sábado, 25 de março de 2017

NA ANUNCIAÇÃO, GRANDEZA E HUMILDADE DE MARIA



(COMENTÁRIOS DE DR. PLINIO SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA - 21)



A Anunciação é a festa em que celebramos este fato culminante da história do mundo: Deus, através do Arcanjo São Gabriel, comunica a Nossa Senhora que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade haveria de assumir nossa natureza, a fim de resgatar o gênero humano.
As circunstâncias em que se realizaram esses eternos desígnios do Altíssimo não poderiam ser mais singelas nem mais maravilhosas.
Em sua modesta casa de Nazaré, uma Virgem, há pouco desposada com um varão igualmente virgem, encontrava-se imersa em subidas contemplações. De modo muito piedoso e razoável, supõe-se que Maria, com base no Antigo Testamento, procurava meditar e imaginar como seria o Messias, de cuja mãe desejava ser a mais dedicada das servas.
Pode-se conjecturar que, ao completar Ela no seu espírito a composição da figura do Salvador, apareceu-Lhe o Anjo dirigindo-Lhe as célebres palavras: “Ave, ó cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és Tu entre as mulheres”.
E Maria se perturbou, perguntando-se o que significava aquela saudação. Um Anjo tão eminente, tão extraordinário, aparecer a Ela, tão pequena! (a seus próprios olhos), e chamá-La “cheia de graça”? Ela estava, então, repleta de dons divinos? “Bendita sois Vós entre as mulheres”, quer dizer que, em meio a todas as filhas de Deus que houve, há e haverá até o fim dos tempos, Ela seria a bendita por excelência? Existiam tantas mulheres santas no Antigo Testamento, e quantas outras vinda viriam pela história afora, e justamente Ela era a escolhida? Na sua humildade, Maria ficou perplexa: “Como é isto? É um Anjo que está falando, mas não compreendo como suas palavras se podem aplicar a mim”.
O celeste mensageiro, por sua vez, responde de forma curiosa, pois assim começa: “Não temas, Maria”. O que indica que Ela manifestara um certo temor. Mas, concebida sem pecado original, sem ter sombra da menor imperfeição, como poderia Nossa Senhora ter medo de São Gabriel e do que este Lhe dizia?
Na verdade, na presença de um Anjo, e sobretudo na de um Arcanjo, a criatura humana está colocada diante de um ser de tal densidade que este lhe causa não pequeno susto. Anjos houve que, aparecendo a homens, foram por estes tomados como o próprio Deus. E Nossa Senhora, na sua sensibilidade imaculada e perfeita, sentiu essa presença angélica de forma impressionante. Além disso, recebendo aquela saudação inusitada, prenúncio dos altíssimos planos do Senhor para com Ela, pode-se bem conceber que em sua humildade tenha temido não dar cabo da extraordinária missão que Lhe seria confiada.
Perplexidade e receio que só aumentaram, quando São Gabriel, a princípio tranqüilizando-A, prosseguiu no seu anúncio: “Não temas, Maria, porque achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás em teu seio, e darás à luz um Filho...”, etc.
Ela havia feito voto de virgindade perpétua e, segundo a tradição católica, entendera-se com São José para que ambos permanecessem fiéis aos seus propósitos de castidade perfeita até o fim da vida. Entretanto, chega-Lhe agora da parte de Deus um aviso que contraria de frente seus mais entranhados anseios. Nova indagação: “Como se fará isso?”
O Anjo Lhe explica ser a vontade de Deus que d’Ela nasça o Messias, concebido pela ação do próprio Espírito Santo no seu claustro imaculado. Tudo se esclarece. A serenidade e a paz reinam no coração da Santíssima Virgem, que pronuncia então esta frase admirável: Ecce ancilla Domini; fiat mihi secundum verbum tuum – “Eis a Escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a vossa palavra!”
Quer dizer, esse anúncio era uma palavra vinda de Deus, da qual Ela não podia duvidar. Assim sendo, estava inteiramente à disposição. E desse diálogo, cuja beleza e simplicidade nos deixam abismados, resultou a Encarnação do Verbo!

Mãe de Deus, Esposa do Espírito Santo

Com efeito, a maior parte dos intérpretes afirma que, às palavras “Eis aqui a Escrava do Senhor...”, nesse preciso momento, pela ação do Espírito Santo, Jesus foi concebido no seio puríssimo de Maria.
Quem pode imaginar a fisionomia esplendorosa d’Ela, nessa hora em que a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade se tornou seu Esposo, e Ela engendrou o Menino Jesus?! A adoração que teve pelo Divino Filho, logo no primeiro instante em que, de seu sangue e carne virginais, Ele começou a ser formado? Maravilha tanto mais inimaginável quanto Jesus, Homem-Deus perfeitíssimo, assim que passou a viver encarnado em Maria, conheceu-A e amou com uma insondável dileção. E os dois começaram a se querer num mútuo amor que durará por toda a eternidade. Oh assombroso convívio de almas!
Por outro lado, devemos considerar o relacionamento d’Ela com o Espírito Santo, seu Divino Esposo.
Em geral, no ato dos desponsórios, costuma o marido oferecer à sua consorte um presente tão rico e magnífico quanto esteja ao alcance de suas posses. Pensemos então no valor das prendas com que o Todo-Poderoso terá adornado a alma de sua fidelíssima Esposa! Que acúmulo de graças e de esplendores! Mais ainda. A partir do Mistério da Encarnação, Nossa Senhora passou a receber d’Ele orientações, diretrizes, atos de amor e consolações de uma sublimidade indizível, que tinham nexo com as relações entre Ela e Deus Pai, entre Ela e seu adorável Filho. Assim se estabeleceu um convívio altíssimo, em que Maria era, a um título único e muito especial, a Filha do Pai Eterno, a Mãe do Verbo Encarnado e a Esposa do Divino Espírito Santo.

Virgindade, humildade e grandeza

Analisando esse comércio de almas entre Nossa Senhora e a Santíssima Trindade, voltemos nossos olhos para as virtudes e predicados marianos que transparecem de modo singular na Anunciação.
Em primeiro lugar, a pureza. Ela é a Virgem das virgens, e o foi antes, durante e depois do parto, não perdendo sua integridade um só instante. E todo o procedimento d’Ela durante o fato da Encarnação revelou-se perfeitamente virginal.
De outro lado, consideremos a humildade de Nossa Senhora; como Ela se fez pequena em toda a medida, ao se ver abençoada pelo Altíssimo de uma forma tão extraordinária. Era Ela quem Deus havia destinado, desde todo o sempre, para ser sua Mãe, porque A julgou digna de semelhante missão. Ele preparou a alma e o corpo d’Ela, para que em tudo fosse inteiramente proporcionada – tanto quanto o pode ser uma criatura humana – à honra da maternidade divina. Porém, Ela que era digna por excelência, não fazia de si uma alta idéia, nem se deixava levar por conceituados enfatuados de sua própria pessoa. Não! Pelo contrário, ficou perturbada, pois julgava aqueles elogios feitos pelo Anjo inteiramente descabidos para Ela. Mas, bastou que São Gabriel Lhe convencesse de que tal anúncio vinha de Deus, para Nossa Senhora se submeter.
Assim, da humildade e da pureza conjugadas em Maria Santíssima, resultou sua aceitação dos desígnios do Pai Eterno a respeito de seu Divino Filho.
Terceiro predicado a se ressaltar: no momento em que concebeu o Verbo Encarnado, Ela inteira foi elevada a uma condição superior a todos os Anjos e a todos os Santos reunidos. Ou seja, se somássemos toda a santidade que houve, há e haverá em todos os Anjos e Santos, desde o começo até o fim do mundo, e comparássemos esse resultado com a perfeição de Nossa Senhora, Ela se mostraria incomparavelmente mais santa do que toda essa montanha de virtude que Deus foi suscitando na Igreja ao longo dos séculos!
O que significa não podermos ter noção de qual foi e é a grandeza espiritual da Santíssima Virgem. Se Moisés, ao suplicar a Deus a graça de poder vê-Lo, ouviu esta resposta: “Tu não me podes ver, porque, se me vires, morrerás”, somos todos levados a cogitar no que nos aconteceria, se nos fosse dada a suprema felicidade de contemplar nesta vida a face de Nossa Senhora, com todo o seu esplendor e formosura. Quem sabe, não morreríamos também...

Na Paixão de Jesus, outro “fiat mihi”

Agora, a esse momento de submissão e grandeza de Maria, no início da existência terrena de Jesus, corresponde outro ato de suma humildade d’Ela – não menos grandioso – quando seu Divino Filho estava prestes a expirar na Cruz.
Ele viera ao mundo a fim de resgatar as criaturas humanas do pecado, obter-lhes o perdão do Pai, e abrir novamente as portas do Céu. Essa augusta missão do Filho de Deus estava presente no fundo de quadro das meditações de Nossa Senhora, e Ela provavelmente compreendeu que a Anunciação do Anjo comportava tudo isto: as promessas, o futuro, a glória, mas também o preço da glória: a dor!
Assim, chegado o tempo da Paixão, Deus quis o consentimento da Santíssima Virgem para que o Filho d’Ela fosse imolado, e Ela mesma O oferecesse como vítima expiatória por nossas culpas. Se outros fossem os desejos de Nossa Senhora, Jesus não sofreria a morte, Deus o libertaria das mãos de seus inimigos, e sua vida teria um rumo diverso. Contudo, a humanidade não seria resgatada. Por isso Nossa Senhora consentiu no holocausto do Divino Redentor.
Ela O contemplava estertorando na Cruz, Ela o ouvia exalar esse brado lancinante: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”, e aceitava que tudo isso acontecesse, para o gênero humano ser redimido e as almas poderem entrar na bem-aventurança eterna. Como era desígnio de Deus que Ela quisesse, Ela quis! E foi este o seu outro “ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum”, de extrema e verdadeira beleza.

Imitemos Nossa Senhora da Anunciação

Para encerrar, recolhamos um fruto concreto dessas reflexões.
Encarnando-se no seio de Maria Santíssima, no momento da Anunciação, Jesus se deu a Ela com um tal amanhecer de alma, com um espírito tão cheio de louçania, que não se tem  palavras para descrever a felicidade que nesse dia inundou a pessoa de Nossa Senhora. As promessas eram superlativas! Nada menos que o resgate do gênero humano.
Entretanto, o próprio fato da Redenção, com os sacrifícios indizíveis que comportaria para Mãe e Filho, indica bem como caminham as promessas de Deus: passam pelas esperanças mais alegres e pelos desmentidos aparentes mais terríveis. E a alma tem de ir se habituando às promessas, ás alegrias e aos pretensos desmentidos, como o fez Nossa Senhora. Ela disse “sim” a tudo, e dessa inteira submissão Lhe adveio toda a sua gloriosa dignidade. Pois a verdadeira glória consiste, antes de qualquer coisa, em aceitar e fazer sempre a vontade de Deus.
Eis a conseqüência que para nós devemos tirar: nos momentos de alegria e, sobretudo, nos de dor e provação, saibamos imitar Nossa Senhora, dizendo “sim” aos desígnios de Deus a nosso respeito.
À maneira de uma gota de orvalho em que se reflete o sol, saibamos espelhar em nós as virtudes de Nossa Senhora da Anunciação, Isto é, sejamos humildes, pequenos, mas fortes, puros e confiantes. Que do entusiasmo de nossa pureza, de nossa força e de nossa confiança partam contínuos atos de amor e glorificação a Nosso Senhor Jesus Cristo, a Maria e à Santa Igreja Católica Apostólica Romana!


(Revista “Dr. Plínio”, nº 24, março de 2000)



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