Mais do que os castigos
divinos, os Anjos têm sido portadores de muitas bênçãos para os homens. Uma delas
foi a Anunciação. A mais importante das comunicações angélicas foi a que São
Gabriel fez à Santíssima Virgem, a Anunciação, que é contada com encanto pela
Legenda Dourada, com comentários de São Bernardo:
“Disse, pois, o anjo a Maria: “Deus te Salve, cheia de graça”. Comentário de São Bernardo:
“Cheia da graça da divindade em seu ventre; da graça da caridade em seu
coração; da graça da afabilidade em sua boca; da graça da misericórdia e da
generosidade em suas mãos... Verdadeiramente cheia; e tão cheia, que de sua
plenitude recebem todos os cativos, redenção; os enfermos, saúde; os tristes,
consolo; os pecadores, perdão; os justos, santidade; os anjos, alegria; a
Trindade, glória, e o Filho do homem a natureza de sua humana condição.
“O Senhor é contigo”. Contigo o Senhor enquanto Pai, que é quem engendra
eternamente ao que engendra em seu seio; contigo o Senhor enquanto Espírito
Santo, por cuja virtude concebes; contigo o Senhor enquanto Filho, ao que
revestes com tua própria carne”
“Bendita entre todas as
mulheres”. Segundo São Bernardo
isto quer dizer: Bendita sobre todas e mais que todas as mulheres, posto que tu
fostes Virgem, Mãe e Mãe de Deus.
“As mulheres estavam submetidas a uma destas três
maldições: ou de opróbrio, ou de pecado ou de suplício. A de opróbrio afetava
às que não tinham filhos; neste caso havia estado, por exemplo, Raquel, que a
ela havia se referido quando disse: “O Senhor me livrou do opróbrio em que me
achava”. A de pecado alcançava às que concebiam: esse é o sentido das palavras
do Salmo 50: “Olha que em maldade fui formado e em pecado concebeu minha mãe”.
A de suplício recaia sobre as parturientes, as quais, como se adverte no
Gênesis, “parirão com dor”.
“Bendita foi e é Maria entre todas as mulheres e sobre
todas as mulheres, porque somente ela esteve isenta destas maldições: em sua
virgindade não houve opróbrio, posto que concebeu sem detrimento de sua
integridade; em sua concepção não houve pecado, senão que, pelo contrário,
concebeu em santidade; nem houve
tormento em seu parto, posto que pariu, não já sem dor, mas com inefáveis
transportes de alegria.
“Com razão Maria foi chamada “cheia de graça”, porque, como
observa Bernardo, em sua alma se deram quatro plenitudes, a saber: plenitude em
sua humilde devoção, em sua santíssima pureza, em sua fé sem limites e na
imolação de seu coração.
“Com razão também pôde
dizer o anjo: “o Senhor é contigo”, porque a presença do Senhor em sua alma se
acreditou sobejamente, disse o mesmo São Bernardo, com os quatro portentos
celestiais de que Maria foi objeto: a santificação de seu ser, a saudação do
anjo, a intervenção do Espírito Santo e a Encarnação do Filho de Deus.
“Com razão, igualmente, foi proclamada “bendita entre as
mulheres”, posto que, como o citado São Bernardo nota, Deus concedeu a seu
corpo estes quatro privilégios: virgindade absoluta, fecundidade sem corrupção,
prenhez sem moléstias e parto sem dor.
“Ela se turbou ao
ouvir estas palavras e tratou interiormente de averiguar o significado que
poderia ter tudo o que o anjo lhe dizia”.
“Este texto do Evangelho constitui um elogio do
comportamento da Virgem, da atenção com que escutou o anjo, das disposições
internas de sua alma e do discurso de seu pensamento. O evangelista pondera a
modéstia com que acolheu aquela mensagem, ouvindo e calando, o pudor de seus
sentimentos e a prudência de sua mente, posto que, raciocinando, tratou de
buscar explicação ao que o anjo lhe dizia.
“A turbação de sua alma procedeu, não de ver ao angélico
mensageiro – estas criaturas celestes eram-lhe já conhecidas, porque
anteriormente já as havia visto muitas vezes -; proveio de ouvir o que estava
ouvindo, porque até então nunca havia ouvido coisas semelhantes. A respeito
desta turbação, eis aqui o que escreveu Pedro de Ravena: “Não se impressionou
Maria por ver o anjo, que se apresentou perante ela sob uma aparência doce e
normal, mas pelo estranho conteúdo de sua mensagem. A turbação chegou à sua
alma, não através dos olhos do
corpo, posto que o que via era muito agradável, mas através dos ouvidos,
enquanto que o que estava ouvindo resultava-lhe inaudito”. Por sua parte, São
Bernardo comenta: “Turbou-se por seu pudor virginal, porém não se alarmou,
porque era mulher de notável fortaleza, nem se assustou, nem se calou, em
silêncio refletiu, dando provas de admirável prudência e suma discrição”.
“O anjo lhe disse:
“Não temas, Maria, porque encontrastes graças diante do Senhor”. “Encontrastes”,
disse São Bernardo, “a graça de Deus, a paz para os homens, a destruição da
morte e a restauração da vida”.
“Conceberás em teu seio e darás à luz um filho a quem porás
o nome de Jesus, que quer dizer Salvador, porque Ele salvará ao povo de seus
pecados; esse filho será grande e chamado Filho do Altíssimo”. “As palavras anteriores”, comenta São
Bernardo, “querem dizer: este Filho, que já é grande enquanto Deus, será também
grande enquanto homem, grande enquanto doutor, e grande enquanto profeta”.
“Disse Maria ao Anjo:
Como poderá ser isto se eu não conheço varão?”
Como poderá ocorrer tudo quanto dizes se eu me comprometi a não ter
contato carnal com homem algum? Mediante tais palavras Maria declara que era Virgem
em sua alma, em seu corpo e em seus propósitos com relação ao futuro.
“Observe-se que Maria pergunta. Quem pergunta é que tem
alguma dúvida: logo duvidava. E se duvidava, como se explica que não incorresse
em semelhante penalização imposta a Zacarias, de quem sabemos que por suas
dúvidas foi castigado com a pena de ficar mudo? Pedro de Ravena responde a esta
questão da seguinte maneira, e observemos que em suas palavras se contêm, não
uma senão quatro respostas: “Aquele que sabe perscrutar o fundo dos homens, não
se guia tanto pelo som dos vocábulos, quanto pelo que se vê no fundo dos
corações; do mesmo modo julga os pecadores não ao teor do que dizem, mas
atendendo-se ao que sentem. A razão que moveu a ambos interrogadores a formular
suas perguntas foi diferente quanto à sua origem e quanto ao seu alcance. Maria
admitiu sem vacilação algo que parecia ir contra a natureza; Zacarias, pelo
contrário, não admitiu, mas duvidou de algo e fundamentou sua dúvida
precisamente numa circunstância que não ia realmente contra a natureza. Maria,
ao perguntar, tratou de conhecer como sucederia o que lhe anunciava, enquanto
que Zacarias, sem mais, descartou a possibilidade de que se realizasse o que
Deus havia determinado que aí se realizasse.
Este homem, apesar de que já anteriormente houvesse ocorrido casos
semelhantes, se obstinou em qualificar de impossível o que, sim, era possível.
Maria, pelo contrário, ainda sabendo que nunca havia ocorrido nada parecido ao
que o anjo lhe comunicava, teve fé no poder divino. Maria se limitou a mostrar-se admirada ante o anúncio
de que uma virgem ia ser mãe; coisa muito distinta da atitude de Zacarias, que
pôs em tela de juízo a possibilidade de que uma relação conjugal dele com sua
esposa desse resultado positivo. Maria, pois, não abrigou dúvidas acerca da
divindade da mensagem angélica, mas tratou de conhecer o procedimento mediante
o qual ela chegaria a ser mãe; sua pergunta foi muito razoável, já que à
maternidade se pode chegar por três caminhos diferentes: o da concepção natural
ou normal, o da concepção espiritual e o da concepção milagrosa; ela, ao
perguntar, procurou informar-se acerca de qual d’Elas ia a seguir-se em seu
caso”.
“O anjo lhe
contestou: O Espírito Santo virá sobre
ti”. Quer dizer: O divino
Espírito, em virtude de recursos sobrenaturais fará que concebas um filho. Por
isso se diz que Jesus Cristo foi concebido por obra e graça do Espírito Santo” e mais adiante: “A virtude do Altíssimo te
cobrirá com sua sombra”.
(“La Leyenda Dorada” – Santiago de la
Vorágine – Ed. Alianza Forma – vol. 1 – págs. 211/214.)
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