florilégios de Nossa Senhora, e ver de modo unilateral certas graças
excepcionais que Ela concede. Por exemplo, São Francisco de Sales, no auge de
uma tentação atroz relacionada com o problema angustiante da predestinação,
emagrecendo, definhando, numa esterilidade espiritual pavorosa, com uma
“procella tenebrarum” dentro da alma, aproxima-se de uma imagem de Nossa
Senhora e recita o “Memorare”: imediatamente as nuvens se dissipam e ele se
sente cheio de paz e de tranqüilidade; a crise espiritual estava resolvida.
Tendo-se um sem número de casos destes,
não se pode deixar de sentir uma impressão profundamente edificante e muito
útil para a vida espiritual. Mas ela não deve ser unilateral.
Nossa Senhora alivia a miúdo as
provações de nossa vida espiritual como uma boa mãe que reduz o sofrimento do
filho na medida do indispensável. Mas há um limite necessário para todo
sofrimento, e não é um limite pequeno. Dele Nossa Senhora não nos tira.
Não se pense que a devoção a Nossa
Senhora é uma espécie de morfina para a vida espiritual, que, uma vez ingerida,
dissipa todas as dores. Não, Nossa Senhora – e São Luís Grignion insiste sore
isto – não tira do ombro do fiel o peso da cruz, mas lhe dá forças abundantes
para carregá-la. Ela lhe dá o amor à cruz e ao sofrimento. Este é o fruto da
devoção à Nossa Senhora.
A graça de possuir uma
grande intimidade com Nossa Senhora
Devemos compreender, portanto, que na
devoção à Nossa Senhora há duas coisas a pedir: reconhecendo que somos homens
fracos, que não somos atletas na vida
espiritual, devemos pedir a Ela que nos socorra nas aflições que nos
parecem muito pesadas. É um esplêndido pedido, e Ela no-lo atenderá muitas
vezes.
Sempre que, na medida da Providência de
Deus, for possível socorrer-nos, Ela o fará. Mas devemos nos lembrar de que há
uma certa medida de dor que devemos suportar, e por inteiro. Nós mesmo não sabemos
bem qual é essa medida; Ela o sabe.
Precisamos então pedir-Lhe forças para
suportar. Neste ponto, neste equilíbrio destes dois pedidos, é que está a
providência de Nossa Senhora.
Imaginemos um homem que leva sua vida
quotidiana. Esta sempre tem dois aspectos diferentes: há períodos da vida de
todos os dias que vivemos da rotina comum. É o trabalho de ir e voltar da
escola, de preparar a lição, de visitar um parente. É uma engrenagem comum, um
quase prosaísmo quotidiano.
Mas há outro aspecto da vida do homem,
que são as ocasiões dos grandes sofrimentos, em que ele não tem apenas os
aborrecimentos da vida de todos os dias, mas em que arca com um peso de
sofrimentos excepcionalmente grandes.
Imaginemos, numa e noutra destas fases
da vida espiritual, uma pessoa que saiba verdadeiramente praticar a devoção de
São Luís Grignion. Ela se lembrará, nas pequenas dificuldades da vida
quotidiana, que tem em Nossa Senhora uma Mãe. Lembrar-se-á não só várias vezes
durante o dia, mas terá disto uma consciência habitual e permanente. Quando ela
estiver em dificuldades, quando tiver problemas, ainda que sejam minúsculos,
pedirá o socorro de Maria, dirigir-se-á a Ela. Em todas as circunstâncias
correntes da vida, estará rezando à Virgem Santíssima. A pessoa viverá numa
permanente intimidade com Nossa Senhora, para tudo pedindo-Lhe socorro. Numa
perplexidade pedir-Lhe-á que a faça ver o verdadeiro caminho. Nas grandes
ocasiões, pedir-lhe forças para suportar o peso das provações excepcionais,
obtendo com isso energia para os atos de heroísmo que muitas vezes a vida
espiritual exige de cada um.
Se uma pessoa souber oferecer todos os
seus atos em união com Nossa Senhora e, segundo as intenções d’Ela, souber
pedir constantemente o Seu auxílio em todos os momentos – por exemplo, se está
distraída na leitura, pedir a Ela que a faça, apesar disto, tirar frutos; se
sai à rua e vê alguém que está cometendo um pecado, pedir por aquela alma; se
tem uma tentação, pedir forças para resistir; se vê uma alma que sofre, pedir
por ela – se esta pessoa souber, enfim, recorrer continuamente à Nossa Senhora,
sua vida espiritual crescerá maravilhosamente. Podemos dizer que não há melhor
programa para a vida espiritual. Isto exige, porém, toda uma compenetração e
todo um esforço de vontade.
Nossa Senhora: panacéia para
a vida espiritual
Das provações inerentes à vida
espiritual ou impostas pela fidelidade à Igreja há uma muito árdua, pela qual
todos devemos passar. É a sensação de aridez, de estagnação, de imobilidade
aparente de todas as coisas. Entra ano, sai ano, e a vida espiritual parece não
progredir; é a vida de apostolado que se debate sempre nos mesmos problemas; é
algo que vai acontecer, e se consegue evitar; depois, é outro mal que está para
surgir, consegue-se impedir; novamente
outro imprevisto, e chora-se porque não se o evitou, mas fica-se vigilante para
outro que está para acontecer. Nos primeiros momentos ter-se-á a sensação de
uma montanha russa. Mas esta diverte quando se lhe dá uma volta. Mas passar
nela alguns anos é humanamente insuportável, e sentimo-nos tentados a acabar
com aquele sobe-e-desce, a fim de vivermos como um homem particular qualquer.
Este prolongamento contínuo da mesma
ordem de coisas aparentemente imóvel é como navegar no mar sem ponto de
referência. Fica-se navegando, sabe-se por um ato de fé nas estrelas que se
está mudando de posição, mas, exceção feita disto, não se tem noção de
movimento. E quanto de esforço despendido para se navegar! Seria a sensação dos
remadores de uma galera, que tivessem a impressão de que o barco não se movia
do lugar. É a sensação de enfaramento, de monotonia, que por vezes pode-se ter
na vida espiritual e na de apostolado.
Para tais ocasiões a solução é o recurso
a Nossa Senhora; rezar e Ela que é o remédio para tudo. Costuma-se dizer que
não se devem admitir panacéias. Há uma exceção: Nossa Senhora é verdadeiramente
uma panacéia, exceto para a má vontade de quem positivamente não quer ser bom.
“Qui creavit te sinte te, non salvabit te sin te”; “Aquele que te criou sem teu
concurso, não te salvará sem a tua colaboração”, diz Santo Agostinho.
Esta verdadeira devoção a Nossa Senhora
nos dá possibilidades de eficácia incalculáveis no serviço da Igreja.
Tomemos, por exemplo, um
contra-revolucionário que pratica seriamente esta devoção e que assista a uma
reunião de formação. O mérito de ter comparecido à reunião reverte às mãos de Nossa
Senhora e Ela, que conhece melhor os interesses da Igreja do qualquer homem,
aplicá-lo-á de acordo com Sua Sabedoria. E assim, além do apostolado que faz,
comparecendo às reuniões, pode fazer um bem maravilhoso em algum outro plano.
Bem pode ser que esteja participando de
um modo invisível, sem o saber, dos mais altos destinos da Igreja, da luta
entre a Esposa de Cristo e a Anti-Igreja. Ele não o sabe, mas Nossa Senhora
terá nisto aplicado seus méritos, e está produzindo frutos que ele nem sequer
pode imaginar. É o que há de mais certo, pois Nossa Senhora não esbanja os
nossos méritos. Ela os aplica com a máxima sabedoria possível. Portanto, o que
fazemos quando os confiamos à Sua Sabedoria, é aproveitá-los ao sumo”.
Extraído
de comentários de Plinio Corrêa de Oliveira sobre o TRATADO DA VERDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM - (1951)
– Capítulo V – Motivos que nos recomendam esta devoção
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