(COMENTÁRIOS DE DR. PLINIO SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA - 20)
No linguajar comum do homem hodierno, certos
conceitos como os de esplendor, de pompa e glória, tendem a se confundir com a
idéia de riqueza e a reduzir-se, em última análise, a uma questão econômica.
Ora, a Anunciação ocorreu numa casa pobre,
mas foi um episódio esplendoroso, pois nele deu-se a conhecer o nascimento
milagroso de um Menino, o qual reinaria no trono de David e teria o império
sobre toda a Terra nos séculos futuros.
As cogitações de Nossa
Senhora sobre o mistério que Lhe era anunciado
As interrogações de Nossa Senhora – “Se Eu
não conheço varão, como dar-se-á isso?” – nos leva ao seguinte pensamento: ou
Ela havia recebido de Deus a revelação de que seria sempre virgem, ou, pelo
menos, sentira profundamente na alma o convite para a virgindade perpétua e não
restava a menor dúvida de que este chamado vinha de Deus.
Estava implícito em suas palavras esta
reflexão: “Sei que para conciliar essas atitudes aparentemente contraditórias
de Deus – que me inspira a virgindade, porém me quer como mãe do Salvador -,
acontecerá uma maravilha, porque Ele nunca se contradiz”.
O Evangelho narra que Ela cogitava sobre o
que seria essa saudação.
Maria não colocava em dúvida que aquele Anjo
viesse realmente da parte de Deus, pois o tratou como um emissário do
Altíssimo. Mas a cogitação d’Ela incidia sobre o mistério incidente na
saudação: como explicar que seu Filho pudesse ter todo aquele poder que Lhe era
anunciado?
Como descendente de David, Nossa Senhora sabia
que o Filho d’Ela nascido também o seria. Tinha ciência e que São José, seu
esposo, era da mesma estirpe real, e que, embora o Menino não nascesse dele,
seria descendente do Rei-Profeta segundo a lei.
Há uma bonita expressão usada pelos teólogos:
“Caro Christi, caro Mariae” – a carne
de Cristo é a carne de Maria. Ou seja, d’Ela Jesus herdou a carne e o sangue do
grande monarca de Israel.
Ao se ler a narração evangélica, fica-se com
a forte impressão de que Nossa Senhora cogitava notadamente sobre o significado
das palavras “lhe dará o trono de David”, e sobre a natureza do reino que seria
outorgado a seu Filho. Daí a sua interrogação: tratava-se do nascimento do
Messias, cuja vinda Ela tanto ansiava?
A resposta do Anjo começa por dizer: “Não
temas, ó Maria!”
Ela tinha, portanto, um certo temor.
Como se explica que, concebida sem pecado
original, e isenta de qualquer imperfeição moral, Ela pudesse ter medo de um
Anjo?
A presença de um espírito angélico, e
sobretudo de um Arcanjo, é algo de tal densidade que deixa perplexo o ser
humano. Era natural que Maria sentisse todo o peso da presença do mensageiro
celeste. Porém, não foi o Anjo que Lhe causou temor, mas a comunicação da
impressionante missão que a Ela cabia, pois na sua humildade teve receio de não
corresponder de modo perfeito aos sublimes desígnios de Deus.
Mas a explicação do Anjo: “Tu encontraste
graça diante de Deus”, inundou-A de tranqüilidade e paz.
Os exegetas afirmam que no momento em que Ela
proferiu o “Ecce ancilla Domini”, o
Espírito Santo concebeu Nosso Senhor no claustro imaculado da Santíssima
Virgem.
Assim, daquele diálogo, tão simples mas tão
belo, teve como esplendorosa conseqüência a Encarnação do Verbo.
A vida e as
cogitações de Nossa Senhora em Nazaré
Nossa Senhora guardou as promessas do Anjo no
interior de sua alma, e ao ver o Menino Jesus, segundo expressão do próprio
Evangelho, crescer em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens,
naturalmente pensava na missão que Lhe estava reservada.
Sabendo que seu Filho era Deus, Nossa Senhora
julgava explicável que Ele obtivesse os êxitos mais retumbantes e
extraordinários. E terá Ela pensado, ao ver Jesus se tornar moço, que em certo
momento Ela sairia de casa paterna para dar cumprimento à sua missão?
Porém, essa hora ainda demoraria a chegar.
Durante trinta anos, Ele quis viver
apenas com Ela e São José. Ao que tudo indica, o chefe da Sagrada
Família faleceu antes de Nosso Senhor começar sua vida pública. A tradição nos
atesta que Nossa Senhora e Jesus estavam
presentes à cabeceira de São José no momento de ele exalar seu derradeiro
suspiro: razão pelo qual, o grande Patriarca é também o padroeiro da boa morte.
Como gostaríamos de assistir essa cena! Um
leito pobre, Nossa Senhora de um lado, e de outro, Nosso Senhor, atraindo para
Si a atenção de Maria e a do moribundo, aos quais dirigia sublimes palavras de
conforto. Nossa Senhora, com sua insondável solicitude, servia a São José,
orando por ele e também o consolando... Que revoada de Anjos!
Em certo momento, as sombras da morte se
tornam mais próximas. São José começa a notar que aquele convívio, para ele até
certo ponto um Céu, iria cessar. Mas, de outro lado, sabia que lhe aguardava
uma gratíssima missão: chegando ao Limbo dos Patriarcas, anunciaria que o
Messias se tinha encarnado no seio da Virgem Maria. Provavelmente, só com a
menção dos nomes de Jesus e de Maria aquele lugar inteiro se teria iluminado...
Após a morte de São José, Nossa Senhora terá
pensado a respeito de Jesus:
“Quando começará Ele sua vida pública, e
cessará nosso convívio? Com quem ficarei? Que notícias terei d’Ele? Quando terá
início o seu Reino? Assistirei a implantação dele, estando ainda na Terra ou já
no Céu?
“Inúmeras vezes, conversando com Ele, notei
que sua fisionomia foi se tornando mais tristonha. E na medida em que a
tristeza pode ser comparada a uma sombra, foi se tornando sombria. Ele me tem
falado de um imenso sacrifício que deve padecer. Sei que é a morte de Cruz, à
qual se referem as Escrituras, e que Ele mesmo já me anunciou. Vejo-me, de um
lado, cercada de esplendor, e de outro, da perspectiva do fracasso tenebroso”.
Passam-se os dias, os meses e os anos...
Trinta anos viveu Jesus sob o mesmo teto com Ela, adornando sua alma com
maravilhas cada vez maiores.
Um dia – pode-se conjeturar - Ele se aproxima d’Ela e, com veneração e
carinho ainda mais intensos, envolvendo-A com o olhar, Lhe diz: “Minha Mãe,
chegou o momento!”
Talvez tivesse dito isso com um sorriso cheio
de saudades, mas saudades antecipadas, cheias de sorriso. Era a missão d’Ele
que ia começar e desfecharia na sua glória.
Ele sabia que, essencialmente, caminharia em
direção à Cruz. Mas nesse percurso recrutaria os Apóstolos, os discípulos e
todos os elementos da Igreja nascente. Pregaria durante três anos sua
maravilhosa doutrina, praticaria milagres que haveriam de impressionar e
persuadir o mundo inteiro, fundaria a Igreja, instituiria os Sacramentos. E
depois morreria...
O que Mãe e Filho se terão dito nessa
despedida? Terá sido uma surpresa que durou um minuto? Ou Ele A avisou com um
mês de antecedência?
Nessa hipótese, para Nossa Senhora esse mês
terá parecido um minuto, porque Ela quisera uma despedida muito mais
prolongada?
São maravilhas que nos serão reveladas no
Céu, e diante das quais não temos
palavras para manifestar nossa veneração e adoração.
Após Nosso Senhor ter iniciado a vida
pública, Nossa Senhora é procurada pelas santas mulheres e se incorpora a essa
família de almas cujos cuidados Jesus Lhe confia.
“Conversas” de Nossa
Senhora com o Espírito Santo
Todas essas considerações nos parecem de
extrema beleza. Porém, como são
restritas diante de realidades ainda mais altas!
Sabemos, por exemplo, que Nossa Senhora é a
Esposa do Divino Espírito Santo. Quantas graças a Terceira Pessoa da Santíssima
Trindade Lhe concedia, para que conhecesse e meditasse em tudo quanto
acontecia?
Quantas perguntas não terá feito ao Divino
Consorte, dirigindo-se a Ele com as palavras: “Meu Rei, meu Senhor e meu
Esposo?”
Se o relacionamento d’Ela com seu marido
segundo a lei, São José, era tão bonito e tocante, como não terá sido com o
Divino Espírito Santo?
Por exemplo, no momento da Encarnação, Ele se
tornou Esposo d’Ela. Ora, no ato dos desponsórios, o homem oferece à sua mulher
um presente magnífico. Que dádiva extraordinária o Divino Espírito Santo terá
concedido a Maria? Que graças? Que esplendores? Tal escapa à nossa pobre
imaginação...
Esperanças e
apreensões de Nossa Senhora
Durante a vida pública, ao contemplar as
pregações e milagres de Nosso Senhor, parecia a Nossa Senhora que a promessa da
glória estava se realizando. Mas, de outro lado, com seu discernimento dos
espíritos incomparável, Maria Santíssima percebia que Satanás rondava pelo
ambiente, e sentia o ódio que ele incutia em algumas almas.
Pensemos noutra circunstância. Como diz São
Tomás de Aquino em seu belíssimo hino eucarístico Lauda Sum: In suprema nocte cenae, na última noite da ceia, véspera
da Paixão, recumbens cum fratribus, estando
sentado com os irmãos, que são os Apóstolos, Nosso Senhor celebrou a primeira
Missa.
Provavelmente, Nossa Senhora se encontrava no
Cenáculo, e recebeu também a Comunhão. Que maravilha não terá sido a Primeira
Comunhão de Nossa Senhora! Mas, Ela ouviu igualmente a terrível profecia: “Um
de vós há de Me trair”. Viu Judas sair de modo apressado do Cenáculo, com essa
intenção. O Evangelho narra a cena de
modo tocante, com palavras que têm um caráter muito simbólico: “Fora, era
noite...”
Ela viu Nosso Senhor sair em seguida. Talvez
Ele tenha se despedido d’Ela. Ter-Lhe-á dito que era chegada sua hora, ou A
deixou na dúvida?
Ele e os discípulos se retiraram depois de
terem cantado um hino pascal, e penetraram naquela mesma noite, na qual ecoavam
os passos de Judas.
O que terá acontecido com Nossa Senhora nos
instantes seguintes?
Provavelmente, o fundo de quadro da meditação
d’Ela eram as promessas de triunfo recebidas na Anunciação.
Porém, havia o preço da glória, não
mencionado pelo Arcanjo naquele jubiloso encontro, e esse preço era a dor.
Pensemos, então, na Virgem Dolorosa, na hora
mais terrível da Paixão, no meu entender o momento em que Nosso Senhor exclamou
em altos brados: “Meu Pai, Meu Pai, por que Me abandonastes?”
É um brado de sofrimento e de dilaceração,
mas são também as palavras iniciais de um Salmo cujo triunfante tom final
parece prenunciar a Ressurreição.
Que sentimentos terão ido na alma santíssima
de Maria, ao ouvir esse clamor de Jesus?
Por outra parte, Ela vislumbrou, antes da
morte d’Ele, o primeiro clarão de alegria, quando O ouviu dizer ao bom ladrão:
“Hoje estarás comigo no Paraíso”.
Essa afirmação significava que Nosso Senhor
nunca perdera de vistas, mesmo em meio às dores mais lancinantes, que Ele
estava assim abrindo para a humanidade as portas do Céu.
As promessas divinas
se realizam em meio a aparentes desmentidos
Das presentes reflexões nos é dado tirar uma
conclusão que pode ser resumida em poucas palavras.
Com a Anunciação, foi comunicada a Nossa
Senhora, e através d’Ela a todo o gênero humano, a Encarnação do Verbo. Com o
seu “Sim!”, o Verbo se fez carne e habitou entre nós.
No dia da Anunciação, a Palavra de Deus raiou
num amanhecer de alma repleto de louçania, com promessas superlativas.
Mas se as promessas de Deus suscitam as mais
alegres esperanças, elas soem passar também por aparentes e terríveis
desmentidos. É o modo de agir da Providência.
Nesse sentido, a Anunciação foi também a
proclamação de que a autêntica glória não consiste em não sofrer humilhações e
derrotas, mas, sim, em lutar pela Verdade.
A alma santíssima de Nossa Senhora, habituando-se
às promessas, às alegrias e aos desmentidos, constitui para os católicos o
sublime exemplo de submissão à vontade de Deus, manifestada por Ela, de modo
inigualável, no humilde “Fiat” que ecoou por toda a sua vida.
(Revista “Dr.
Plínio”, n. 72, março de 2004)
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