Dedicação da Basílica de Santa Maria Maior, em Roma
Gostaria
de mostrar aos senhores, antes de tudo, o que é um ambiente saturado de
história. Numa mesma Basílica, quantas coisas magníficas: pedaços da manjedoura
onde Nosso Senhor Jesus Cristo esteve; depois, uma idéia lindíssima: tirar as primícias do ouro de um continente e
em vez de aplicá-lo em transações bancárias, utilitárias, destina “inutilmente” ao teto de uma igreja,
e de uma igreja dedicada a Nossa Senhora, reconhecendo assim Nossa
Senhora como Medianeira de todas as graças.
Depois vemos a recordação esplêndida do rosário rezado por São
Pio V, por ocasião da batalha de Lepanto (a 7 de outubro de 1571). Os senhores
vêem, então, grandes fatos históricos – um deles divino, que é a Encarnação de
Verbo – todos eles deixando seus traços no mesmo monumento. Isto é o esplendor de uma
civilização tradicional! Compreende-se porque no nome da TFP, antes mesmo das palavras Família e Propriedade, colocamos Tradição.
Passo, agora, às considerações sobre Nossa Senhora das Neves
feitas por Dom Guéranger, em sua obra “L’Année Liturgique”. Outra tradição
magnífica é que essa igreja foi a primeira, em Roma, a ser consagrada a Nossa Senhora.
“Foi na metade do IV
século que o Papa Libério acrescentou uma abside à vasta sala chamada
“Sicininum” e a consagrou ao culto. É por isso que às vezes se dá a esta
Basílica o nome de basílica liberiana. Sixto III a reconstruiu quase
inteiramente e depois a dedicou, por volta do ano 435, à Virgem da qual o
Concílio de Éfeso tinha, em 431, definido a Maternidade Divina e consagrado no
nome de Teotokos, que quer dizer Mãe de Deus. Foi então que a Basílica recebeu
e conservou seu nome de Santa Maria Maior”.
Quer dizer, esta igreja data do meio do IV século enquanto
igreja, mas a sala que foi tomada como seu núcleo e à qual se acrescentou uma
parte do edifício, tem um tempo indeterminado. Vejam, então, que tem 1600 anos:
é o esplendor da tradição!
“Uma linda lenda nascida na Idade Média relata
que Nossa Senhora apareceu em sonho ao papa Libério, mandando que construísse
uma basílica sobre o monte Esquilino (onde se acha Santa Maria Maior, em Roma), no lugar em que ele
encontraria, no dia seguinte, tudo coberto de neve. Com efeito, no dia seguinte, embora se estivesse
em plena canícula, uma neve miraculosa indica a colocação da basílica desejada
por Nossa Senhora. É por isso que se teria podido chamar essa Igreja de Nossa
Senhora das Neves. A lenda não deixa de ter relação com o uso de se espalharem,
nesse dia, flores brancas na basílica.
“Esse costume simbólico,
exprimindo a pureza virginal de Nossa Senhora, esteve, talvez, na origem da
lenda ou, pelo contrário, a lenda deu origem ao costume? Não se sabe. O certo é
que Santa Maria Maior merece bem o seu nome. É a Basílica de Nossa Senhora por
excelência. E se muitas vezes a transcendental pureza das catedrais de Nossa
Senhora de Chartres ou de Amiens fez jorrar do coração do peregrino brados de
alegria e de louvor, é a confiança tranquila e a indulgência infinita da Mãe
que convida a harmonia de Nossa Senhora de Roma”.
Os senhores vêem aqui um lindo papel das lendas. Os espíritos geométricos e
sinárquicos não gostam das lendas, porque não está
demonstrado que foi verdade… Não compreendem que a lenda existe para demonstrar uma verdade superior:
a própria verdade histórica. Aqui há uma série de coisas que
estão demonstradas de Nossa Senhora.
Quer dizer, se a neve não caiu na basílica (talvez tenha caído),
Nossa Senhora é tal que Ela se mostraria bem como é, tendo agido assim. Então,
por aí se tem uma idéia de como é Nossa Senhora. Nesse sentido, a lenda dá uma
verdade de caráter superior. Como é próprio de Nossa Senhora violar todas as
regras de distância que há entre o Céu e a terra e aparecer para um Papa; como
também é próprio de Nossa Senhora indicar o lugar para algo maravilhoso; como
lhe é próprio ter escolhido a neve na canícula para indicar um lugar para Si,
uma vez que a neve representa o refrigério no meio do calor.
No calor horroroso de Roma, aparece um lugar coberto de uma
neve maravilhosa: isto é bem o que Nossa Senhora é para nós em nossa vida.
É a neve no meio do calor de nossas batalhas sempre dentro da lei de Deus e dos
homens, de nossas provações, dos nossos sofrimentos, no meio da poeirada dessa
vida… é a neve alvíssima, branquíssima, imaculada, refrigerante, que nos dá um
ante-gosto do Céu! De maneira que o fato, podendo não ser verdadeiro, é inteiramente verdadeiro o que ele
nos diz de Nossa Senhora e, portanto, enunciando uma verdade de caráter
superior. É o mérito da lenda.
“É nessa Igreja que,
numa noite de Natal, Nossa Senhora depôs o Menino Jesus
nos braços de São Caetano de Tiene. É aqui que, durante
uma outra noite de Natal, Santo Inácio de Loyola celebrou sua
primeira Missa. É aqui que os rosários rezados por São Pio V obtiveram
para os cruzados a vitória de Lepanto.
“Há na Basílica uma capela que tem uma imagem de Nossa
Senhora, que talvez seja mais antiga que se conhece, e que se diz que foi
um quadro pintado por São Lucas.
“É aqui, diante da Madona
de São Lucas, que São Carlos Borromeu gostava de rezar e
é aqui que, para testemunhar sua gratidão para com a Mãe de Deus, ele deu uma
regra monástica aos cônegos dessa Basílica”.
Os senhores estão vendo, portanto, além de todas essas
tradições, esse desfile de Santos…
O que me surpreende é que não se conte que aqui está sepultado o grande São
Pio V, o grande Papa santo e inquisidor-mor, o grande inimigo do
protestantismo e o grande inspirador da batalha de Lepanto.
Vejam quantas maravilhas num só lugar! Mais uma vez insisto na
importância da tradição e da lenda.
Falei
de quanto é possível que seja lenda a queda da neve sobre o terreno onde se
construiria Santa Maria Maior. Entretanto, o fato se deu. E isto porque há uma
porção de coisas na Idade Média que são à maneira de lenda.
Por que acabaram os fatos à maneira de lenda? E por que a
história foi se tornando cada vez mais uma sucessão de fatos com aspecto
puramente natural? E por que, por fim, está tomando agora o aspecto de
pesadelo? Poderíamos
dizer que houve três etapas: a da beleza lendária, a da normalidade natural e a etapa do pesadelo cada
vez mais frequente. Explica-se esta transformação pela
transformação do próprio homem.
Numa época em que os homens tem o espírito elevado,
tem fé, tem o senso das coisas celestes e, portanto, dos modelos ideais e das
coisas perfeitas, eles desejam as coisas extraordinárias, tendem para elas e as
praticam. O Céu os apoia e afirma com milagres aquilo que fazem.
A partir do momento em que veio a época do terra-a-terra – com o
racionalismo, protestantismo, cartesianismo e todas as formas de naturalismo –
este começa a surgir e a história se torna terra-a-terra. Então, aparecem
os “colossos” da nova era. O colosso da era da lenda é um homem que realiza
coisas tais que nunca se poderia imaginar que um simples homem pudesse fazer. O
colosso da era do naturalismo é muito menos do que isso: ele faz tudo quanto se
podia imaginar… Não fez o inimaginável. Depois vem o homem do pesadelo… porque o naturalismo gera
monstros.
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