Exemplo Histórico de Napoleão
Numa reunião dada a seus discípulos no ano de 1957, Dr. Plínio Corrêa de Oliveira comentou longamente sobre o livro “A Oração, o Grande Meio da Salvação”, de Santo Afonso Maria de Ligório. Extraímos a parte em que comenta sobre um dos motivos do encalhamento espiritual muito comum em nosso tempo, que é o da pessoa aceitar as promessas do demônio em benefício próprio e as conseqüências disso. Vejam a facilidade com que Dr. Plínio percebe os aspectos psicológicos em fatos históricos.
Prometeu
o andor ao X e não deu. Feliz do X, porque seria pior se o demônio tivesse
cumprido parcialmente a promessa, dando o andor. Quando o demônio não dá nada,
ainda é uma lição, mas a alguns o demônio no primeiro momento dá algo.
- Faz
favor, aqui está o seu andor. O senhor vai ser aclamado pela multidão. Levanta
o sujeito, mas depois quando prepara a queda dele, faz pagar o andor em que
andou.
Há um
modo especial de apresentar certas coisas humanas e certas compensações do
demônio, e as pessoas vão na onda.
O exemplo de Napoleão Bonaparte
O
demônio a Napoleão prometeu algo. O demônio não deu a Napoleão? Na primeira parte
deu. Mas, ninguém estudou os pormenores prosaicos da queda dele. E não se trata
de fazer digressões a la Manfredo Leite: “Napoleão está em Fontainebleau. Neste
momento tens o remédio, o veneno com que te vais matar. Não! Oh, não! Não te
propines o líquido assassino! Oh! Detém-te, mão do corso...”
O caso
de Napoleão não é narrado com essas elevações. É preciso entrar, bem
direitinho, no caso; é preciso ver os seus aspectos psicológicos.
O desconjuntamento paulatino do poder do corso
Em
primeiro lugar Napoleão não caiu de repente. Caiu aos poucos. Ele foi vendo,
com apreensões cada vez maiores, a glória dele se desconjuntar, como um homem
que está navegando numa jangada e vê, lentamente, as várias madeiras da jangada
se separando. Ele trabalha para segurar aqui, mas abre lá, e assim passa anos
tentando segurar a jangada. Na aparência, ele está na plenitude de sua glória.
Do lado de fora todo mundo bate palmas, mas ele já sabe que o barco está
furado.
Pelo
menos, a partir do momento em que Napoleão fez aquela sem-vergonhice com os reis
da Espanha, é histórico, ele já sabia que a jangada dele estava desconjuntada.
O circuito do demônio
Embora
ele percebesse não ter remédio, estava colocado, justamente, num desses
circuitos do demônio, sem saída: a glória dele era feita à custa da guerra.
Para se manter, precisava guerrear sempre; para guerrear sempre, ele sabia que
acabaria derrotado, porque os outros se cansariam. À medida que ia vencendo, ia
percebendo o cansaço que já ia se formando em torno dele. Se parasse de
combater, caía, e se continuasse, caía também.
No alto
de seu poder não houve o Napoleão que nós imaginamos, com um império firme.
Houve o contrário, um Napoleão consciente de ter um crescimento canceroso, em
velocidade acentuada. A certa altura tudo aquilo deveria acabar.
Depois,
ele se encontrava na seguinte alternativa: se ele dotasse bem os generais dele,
era obrigado a contar com o fato de, em determinado momento, os generais já não
quererem combater, porque se emburguezavam. Por outro lado, se ele não os
dotasse bem, os oficiais “nodosos” não o seguiam.
Resultado:
ele foi obrigado a dotar bem os seus generais, que mais tarde o abandonaram.
Com o
correr do tempo, os povos conquistados por ele iam consolidando o movimento de
resistência, e não adiantava lutar contra eles. Havia uma efervescência
crescente, ele percebia bem.
A cena
da abdicação de Napoleão em
Fontainebleau, não imaginem ter sido nova para ele. Foi uma cena na qual
ele pensou 100 vezes antes de abdicar,
porque tinha percebido estar caminhando para a sua própria ruína.
Eu
garanto que no dia do casamento de Napoleão, ele já tinha diante de si o
espectro do fim que o havia de aguardar.
A inglória queda no vazio
Napoleão
cai. Ele não tem por onde se agarrar ao poder, como um homem que cai ao longo
de um prédio com muitos florões de arquitetura, vai-se arranhando e procurando
se agarrar naquilo.
Os
generais o traíram. Ele tentou chamá-los, pediu... Depois vêm as cenas do
suicídio. Pior, ele não teve coragem de se suicidar direito. Ele tomou algo,
mas a dose não era suficiente. Vieram os médicos, deram-lhe o remédio, ele
aceitou, e sarou de novo. Até a morte ele rateou.
A
seguir é a famosa cena da viagem dele através da França, incógnito, rumo à ilha
de Elba, para ser imperador daquele lugar.
O
horror na ilha de Elba! Quem estuda a História pensa que é tudo muito
bonitinho: a ilha de Elba, Napoleão com um reinozinho, uma porção de
soldados...
Eu,
durante muito tempo, não compreendi por que ele fugiu de Elba. Algum tempo
atrás li um livro sobre o assunto. Os servidores de Napoleão começaram a
achá-lo cacete, com aquela vidinha, e foi uma deserção geral. Aqueles que ele tinha levado para Elba
estavam desertando, e ele ameaçado de fica sozinho. Sem falar que o rei Luís
XVIII não mandou a pensão combinada, e ele nem tinha dinheiro para segurar
aquela gente em torno de si.
Ele
fugiu para evitar a pior das situações, ou seja, ficar morando quase sozinho em
Elba com dois ou três funcionários.
Restaura
o Império, cai de novo, e vai para Santa Helena. Eu li, no mesmo livro, que a
briga em torno dele em Santa Helena era tão indecente, e a vontade de ir embora
era tal que ele chegava a dizer para cada um: “Olhe! Eu estou morrendo. Fiquem
só até o fim. Porque para vocês vai ser uma grande glória, mas não me deixem
sozinho. Não percam o negócio que vocês estão fazendo”.
Só para
conseguir não ficar sozinho, Napoleão passou todo o tempo lutando. Olhem o que
esse demônio deu para ele. Deu, não é? Mas, o que é que deu?
Um dos
últimos comentários dele foi o seguinte: “Afinal de contas eu sustive o mundo,
e não tenho forças para manter minhas pálpebras abertas”. Ficava longas horas
de olhos fechados, sem estar dormindo, porque não tinha nem força para manter
as pálpebras abertas. Agora, sabem bem como são as coisas, com o demônio
sentado no peito e falando-lhe a respeito do Inferno.
Feliz
do X a quem o demônio deu uma mentira completa. Desgraçado aquele que recebe a
metade da promessa”.[1]
[1] Opúsculo de circulação interna “Comentários do Livro A Oração, o Grande Meio da Salvação, de Santo Afonso Maria de Ligório – compilação de seis conferências do ano de 1957 –págs. 36/38
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