Procuremos analisar, por exemplo, a invocação "Cor Mariae, in quo Jesus sibi bene complacuit", que em português poderíamos traduzir assim: Coração de Maria, no qual o Coração de Jesus bem se compraz.
Plenitude de satisfação
Devemos começar por
observar que este “bem” salienta a idéia do inteiro e perfeito comprazimento de
que nos fala a jaculatória. Ou seja, o
Coração de Maria possui uma tal excelência que, tanto quanto é possível à natureza
criada, nada lhe falta, e por isso nele Nosso Senhor encontra uma satisfação
completa, que não conhece névoa, que não tem limites nem máculas. Excetuando o
fato de que o contentamento infinito de Jesus é e só pode ser com o próprio
Deus, em tudo o mais Ele acha total alegria no coração e na pessoa de sua Mãe
Santíssima.
Quer dizer, Nosso Senhor
fita a Santíssima Virgem, olha-A, e ao vê-La, ao contemplá-La, ao analisá-La,
experimenta o maior dos prazeres, um deleite indizível, que sobrepuja todas as
outras delícias que Lhe proporciona a consideração de suas demais criaturas.
Não poderia ser
diferente, em se tratando d’Aquela que foi escolhida, desde toda a eternidade,
para engendrar em suas entranhas virginais o Filho de Deus; d’Aquela, portanto,
em que tudo haveria de ser absolutamente puro e perfeitamente magnífico. Em
todos os momentos de sua vida terrena, Ela não deixou de crescer em santidade,
de um modo inimaginável. Cada graça que Deus lhe concedeu para se adiantar na
virtude era correspondida com tal excelência que todo o progresso feito por Ela
é insondável para a mente humana.
Assim, em todos os
instantes da existência de Nossa Senhora neste mundo, Jesus teve com Ela um
contentamento perfeito.
Mesmo nas ocasiões mais
difíceis como, por exemplo, quando Ela se viu chamada a consentir na morte de
seu Divino Filho, e através de uma anuência inteira, heróica, da qual não
sobrasse nenhum resíduo, mesmo em situações como essa o procedimento de Maria
foi perfeito, no sentido mais exato da palavra. Porque Ela era, enquanto mera
criatura, absolutamente exímia. E, como reza a Ladainha, Nosso Senhor encontrou
n’Ela a sua complacência.
Uma
lição da sabedoria divina
Do fato desse
comprazimento podemos tirar uma bela lição que Deus dá aos homens.
Com efeito, criou Ele
magnificências materiais extraordinárias. Quantos mistérios haverá por todas as
galáxias do universo? E quando nos detemos na análise dos micro-organismos, dos
seres pequenos, quantas novidades imensas se descobrem ao nosso maravilhamento!
Todo esse fabuloso conjunto, incluindo os homens e os Anjos, constitui para
Deus o objeto de uma eterna contemplação.
Ora, tendo Ele tanto a
apreciar, todavia coloca acima de tudo, como fonte do supremo gáudio que pode
tirar de suas criaturas, a consideração de Nossa Senhora. Ela que, enquanto ser
criado, não é o mais alto – pois na ordem da natureza o homem vem abaixo
espírito angélico -, porém, do ponto de vista da graça, virtude e santidade,
não só está acima de todos os Anjos, como é deles Rainha. É essa incomparável
santidade, portanto, que Deus se compraz em considerar, e em auferir dela uma
especial e completa felicidade.
Qual lição que daí
devemos colher?
É um ensinamento que
combate o nosso fundamental materialismo. Infelizmente, a grande maioria dos
homens está imbuída da idéia de que o verdadeiro prazer nesta vida Consiste na
posse de bens materiais, de qualquer natureza que seja: dinheiro, saúde e uma
série de outras coisas que estão fora das vidas da verdadeira felicidade do
homem nesta terra.
Com efeito, sem engano
podemos dizer que, nesta vida, encontra a felicidade autêntica quem é capaz de
seguir o exemplo de Deus e fazer a sua alegria da consideração das outras almas
e da virtude que nelas exista. O homem que passa pelo mundo procurando a virtude
e a santidade para admirá-las, amá-las e servi-las, onde ele as encontra, aí se
detém e põe seu prazer e seu júbilo. De maneira tal que ele tenha mais
satisfação em estar numa choupana ou num leprosário conversando com um
verdadeiro santo, do que no local mais magnífico em meio a pecadores.
Por quê? Porque o santo
representa um particular reflexo, uma transparente manifestação de Deus. A alma
de um santo possui uma perfeição que nenhuma beleza criada tem, e, por causa
disso, aquele que sabe procurar os verdadeiros valores da vida, vai atrás da
santidade, da perfeição moral dos seus semelhantes.
E quando a encontra, ela
dá graças a Deus, eleva sua alma a Nossa Senhora e agradece também a Ela,
porque é pelo seu maternal auxílio e intercessão que aquela santidade existe
numa alma, e foi por meio d’Ela que ele, homem humilde e admirativo, teve a
alegria e a honra de encontrar essa alma virtuosa. Ele teve a glória de
experimentar um antegozo do céu, que é o conhecer, nessa vida, um verdadeiro
santo.
Sigamos
o exemplo de Nosso Senhor
Tratemos, então, de
imitar a Deus, que se compraz na alma perfeitíssima de Maria.
Devemos procurar, em
nossa existência terrena, as almas honestas, conhecê-las, amá-las e saber
discernir nelas o esplendor do bem. Devemos nos alegrar com essa bondade, até
mesmo comparando-a, contrastando-a com o que há de mal em torno dela. Devemos
ter genuíno comprazimento ao ver que Nosso Senhor recompensa a virtude dessas
almas que Lhe são tão diletas, assim como importa que compreendamos e aceitemos
a reprovação que Ele, em sua infinita justiça, reserva à maldade impenitente. É
o Deus três vezes santo, absolutamente puro e superior, que condena o que é
errado, porque não é conforme a Ele.
Quantos ensinamentos a
se tirar de apenas uma das mencionadas invocações! Essa é a beleza inexcedível
de tudo o que é de Deus, é a insondável formosura de Nossa Senhora, é o
maravilhoso tesouro dos princípios da doutrina católica!
Embora muito houvesse
ainda por aprender com as preciosas verdades contidas nessa jaculatória, creio
não poder deixar de ressaltar o seguinte e importante aspecto: o enlevo de
Jesus em relação à sua Mãe Santíssima, infinitamente inferior a Ele e por Ele
amada com amor inexprimível, mostra-nos bem como devemos procurar ver a
santidade até naqueles que são inferiores a nós. Amar essa perfeição,
enlevar-se com ela, é, mais uma vez, imitar o exemplo de Deus olhando para
Nossa Senhora.
E no fim dessas breves
considerações, só nos resta elevarmos uma prece filial e confiante ao objeto da
inteira complacência de Jesus:
“Ó Coração Imaculado de
Maria, fazei o meu coração sem mancha, cheio de fé, de força, de heroísmo e
santidade, como o vosso!”
(Extraído da revista “Dr. Plínio”, nº 54, setembro de 2002)
Nenhum comentário:
Postar um comentário