SUPER HANC PETRAM
AEDIFICABO ECCLESIAM MEAM
Plínio Corrêa de
Oliveira
Hoje é a festa de
São Pedro e São Paulo. Estamos festejando o 19º Centenário do martírio dos dois
Apóstolos.
A respeito dos
apóstolos São Pedro e São Paulo, D. Guéranger, no Année Liturgique, tem essas
palavras:
“Pedro e Paulo não
cessam de ouvir a prece de seus devotos. O tempo não diminuiu seus poderes, e
mais no Céu que outrora na terra, a grandeza dos interesses gerais da Igreja
não os absorve a ponto de negligenciarem o menor dos habitantes dessa gloriosa
cidade de Deus, da qual foram e permanecem príncipes. Um dos triunfos do
inferno em nossa época foi o de ter adormecido, nesse ponto, a fé dos justos. É
preciso insistir para terminar esse sono funesto, que nos levará ao
esquecimento de que o Senhor quis confiar a homens o cuidado de continuar a Sua
obra e representá-lo visivelmente na terra.
Santo Ambrósio
exalta a ação apostólica sem cessar eficaz e viva da Igreja, exprime com
delicadeza e profundidade o papel de Pedro e Paulo na retificação dos eleitos.
A Igreja, diz ele, é um navio onde Pedro deve pescar e nessa pesca ele recebe
ordens de usar ora a rede, ora anzol. Grande mistério, porque essa pesca é toda
espiritual. A rede protege, o anzol fere, mas a rede é multidão, o anzol o
peixe solitário. O bom peixe não repele o anzol de Pedro; ele não mata, mas
consagra. Preciosa ferida a sua, que no sangue faz encontrar a moeda necessária
ao pagamento do tributo do apóstolo e mestre.
Alusão ao fato do
Evangelho.
Então, não te
subestimes porque teu corpo é fraco; tens da tua boca do que pagar para Cristo
e sua Igreja e para Pedro.
Porque um tesouro
está em nós: o Verbo de Deus. A confissão de Jesus o põe em nossos lábios. É
por isto que Ele diz a Simão: Vai ao mar alto, isto é, ao coração do homem,
porque o coração do homem em seus recônditos é como as águas profundas. Vai ao
mar alto, isto é, a Cristo, porque Cristo é o reservatório profundo das águas
vivas no qual estão os tesouros da sabedoria e da ciência.
Todos os dias Pedro
continua a pescar. Todos os dias o Senhor lhe diz: vai ao mar alto. Mas
parece-me ouvir Pedro: Mestre, trabalhamos toda a noite, sem nada conseguir.
Pedro sofre em nós quando nossa devoção é trabalhosa.
Paulo está também
em luta. Vós o ouvistes hoje dizendo: Quem está doente sem que eu também não
esteja doente? Fazei de forma tal que os apóstolos não tenham que sofrer por
vossa causa”.
São muito bonitas
as palavras e poderíamos fazer um comentário sobre cada uma delas. Uma é essa
primeira parte, essa referência interessante de D. Guéranger de que a
Providência permitiu que a fé dos justos se tornasse sonolenta quanto ao papel
que do alto do céu São Pedro e São Paulo desenvolvem para o bem da Igreja
Católica e para a salvação das almas.
É curioso, mas a
devoção aos Apóstolos caiu muito, exceção feita a São Judas Tadeu, que era
exatamente um Apóstolo quase desconhecido e havia assim da parte de algumas
pessoas uma espécie de estranheza instintiva: não sabiam se não era Judas - não
o Santo - representado com outra massa no Colégio Apostólico. Com essa exceção,
a devoção aos outros Apóstolos caiu muito.
E essa queda é tudo
quanto se possa imaginar de menos razoável, porque é evidente que a missão desses
Apóstolos não diminui com o tempo. Pelo contrário, deve-se entender que essa
missão se mantém íntegra até o fim dos tempos. Porque não foram apóstolos
apenas de uma época, não foram apenas pessoas que salvaram as almas numa
ocasião, mas são os que estão logo depois de Nosso Senhor Jesus Cristo e que
contêm em seu apostolado todas as épocas, porque fizeram uma espécie de
implantação da Igreja nos lugares onde Ela depois floresceu.
Compreendemos,
portanto, que a devoção a eles é mais do que razoável. E devemos ver nessas
palavras de D. Guéranger uma ocasião para nos recomendarmos a eles, pedirmos
graças a eles, de maneira tal que sejamos atendidos e com esse atendimento se
afervore nossa devoção. Esta é a primeira consideração.
Há uma outra
consideração: é uma comparação entre a pesca milagrosa e o papel de São Pedro e
São Paulo. Parece-me interessante notar aqui aquela distinção entre apostolado
de rede e apostolado de anzol, que costumamos usar em nossa linguagem.
Apostolado de rede são certas campanhas gerais que se destinam a atrair muita
gente.
Apostolado de
anzol, ou de pinça -- o anzol não é senão uma pinça aquática -- é feito para
pegar este ou aquele ou aquele outro. E assim temos duas modalidades de
apostolado aqui expressas. Ele fala a respeito do apostolado de rede e depois
do anzol, e quando fala do anzol tem palavras muito bonitas. O anzol fere,
machuca a boca do peixe, mas com o sangue com que o peixe se apresenta, vem o
pagamento da conversão.
Isto quer dizer que
muitas vezes há conversões duras, conversões ao longo das quais a pessoa sofre,
sangra, mas essas conversões feitas com sangue vêm trazendo consigo o preço de
si mesmas. O sangue paga a dívida daquele que deve ser convertido. Esse é um
tipo de conversão e é uma conversão que se opera por meio da dor.
Mas há outro tipo
de conversão que se opera de um modo mais largo, de modo menos dolorido, que é
pela rede. Pega-se um mundo de gente, e a ação da misericórdia é mais palpável.
Então, vê-se aí um grande número de pessoas convertidas, e convertidas com
pouca dor.
Os senhores têm
exemplo maravilhoso disso na Idade Média, onde se notava que pela conversão dos
reis, de certos reis, nações inteiras se convertiam. O reino dos francos, por
exemplo, o reino dos poloneses e assim outros reinos, os reinos ânglicos, etc.
O reino inteiro se convertia. É claro que não se podia imaginar que cada um
daqueles homens passasse por um drama horroroso até se converter. Mas era a
rede que era deitada e que trazia um mundo, uma multidão de peixes para dentro
da Igreja Católica.
Uma outra
referência bonita é a que diz aqui a respeito de não conseguir nada. São Pedro
e São Paulo sempre tiveram enorme dificuldade em seu apostolado e depois
tiveram resultados extraordinários. Não foram apostolados fáceis, não foi
apostolado tipo happy end, certo tipo de apostolado, falso apostolado, como
fazem certos liturgicistas.
Essa gente gostava
de contar: foi a uma fábrica, e falou com fulana. “Amigos, bom dia”, e todos
responderam “bom dia”. E daqui a pouco toda a fábrica estava convertida...
É o contrário que
acontece. É apostolado difícil, apostolado pedregoso, em que a gente deve
continuamente pedir a Nossa Senhora que nos alcance a bênção de Deus para nosso
apostolado. Sem esse auxílio especial, esse apostolado tão pedregoso não rende
nada.
Há uma bonita prece
do Cardeal Merry del Val, em que ele pede para ter sempre em mente que Deus
estava na origem do apostolado dele - quer dizer, é quem lhe tinha dado as
graças, quem lhe tinha dado a idéia, quem lhe tinha dado os meios para iniciar.
Deus estava no meio, porque era a ação de Deus, obtida pelas preces de Nossa
Senhora, que determinava os auxílios que faziam progredir o apostolado, e Deus
era o fim do apostolado, Aquele a quem o apostolado deve servir.
Devemos nos lembrar
disso. Se tivermos isso bem em mente, estaremos fazendo como São Pedro, que
pediu o auxílio de Deus e a rede estalou de tão cheia. Se não tivermos isto em
mente nosso apostolado corre o risco de ser minguado, corre o risco de ser um
apostolado ilusório. Por quê? Porque exatamente a graça de Deus não veio.
Então, a referência à pesca milagrosa vem muito a propósito para termos isto em
mente; para termos, ao longo de nosso apostolado, aquela humildade, aquele
espírito sobrenatural, para compreendermos que de nós para nós não somos coisa
nenhuma e que na ordem sobrenatural não conseguimos nada; na própria ordem
natural precisamos o auxílio de Deus.
Então, nos
recomendarmos a Nossa Senhora, que é a Medianeira onipotente, para que Ela nos
alcance - porque nossas preces sem Ela de nenhum modo alcançariam porque não
merecemos. Então, tudo isto redunda na glória de Nossa Senhora e no desejo de
nos acercarmos cada vez mais a Ela, como sendo nossa Mãe muito afável, mas
onipotente enquanto suplicante, Aquela cuja oração pode tudo e que nos pode
alcançar tudo aquilo que devemos desejar.
(Legionário, 25 de junho de 1944, n. 610, 1ª página)
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