Várias são as invocações
da Bondade divina de Nosso Senhor, todas elas sob a denominação do Bom Jesus, e
todas representadas por Ele pregado na Santa Cruz. Por que? Porque foi desta forma que Nosso Senhor
consumou sua Bondade no ponto mais alto, expressão última de suas perfeições
divinas. A maldade humana junto com a diabólica tramou de tudo para ocultar sua
Bondade: pregou-lhe as mãos e os pés (que tanto bem fizeram aos homens) no
madeiro, desfigurou Seu semblante com uma ignóbil e torturante coroa de
espinhos, expôs Seu sagrado corpo à nudez e aos açoites. Mas refulgiu mais ainda Sua infinita Bondade
quando deixaram abrir seu peito e mostrar Seu Coração Sagrado, com uma ferida
enorme aberta, derramando sobre os homens e toda a Criação uma torrente infinita
de graças.
Nos momentos finais de Seu martírio, achou
Ele oportunidade para praticar os atos mais representativos de Sua
Bondade. Ao ver-se despido e carregado
aos tropeços para ser pregado na Cruz, dirigiu a oração de misericórdia para os
seus esbirros, dizendo: “Perdoai-os, pois não sabem o que fazem”. Estava implícito
que aqueles que “sabiam o que fazem” não estavam incluídos naquele perdão. Para
estes, a Santíssima Trindade previra o primeiro juízo, pois assim tais pessoas
ficariam aferradas aos pecados e despojados dos dons da graça. A seguir seguem
os outros seis juízos, dos sete que Deus exerce sobre os homens, conforme
definição feita por São Boaventura.[1]
Depois, por um gesto magnânimo, entregou Sua
Mãe aos cuidados do discípulo que mais amava, São João, dizendo: Mulher eis aí
teu filho; filho, eis aí tua Mãe. Nosso Senhor entregava Sua Santa Mãe para que
adotasse os homens de bem, os filhos da luz, representados por São João. Estes, sob a proteção de Maria, ficariam
livres do juízo da obcecação, castigo que só seria imposto aos hereges,
cismáticos e ímpios, os quais não têm Maria por mãe.
Um dos ladrões, de coração duro como pedra,
dizia: “Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós”. De quem tinha ele
ouvido tal frase? Da turba de fariseus que estavam aos pés das cruzes
blasfemando contra Cristo, cujos corações eram tão duros quanto o do mau
ladrão. Esta dureza de coração era o castigo por causa de seus pecados, “o
terceiro juízo” divino sobre aquele povo.. Quanto ao outro ladrão, inspirado
pelo Espírito Santo, rebatia tal dureza com o temor de Deus: “Nem sequer temes
a Deus, estando na mesma condenação? Quanto a nós, é de justiça; estamos
pagando por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal”. E acrescentou: ”Jesus,
lembra-te de mim, quando vieres com teu reino”. Ele respondeu: “Em verdade, eu
te digo, hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 39-43). São Dimas referiu-se
ao “teu reino” no momento da morte,
aspirando portando o eterno. Provavelmente ouvira Nosso Senhor dizer a Pilatos:
“o meu reino não é deste mundo”. Surgia naquele instante a vocação mais
fulminante da História: em breves momentos o homem se converte, se santifica e
se salva.
O brado do abandono, “Eli Eli l’ema
sabactha’ni”, meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes! É em parte um
lamento porque o Corpo e Alma de Cristo, assim como Seu Corpo Místico ali
presente ao pé da Cruz, haviam sido abandonados, estavam entregues à própria
sorte. Mas, na realidade, trata-se de um salmo de Davi, que se inicia com um lamento
e termina como canto de vitória: “Ó meu Deus, olha para mim, por que me
desamparaste?”. Provavelmente, Nosso Senhor continuou a rezar o salmo
silenciosamente, que termina assim: ”A geração que há de vir será anunciada
ao Senhor, e os céus anunciarão sua justiça ao povo que há de nascer, e que o
Senhor formou” (Sl 21), quer dizer, “a geração que há de vir” era a Santa
Igreja que ali nascia. Este desamparo
não pode ser comparado com o quarto juízo de Deus, o qual expõe o pecador
sujeito às tentações e ao pecado porque se apegou a ele, enquanto que o
desamparo a Cristo foi apenas o abandono do conforto material e humano. Estavam
“ipso facto” entregues ao abandono da graça divina todos os que não
pertencessem à Igreja.
Do alto da Cruz, Nosso Senhor lança o brado:
tenho sede! Enquanto manifestava Ele ali sua sede de almas, a Santíssima
Trindade julgava o povo deicida com o juízo da dissipação, pois haviam recebido
os dons para obrar o bem e só obravam o mal, e nele havia morrido aquela sede
de almas. A partir daquele momento, nada mais conseguiriam amealhar de
quaisquer bens, sejam caducos ou, principalmente, espirituais. O povo deicida,
por haver rejeitado a Graça, tornou-se dissipador e nada juntou, estando
sujeito aos castigos que lhe vieram com a dispersão pelo mundo, o que se chamou
depois de diáspora. A sentença ou juízo foi dada com o Profeta Malaquias: “Por isso, como não guardaste os
meus caminhos, e, quando se tratava de sentenciar, segundo a minha lei,
fizestes acepção de pessoas, também eu vos tornarei desprezíveis e vis aos
olhos de todos os povos”. (Mal 2, 9).
Por duas vezes Nosso Senhor Jesus Cristo dirá
a frase “Está consumado!” A primeira foi
do alto da Cruz e a segunda será no Juízo Final, conforme consta no Apocalipse:
O sétimo anjo derramou a sua taça pelo ar, e saiu uma grande voz do
templo (vindo) do trono, que dizia: está feito (Ap. 16, 17). A Obra divina estava consumada eternamente, a
Igreja estava ali nascendo. Judas deve ter caído no juízo da desesperação neste
momento, assim como muitos dos judeus deicidas.
Era o sexto juízo de Deus para muitos. Em breve os túmulos iriam
abrir-se para os Santos profetas acusá-los de seus pecados
Finalmente, o Salvador lança o brado final:
“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Com esta entrega, Nosso Senhor
conquista por seu próprio mérito o título de Juiz, com que Ele mesmo se
proclamava de “Filho do Homem”. Todo
pecador passava a ficar sob seu julgamento no momento da morte, podendo obter d’Ele
a condenação ou salvação eterna. Junto
com o Salvador, os Profetas e Santos Patriarcas abriram seus túmulos para
exercerem o último julgamento sobre aquele povo. O espectro da morte vem à
mente de todos naquele momento, seja através do eclipse, do terremoto ou dos
corpos ressurretos. Eram recursos extremos da graça divina para despertar
naqueles homens o Temor de Deus. Para aquele que nada disso surtia efeito, caia
o juízo da condenação eterna.
“Cristianus alter Christus”
Qual a razão
pela qual fizemos aparente digressão a respeito da Bondade de Jesus Cristo,
narrando especialmente a forma como confrontava a opinião dominante dos judeus
de sem tempo? É que Nosso Senhor Jesus
Cristo é o nosso Modelo máximo de perfeição, é a forma acabada e perfeita da
Bondade que devemos seguir para cumprirmos nosso destino aqui na terra. Devemos procurar imitá-Lo em tudo, fazendo
d’Ele um exemplo para que possamos como que nos identificarmos com Ele.
Repetimos apenas antiga
fórmula de ascética cristã: “Cristianus alter Christus”, o cristão deve ser um
outro Cristo, Isto é, deve procurar imitá-Lo em tudo. Devemos procurar praticar
uma bondade que se assemelhe com a dEle, embora saibamos que, como meros homens
pecadores, nunca chegaremos a atingir a milionésima parte de sua infinita
perfeição.
O doce e santíssimo nome de
Jesus
Encerremos com as palavras de São Bernardino
de Sena:
“Deram-lhe o
nome de Jesus” (Lc 2, 21)
“Ainda que
seja inefável o nome santíssimo de Jesus que foi imposto na Circuncisão a
Cristo Senhor, Redentor do gênero humano, todavia para não nos calarmos
completamente em tão grande solenidade, alguma coisa apresentaremos em louvor e
glória de tão grande nome, diante do qual “todo o joelho se dobra nos Céus, na
Terra e nos Infernos” (Fil. 2, 10).
Porque tão grande é a consolação da alma que se alegra em Cristo, que a pobreza
se torna como riquezas, a aspereza como delícias e a vileza como honras, e pelo
Seu nome todos os suplícios se fazem
para ela doces.
“Na verdade,
diz-se por causa desse nome: “Saíram da sala do Sinédrio cheios de alegria por terem
sido considerados dignos de sofrer vexames por causa do nome de Jesus” (At 5, 41). Portanto, se mergulha na tua
mente o negrume da tristeza, se está iminente uma grave e violenta tempestade,
se as costas do mar ribombam com terrível e horroroso mugido, se são batidas as
praias do oceano, e se também a nau está invadida pelas ondas, invoca Jesus,
que se julga estar a dormir nos navios, mas é um Jesus que nem dorme nem
dormita; e com toda a Fé diz-lhe: “Levanta-te, Senhor Jesus!” (Sl 3, 7).
“Oh nome de Jesus exaltado acima de todo
o nome, oh gozo dos Anjos, oh alegria dos justos, oh pavor dos condenados: em Vós está a esperança de qualquer perdão,
em Vós toda a esperança da indulgência, em Vós toda a expectativa de glória. Oh
nome dulcíssimo, Vós dais perdão aos pecadores, renovais os costumes, encheis
os corações de doçura divina. Oh nome desejável, nome admirável, nome
venerável, Vós, nome do Rei Jesus, assim levantais ao mais alto dos céus os
espíritos, que todos os que principiam a ter devoção a este nome, graças a Ele
encontram a glória e a salvação, por Jesus Cristo Nosso Senhor. [2]
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