I - COMENTÁRIOS DE SANTO AFONSO MARIA DE
LIGÓRIO
“QUE UTILIDADE TEM O MEU SANGUE”?
Quaeutilitas in sanguinemeo,dum
descendo in corruptionem. Que utilidade tirarás da minha morte,quando
eu descer à corrupção? (Sl 29,10). Nosso Senhor revelou à venerável Águeda da
Cruz que,no seio de Maria, a sua mais cruel pena foi de ver a dureza dos corações
dos homens que, depois da redenção, desprezariam as graças que viera difundir
sobre a terra. Segundo a interpretação comum dos Santos Padres, Ele próprio
exprimira muito antes a mesma coisa pela boca de Davi: Que utilidade tirarás
da minha morte, quando eu descer à corrupção? Segundo Santo Isidoro, as
últimas palavras significam: Quando eu descer do céu para tomar a natureza
humana corrompida pelos vícios e pecados. — Eis, pois, o que o Verbo divino
parece ter dito: MeuPai, vou revestir-me da carne humana e derramar depois todo
o meu sangue pelos homens; mas de que servirá esse sacrifício? A maior parte
dos homens não fará caso do meu sangue econtinuará a ofender-me como se nada eu
fizera por meu amor. Essa pena foi o cálice amargo de que pediu Jesus ao pai o livrasse,
quando disse: Afastai de mim este cálice. Que cálice? O ver tanto
desprezo de seu amor. A mesma previsão arrancou ainda, do alto da cruz, este grito
de dor: Meu Deus, meu Deus,por que me abandonastes? — Seu Pai sofreria o
desprezo da sua paixão e morte por parte de tantos homens pelos quais Ele morria;
segundo a explicação do próprio Salvador a Santa Catarina de Sena, era do
abandono que Ele se queixava então. Ora, essa mesma pena atormentava a Jesus
Menino no seio de Maria: via, desde então, dum lado, tantas dores, tantas ignomínias,
tanto sangue derramado, morte tão cruel e infame, e de outro, tão pouco fruto!
O divino Menino antevia muitos homens, e mesmo a maior parte, calcar aos pés o
seu sangue, e desprezar a graça que esse sangue lhes merecera, pois que tal é,
segundo S. Paulo, a conduta de cada pecador. Entretanto se formos do número
desses ingratos, não desesperemos: Jesus nascendo veio oferecer a paz aos
homens de boa vontade, como fez cantar os anjos: Mudemos pois a nossa vontade,
arrependamo-nos dos nossos pecados, propondo-nos amar esse bom Salvador, e
acharemos a paz, isto é, a amizade de Deus.
(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO - “Encarnação,
Nascimento e Infância do Menino Jesus” – Edição Pdf Aparecida – 2004 – Fl.
Castro – págs.
147/148)
II – COMENTÁRIOS DE
SÃO TOMÁS DE AQUINO
A FILIAÇÃO DIVINA
Deu-lhes o poder de
se tornarem filhos de Deus (Jo 1:12). Os homens se tornam filhos de Deus por
assimilação a Ele e, portanto, são filhos de Deus por uma assimilação tripla.
1ª) Pela infusão da
graça; pela qual todo mundo que tem a graça santificante torna-se filho de
Deus: “E porque vós sois filhos, Deus enviou aos seus corações o Espírito de
seu Filho” (Gal 4, 6).
2º) Nos assimilamos
a Deus pela perfeição das obras, pois quem faz obras de justiça é filho, como
diz o Evangelho: “Amai vossos inimigos ... para que vocês sejam filhos de seu
Pai que está nos os céus” (Mt 5, 44-45).
3º)Também nos
assimilamos a Deus, alcançando a glória; e em quanto à alma pelo “lúmen gloriae”:
“Quando ele aparecer, seremos semelhantes a ele”(1 Jo 3, 2); e quanto ao corpo:
“ reformará nosso corpo abatido” (Fil 3:21). Portanto, dessas duas maneiras é
dito na Epístola aos Romanos: “Esperando a adoção de filhos de Deus” (8, 23).
Mas se pelo poder
de se tornarem filhos de Deus se entende a perfeição das obras e realização da
glória, não há dificuldade alguma, porque quando se diz: “Deu-lhes poder” (Jo
1,12), entende-se poder da graça, pelo qual o homem pode fazer obras de
perfeição e alcançar a glória.Mas se se entende da infusão da graça, “deu-lhes
o poder de ser feitos filhos de Deus”, porque Ele lhes deu o poder de receber
graça, e isso de duas maneiras:
1º) Preparando a
graça e oferecendo-a aos homens; assim como se diz quem faz um livro e o
oferece a alguém para que o leia, dando a este a faculdade de ler.
2º) Movendo o livre
arbítrio do homem para que ele consinta em receber a graça. É por isso que
Jeremias diz: “Voltemo-nos, Senhor, para Ti” (movendo nossa vontade de te
amar), e voltaremos (Lam 5, 21). E isso se chama movimento interior, do qual
diz São Paulo (Rom 8:30): “E aos que chamou” (estimulando internamente a
vontade de consentir na graça), estes também justificou infundindo-lhes a graça”.
Mas visto que por
esta graça o homem tem o poder de se preservar na filiação divina, pode-se
dizer em outro sentido: Ele os deu, isto é, para aqueles que receber, o poder
de se tornarem filhos de Deus, isto é, pela graça, através que pode ser
preservado na filiação divina. O mesmo Evangelista diz em outro lugar: “Todo
aquele que é nascido de Deus não peca, mas que a graça de Deus (pela qual somos
regenerados, como filhos de Deus) o preserva” (1Jo 3, 9).
Assim, lhes deu
poder para se tornarem filhos de Deus, pela graça santificante, pela perfeição
das obras, pela obtenção da glória; tudo isso preparando, agindo e preservando
a graça.(In Joan., I)
(Título original em latim “MEDULLA S. THOMAE AQUITATIS
PER OMNES AMNI LITURGICI SEU MEDITATIONES EX OPERIBUS S. THOMAE DEPROMPTAE.-
Recopilação de Fr. Mezar, OP, e tradução do latim para o espanhol por Luís M.
de Cádiz)
III – COMENTÁRIOS DE SANTA TERESA BENEDITA
DA CRUZ (EDITH STEINE)
O CORPO MÍSTICO DE CRISTO
1 União com Deus
Não sabemos o que o divino Menino tem
reservado para nós nesta terra e não devemos nos perguntar antes de nosso
tempo. Só uma coisa é certa: tudo o que acontece aos que amam o Senhor é para o
seu próprio bem. E, além disso, que os caminhos que nos conduzem ao Salvador
extrapolam os limites da vida terrena.
Ó admirável troca! O criador da raça humana
nos apresenta sua divindade tomando um corpo. O Salvador veio ao mundo para
realizar esta admirável obra. Deus se tornou o Filho do Homem para que todos os
homens se tornassem filhos de Deus. Alguém de nossa raça havia quebrado o
vínculo de nossa filiação divina e um de nós teria que se unir novamente para
alcançar a remissão de pecados. Ninguém da velha raça doente poderia ter feito
isso; portanto, um rebento novo, saudável e nobre estava para florescer. Assim,
Ele se tornou um de nós, mas não apenas isso, mas também "um
conosco".
Aqui está o que há de maravilhoso na raça
humana: somos todos um. Do contrário, se todos vivêssemos separados,
independentes uns dos outros, a queda de um não significaria a queda de todos.
Por outro lado, a expiação de um não poderia ser aplicada a todos: se sua
salvação não pudesse ser transmitida a todos, então a justificação não seria
possível. Mas Ele veio para formar conosco um corpo místico, para se
transformar em nossa Cabeça e nós em seus membros. Coloquemos as mãos nas mãos
do Menino Divino, respondamos com um "SIM" ao seu "SIGAM-ME"
e então seremos verdadeiramente seus e o caminho estará livre para que a sua
vida divina nos alcance.
2 Este é o início da vida eterna em nós.
Ainda não é a visão beatífica da luz da glória, mas sim as trevas da fé, mas
que já não pertencem a este mundo, mas sim ao Reino de Deus. Quando a Bem-Aventurada
Virgem Maria pronunciou seu "fiat", então o reino dos céus começou na
terra, e ela foi sua primeira serva; e todos aqueles que, com palavras e atos,
antes e depois do nascimento do Menino, se proclamaram seus - São José, Santa
Isabel com seu filho e todos os que estavam ao lado dele na manjedoura -
passaram a fazer parte desse reino celestial .
Tudo aconteceu de uma forma muito diferente
do que se poderia pensar depois de ler o que dizem os salmos e profetas sobre a
implantação do Reino de Deus. Os romanos continuaram a ser os dominadores do
país, e os sumos sacerdotes e escribas continuaram a subjugar os pobres do
povo, sob o pesado jugo da lei.
3 Todos os que pertenciam ao Senhor, porém,
carregavam imperceptivelmente o Reino de Deus em seus corações. A carga
terrestre não foi tirada deles, ficou ainda mais pesada, mas o que aquele reino
oferecia era uma força encorajadora que tornava o jugo macio e o fardo leve. O
mesmo é verdade hoje com todo filho de Deus. A vida divina que se ilumina na
alma é a luz que brilha nas trevas, o milagre da véspera de Natal. Aquele que
carrega essa luz com ele entende o que é dito sobre isso; para os outros, no
entanto, tudo o que se diz dela é uma tagarelice ininteligível. Todo o
Evangelho de São João é um canto à Luz eterna que é ao mesmo tempo vida e amor.
Deus em nós e nós Nele, esta é a nossa participação no Reino de Deus, cujo
fundamento foi lançado com a Encarnação do Verbo.
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