A Anunciação é a festa em que
celebramos este fato culminante da história do mundo: Deus, através do Arcanjo
São Gabriel, comunica a Nossa Senhora que a Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade haveria de assumir nossa natureza, a fim de resgatar o gênero humano.
As circunstâncias em que se
realizaram esses eternos desígnios do Altíssimo não poderiam ser mais singelas
nem mais maravilhosas.
Em sua modesta casa de Nazaré,
uma Virgem, há pouco desposada com um varão igualmente virgem, encontrava-se
imersa em subidas contemplações. De modo muito piedoso e razoável, supõe-se que
Maria, com base no Antigo Testamento, procurava meditar e imaginar como seria o
Messias, de cuja mãe desejava ser a mais dedicada das servas.
Pode-se conjecturar que, ao
completar Ela no seu espírito a composição da figura do Salvador, apareceu-Lhe
o Anjo dirigindo-Lhe as célebres palavras: “Ave, ó cheia de graça, o Senhor é
contigo; bendita és Tu entre as mulheres”.
E Maria se perturbou,
perguntando-se o que significava aquela saudação. Um Anjo tão eminente, tão
extraordinário, aparecer a Ela, tão pequena! (a seus próprios olhos), e
chamá-La “cheia de graça”? Ela estava, então, repleta de dons divinos? “Bendita
sois Vós entre as mulheres”, quer dizer que, em meio a todas as filhas de Deus
que houve, há e haverá até o fim dos tempos, Ela seria a bendita por
excelência? Existiam tantas mulheres santas no Antigo Testamento, e quantas
outras vinda viriam pela história afora, e justamente Ela era a escolhida? Na
sua humildade, Maria ficou perplexa: “Como é isto? É um Anjo que está falando,
mas não compreendo como suas palavras se podem aplicar a mim”.
O celeste mensageiro, por sua
vez, responde de forma curiosa, pois assim começa: “Não temas, Maria”. O que
indica que Ela manifestara um certo temor. Mas, concebida sem pecado original,
sem ter sombra da menor imperfeição, como poderia Nossa Senhora ter medo de São
Gabriel e do que este Lhe dizia?
Na verdade, na presença de um
Anjo, e sobretudo na de um Arcanjo, a criatura humana está colocada diante de
um ser de tal densidade que este lhe causa não pequeno susto. Anjos houve que,
aparecendo a homens, foram por estes tomados como o próprio Deus. E Nossa
Senhora, na sua sensibilidade imaculada e perfeita, sentiu essa presença
angélica de forma impressionante. Além disso, recebendo aquela saudação
inusitada, prenúncio dos altíssimos planos do Senhor para com Ela, pode-se bem
conceber que em sua humildade tenha temido não dar cabo da extraordinária
missão que Lhe seria confiada.
Perplexidade e receio que só
aumentaram, quando São Gabriel, a princípio tranqüilizando-A, prosseguiu no seu
anúncio: “Não temas, Maria, porque achaste graça diante de Deus. Eis que
conceberás em teu seio, e darás à luz um Filho...”, etc.
Ela havia feito voto de
virgindade perpétua e, segundo a tradição católica, entendera-se com São José
para que ambos permanecessem fiéis aos seus propósitos de castidade perfeita
até o fim da vida. Entretanto, chega-Lhe agora da parte de Deus um aviso que
contraria de frente seus mais entranhados anseios. Nova indagação: “Como se
fará isso?”
O Anjo Lhe explica ser a vontade
de Deus que d’Ela nasça o Messias, concebido pela ação do próprio Espírito
Santo no seu claustro imaculado. Tudo se esclarece. A serenidade e a paz reinam
no coração da Santíssima Virgem, que pronuncia então esta frase admirável: Ecce ancilla Domini; fiat mihi secundum
verbum tuum – “Eis a Escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a vossa
palavra!”
Quer dizer, esse anúncio era uma
palavra vinda de Deus, da qual Ela não podia duvidar. Assim sendo, estava
inteiramente à disposição. E desse diálogo, cuja beleza e simplicidade nos
deixam abismados, resultou a Encarnação do Verbo!
Mãe de
Deus, Esposa do Espírito Santo
Com efeito, a maior parte dos
intérpretes afirma que, às palavras “Eis aqui a Escrava do Senhor...”, nesse
preciso momento, pela ação do Espírito Santo, Jesus foi concebido no seio
puríssimo de Maria.
Quem pode imaginar a fisionomia
esplendorosa d’Ela, nessa hora em que a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade
se tornou seu Esposo, e Ela engendrou o Menino Jesus?! A adoração que teve pelo
Divino Filho, logo no primeiro instante em que, de seu sangue e carne
virginais, Ele começou a ser formado? Maravilha tanto mais inimaginável quanto
Jesus, Homem-Deus perfeitíssimo, assim que passou a viver encarnado em Maria,
conheceu-A e amou com uma insondável dileção. E os dois começaram a se querer
num mútuo amor que durará por toda a eternidade. Oh assombroso convívio de
almas!
Por outro lado, devemos
considerar o relacionamento d’Ela com o Espírito Santo, seu Divino Esposo.
Em geral, no ato dos
desponsórios, costuma o marido oferecer à sua consorte um presente tão rico e
magnífico quanto esteja ao alcance de suas posses. Pensemos então no valor das
prendas com que o Todo-Poderoso terá adornado a alma de sua fidelíssima Esposa!
Que acúmulo de graças e de esplendores! Mais ainda. A partir do Mistério da
Encarnação, Nossa Senhora passou a receber d’Ele orientações, diretrizes, atos
de amor e consolações de uma sublimidade indizível, que tinham nexo com as
relações entre Ela e Deus Pai, entre Ela e seu adorável Filho. Assim se
estabeleceu um convívio altíssimo, em que Maria era, a um título único e muito
especial, a Filha do Pai Eterno, a Mãe do Verbo Encarnado e a Esposa do Divino
Espírito Santo.
Virgindade,
humildade e grandeza
Analisando esse comércio de almas
entre Nossa Senhora e a Santíssima Trindade, voltemos nossos olhos para as
virtudes e predicados marianos que transparecem de modo singular na Anunciação.
Em primeiro lugar, a pureza. Ela
é a Virgem das virgens, e o foi antes, durante e depois do parto, não perdendo
sua integridade um só instante. E todo o procedimento d’Ela durante o fato da
Encarnação revelou-se perfeitamente virginal.
De outro lado, consideremos a
humildade de Nossa Senhora; como Ela se fez pequena em toda a medida, ao se ver
abençoada pelo Altíssimo de uma forma tão extraordinária. Era Ela quem Deus
havia destinado, desde todo o sempre, para ser sua Mãe, porque A julgou digna
de semelhante missão. Ele preparou a alma e o corpo d’Ela, para que em tudo
fosse inteiramente proporcionada – tanto quanto o pode ser uma criatura humana
– à honra da maternidade divina. Porém, Ela que era digna por excelência, não
fazia de si uma alta idéia, nem se deixava levar por conceituados enfatuados de
sua própria pessoa. Não! Pelo contrário, ficou perturbada, pois julgava aqueles
elogios feitos pelo Anjo inteiramente descabidos para Ela. Mas, bastou que São
Gabriel Lhe convencesse de que tal anúncio vinha de Deus, para Nossa Senhora se
submeter.
Assim, da humildade e da pureza
conjugadas em Maria Santíssima, resultou sua aceitação dos desígnios do Pai
Eterno a respeito de seu Divino Filho.
Terceiro predicado a se ressaltar:
no momento em que concebeu o Verbo Encarnado, Ela inteira foi elevada a uma
condição superior a todos os Anjos e a todos os Santos reunidos. Ou seja, se
somássemos toda a santidade que houve, há e haverá em todos os Anjos e Santos,
desde o começo até o fim do mundo, e comparássemos esse resultado com a
perfeição de Nossa Senhora, Ela se mostraria incomparavelmente mais santa do
que toda essa montanha de virtude que Deus foi suscitando na Igreja ao longo
dos séculos!
O que significa não podermos ter noção
de qual foi e é a grandeza espiritual da Santíssima Virgem. Se Moisés, ao
suplicar a Deus a graça de poder vê-Lo, ouviu esta resposta: “Tu não me podes
ver, porque, se me vires, morrerás”, somos todos levados a cogitar no que nos
aconteceria, se nos fosse dada a suprema felicidade de contemplar nesta vida a
face de Nossa Senhora, com todo o seu esplendor e formosura. Quem sabe, não
morreríamos também...
Na Paixão
de Jesus, outro “fiat mihi”
Agora, a esse momento de
submissão e grandeza de Maria, no início da existência terrena de Jesus,
corresponde outro ato de suma humildade d’Ela – não menos grandioso – quando
seu Divino Filho estava prestes a expirar na Cruz.
Ele viera ao mundo a fim de
resgatar as criaturas humanas do pecado, obter-lhes o perdão do Pai, e abrir
novamente as portas do Céu. Essa augusta missão do Filho de Deus estava
presente no fundo de quadro das meditações de Nossa Senhora, e Ela
provavelmente compreendeu que a Anunciação do Anjo comportava tudo isto: as
promessas, o futuro, a glória, mas também o preço da glória: a dor!
Assim, chegado o tempo da Paixão,
Deus quis o consentimento da Santíssima Virgem para que o Filho d’Ela fosse
imolado, e Ela mesma O oferecesse como vítima expiatória por nossas culpas. Se
outros fossem os desejos de Nossa Senhora, Jesus não sofreria a morte, Deus o
libertaria das mãos de seus inimigos, e sua vida teria um rumo diverso.
Contudo, a humanidade não seria resgatada. Por isso Nossa Senhora consentiu no
holocausto do Divino Redentor.
Ela O contemplava estertorando na
Cruz, Ela o ouvia exalar esse brado lancinante: “Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonastes?”, e aceitava que tudo isso acontecesse, para o gênero humano ser
redimido e as almas poderem entrar na bem-aventurança eterna. Como era desígnio
de Deus que Ela quisesse, Ela quis! E foi este o seu outro “ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum”, de extrema e
verdadeira beleza.
Imitemos
Nossa Senhora da Anunciação
Para encerrar, recolhamos um
fruto concreto dessas reflexões.
Encarnando-se no seio de Maria
Santíssima, no momento da Anunciação, Jesus se deu a Ela com um tal amanhecer
de alma, com um espírito tão cheio de louçania, que não se tem palavras para descrever a felicidade que
nesse dia inundou a pessoa de Nossa Senhora. As promessas eram superlativas!
Nada menos que o resgate do gênero humano.
Entretanto, o próprio fato da
Redenção, com os sacrifícios indizíveis que comportaria para Mãe e Filho,
indica bem como caminham as promessas de Deus: passam pelas esperanças mais
alegres e pelos desmentidos aparentes mais terríveis. E a alma tem de ir se
habituando às promessas, ás alegrias e aos pretensos desmentidos, como o fez
Nossa Senhora. Ela disse “sim” a tudo, e dessa inteira submissão Lhe adveio
toda a sua gloriosa dignidade. Pois a verdadeira glória consiste, antes de
qualquer coisa, em aceitar e fazer sempre a vontade de Deus.
Eis a conseqüência que para nós
devemos tirar: nos momentos de alegria e, sobretudo, nos de dor e provação,
saibamos imitar Nossa Senhora, dizendo “sim” aos desígnios de Deus a nosso
respeito.
À maneira de uma gota de orvalho
em que se reflete o sol, saibamos espelhar em nós as virtudes de Nossa Senhora
da Anunciação, Isto é, sejamos humildes, pequenos, mas fortes, puros e
confiantes. Que do entusiasmo de nossa pureza, de nossa força e de nossa
confiança partam contínuos atos de amor e glorificação a Nosso Senhor Jesus
Cristo, a Maria e à Santa Igreja Católica Apostólica Romana!
(Revista
“Dr. Plínio”, nº 24, março de 2000)
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