A
legitimidade do poder de regência política
Hoje se propaga que a democracia é o regime
mais legítimo, mas São Tomás de Aquino discorda disso. A legitimidade não
envolve somente a escolha do governante, mas a quem confere lhe conceder os
poderes para reger. O regime do povo, onde o mesmo governa é impossível. Nunca
se deu e nunca se dará em povo algum. É certo que, modernamente falando, a
democracia é o regime em que o povo escolhe, por eleição, seus governantes.
Elege-os, escolhe-os, mas não tem poderes para tirá-los do poder da mesma forma
que o elegeu, através do voto[1]. Então este poder de
regência é incompleto, pois nomeia procuradores, mas não os destitui. Aliás,
quem concede ao povo o poder de escolher, de eleger seus governantes?: uma
assembléia de notáveis, uma elite, em geral chamada de “constituinte”. Então
esta assembléia de notáveis tem mais poder do que o próprio povo, pois é quem
lhe confere a prerrogativa de escolher os governantes. As leis também não são
elaboradas pelo povo, nem sequer votadas pelo mesmo, mas por aqueles a quem
confiaram o poder de fazê-lo. Assim, o povo pode escolher um governante, como,
aliás, o fez o povo hebreu ao aclamar Saul e Davi como reis que implantaram a
monarquia, e depois a seus sucessores, essa prerrogativa de escolher é natural
em todo povo; mas, nunca conseguirá reger-se a si mesmo, não de uma forma plena,
mas, talvez, de uma forma mínima através de suas organizações sociais. A auto-regência é um atributo próprio a cada
indivíduo, e a exerce, aliás, em conjunto com seus semelhantes ou superiores;
no que diz respeito ao conjunto de indivíduos, à sociedade humana, essa
auto-regência só pode ser exercida pelo poder político concedido a regentes
nomeados. Não há condição do povo
exercê-la, por si mesmo, de uma forma direta.
Poderia ser questionada a legitimidade das
famosas “democracias” gregas, pois, em geral tais regimes (como se viu) davam
um pouco do poder de escolha aos regidos, mas não respeitavam em cada indivíduo
o direito de auto-reger-se, a ponto de permitirem a escravidão como coisa mais natural
do mundo. Além do mais a forma como os regentes eram escolhidos (ou “eleitos”)
carecia de autenticidade: houve épocas em que os mesmos eram escolhidos por
sorteio, em outras por uma votação feita somente pelos de classe superior, pela
nobreza.
A legitimidade do poder político de regência
é ligada, pois, a estas questões:
1.
O povo pode escolher o regente, nomeia-o,
aclama-o, mas não lhe confere os poderes próprios ao cargo, como o de legislar
ou de aplicar as leis: isso cabe a uma “carta magna” elaborada por uma elite de
notáveis;.
2.
O poder de reger só poderá ser tirado por uma
comissão de notáveis que tenha recebido tal prerrogativa (no mundo moderno,
pelos deputados eleitos pelo povo); quase nunca se ouviu dizer que povo algum
tenha destituído seus governantes, pelo menos de uma forma ordeira – as
chamadas revoluções populares que acabam por tirar alguém do poder são todas
manipuladas por grupos sociais, famílias ou partidos, e nunca por participação
espontânea ou mesmo através de consulta ao povo.
3.
A regência plena e perfeita terá que provir de
Deus, pois somente Ele confere a todos os homens poderes de reger que promova a
verdadeira paz social. E Ele o faz submetendo os regentes a que aceitem a
co-regência de seus regidos e do próprio Deus.
4.
Como Ser Supremo da Criação, Legislador e
Regedor de todo o Universo, somente Deus pode conceder o poder de legislar,
julgar e conceder o poder de regência a anjos e homens (como ocorre, por
exemplo, pelo poder natural de regência dado a um pai). É claro que uma assembléia
de notáveis eleitos pelo povo pode ter atribuições próprias de legislar, assim
como pode ser criada uma instituição própria a aplicar as leis – julgar (como o
faz a magistratura). Mas, não foi o povo que lhes concedeu o poder de legislar
e julgar, pois tais atributos são co-naturais na pessoa humana e estão
implícitos em toda a sociedade, isto é, os costumes e as normas de vida são
conformes as leis divinas e, por isso, influenciam os legisladores. O Mesmo se
diga dos juízes ao aplicarem as leis.
Em rigor, a regência política começou a adquirir
autenticidade e legitimidade entre os homens quando foi criada a Monarquia hebraica,
e sob inspiração divina.
Isto
posto, vamos considerar o Estado e a sociedade em seu estado jurídico. Sendo
impossível eu organizar o Estado e a sociedade conferindo a todo homem mais
talentoso e melhor o governo, como é que o governo da sociedade se põe? como é
que no governo da sociedade civil isto se apresenta?
Quando
se estuda bem essa organização, e depois se estuda a organização política da
Idade Média, compreende-se que há uma relação profunda entre uma coisa e outra,
pelo seguinte: se não podemos atribuir o poder aos mais inteligentes e aos mais
sábios necessariamente, devemos atribuir o poder àqueles que o jogo das
circunstâncias históricas legítimas e, às vezes, ilegítimas, atribui este
poder. O organismo do poder deve tender a fazer com que elementos sábios ocupem
a direção do Estado, mas não existe um termômetro para marcar sabedoria que,
automaticamente, dá um valor a alguém.
No
dia em que os testes da psicologia tiverem chegado a uma presunção suficiente,
vão imaginar que vão conseguir detectar isto. Chamam um menino, ou uma menina,
aplicam cinco testes, fazem o menino ver três bolas pretas num fundo vermelho:
se o menino diz que aquilo é um gato, afirmam que é um gênio; se diz que é um
copo, é um tarado. Depois, encaminham os gênios detectados pela psiquiatria
para governar. E os pobres miseráveis vão depois para as esferas intermediárias
ou mais baixas da sociedade.
Mas
nós recusamos isto. Então temos uma sociedade civil composta como
historicamente se tem composto: tem um chefe de Estado, tem seus agentes, seus
ministros e funcionários.
Pergunta-se:
como se pode aplicar esse esquema ao Estado e à sociedade civil?
Quem deve ser o Rei ou o Presidente da
República - exemplo de Garcia Moreno
No
Estado não podemos fazer a aplicação sistemática desse esquema. Mas se
admitimos que os elementos que representam o pensamento constituem as
faculdades cognoscitivas, podemos dizer que aqueles que representam o Estado
representam mais a ação e estão na linha do operativo. E compreendemos bem um
rei se imaginamos um rei que é, ao mesmo tempo, dentro de sua esfera, dominação,
virtude e potestade. Ou melhor, darei como exemplo não um rei, mas Garcia
Moreno, no Equador.
Garcia
Moreno tem, abaixo de si, os ministros e os governadores de província. Tratando
do poder central dele, não enquanto ele cuida das várias partes da República do
Equador, mas enquanto dirige o governo central, antes de tudo, a função dele é
a capacidade de dirigir dispondo das pessoas que compõem o Equador e das várias
partes que compõem o Estado equatoriano, para as realizações dos fins coletivos
do Equador. Isto é, evidentemente, uma função primacial do presidente da
República do Equador. Em segundo lugar, ele não só deve ter o plano por onde
essas coisas se entrosam para realizar os seus fins, mas deve também saber dar
os primeiros impulsos para que essas coisas caminhem para seus fins. O primeiro
impulso da máquina governamental é evidente que o Chefe de Estado é que dá.
Portanto,
ao mesmo tempo que ele é dominação, ele é potestade, porque no grau mais alto e
eminente é ele o contraditor de tudo aquilo que se opõe ao bem comum. Ele é o
lutador por excelência do Estado.
Garcia
Moreno tem governadores em suas províncias. Esses governadores cuidam do bem
comum das províncias e não mais do todo. E são outros tantos "garcias
morenos" dentro dos blocos de que se compõe o Equador. Por causa disto,
eles também, no seu pequeno âmbito, têm tudo isto. São, portanto, um
prolongamento da pessoa do Presidente, uma miniatura do Presidente presente nas
várias partes da sociedade. Mas ao mesmo tempo que ele tem governadores, ele
tem seus ministros. Estes não tratam de grupos humanos, mas tratam de
determinados gêneros de assunto: economia, instrução pública, guerra, marinha,
etc., etc. Poderíamos dizer que os governadores entrariam aqui na linha dos
principados. Cuidam dos grupos particulares, das pequenas coletividades. Pelo
contrário, os Anjos que cuidam dos assuntos, que são os arcanjos, seriam
propriamente os ministros.
A imagem do estado feudal – a imagem
do Sacro Colégio
Temos
aqui a imagem do estado feudal.
O
rei, o homem que está na direção do bem comum, e que impede tudo aquilo que
prejudique o bem comum, com as suas duas categorias de auxiliares: os
auxiliares mais altos, que são os senhores feudais, que cuidam dos grupos
menores; e uma categoria de auxiliares mais baixa, que são seus ministros e que
cuidam de determinadas categorias de assuntos. E teríamos também, dentro da
Igreja, o Papa como o maior dos poderes, mas teríamos depois o Episcopado, como
outro poder, e o Sacro Colégio como outro”.[2]
As incoerências da
Democracia-sem-idéias
Analisando a situação
particular do Brasil, Doutor Plínio Corrêa de Oliveira teceu os comentários a
seguir, em obra que analisa as propostas de reforma constitucional de 1988: [3]
“Monarquia
parlamentarista, República presidencialista ou República parlamentarista?
Para entender este artigo
Democracia
é a forma de governo em que a direção do Estado cabe ao povo. O pressuposto da
democratização política é a igualdade de todos perante a lei.
A
situação ideal na democracia é aquela em que a vontade popular é unânime.
Ocorre então o chamado consenso. Mas, na prática, tal situação raramente
acontece. E, quando isso se verifica, é por pouco tempo.
Assim,
na democracia se atribui força decisória à maioria.
Nos
países de muito pequena população, a democracia se exerce pela manifestação
direta da vontade de cada cidadão, expressa em reunião plenária, em praça
pública. A contagem dos votos se faz na hora. Tal é a chamada democracia direta.
Esta
ocorreu, por vezes, em remotas eras. Por exemplo, na Grécia antiga. Mas, via de
regra, é impraticável em nações contemporâneas. Excepcionalmente, a democracia
direta ainda tem vigência, no plano municipal, em alguns cantões da Suíça
atual. Um vestígio da democracia direta são o referendum e o plebiscito.
Hoje, a
democracia é normalmente indireta,
ou seja, representativa.
Os
cidadãos elegem representantes que votam as leis e dirigem o Estado segundo as
intenções do eleitorado.
O poder
político de fazer ou de revogar leis (Legislativo) é exercido habitualmente,
nas democracias representativas, de modo colegiado, através de parlamentos ou
congressos. As decisões são tomadas pela maioria dos representantes populares
(deputados ou senadores). A maioria parlamentar representa — pelo menos em
princípio — a maioria do eleitorado.
______________________________
(...).
* * *
A mais
básica das condições para que uma eleição seja representativa é que o eleitor
tenha efetivamente opinião formada sobre os diversos assuntos em pauta no
prélio eleitoral. A opinião do
eleitor sobre estes diversos assuntos constitui o critério segundo o qual ele
escolhe o candidato de sua confiança.
Em
outros termos, se cada eleitor não tiver opinião formada acerca desses temas, o
candidato eleito será livre de agir unicamente segundo suas convicções
pessoais.
Porém,
neste caso, ele não representa a quem quer que seja. E uma câmara toda
constituída por deputados sem representatividade é vazia de conteúdo, de
significado, de atribuições, em um regime de democracia representativa.
Ou
seja, ela é inexistente e incapaz de atuar.
O
exercício autêntico da democracia supõe a existência, no País, de instituições
privadas e públicas idôneas para estudar os problemas locais, regionais e nacionais,
e propor-lhes soluções, bem como para a difusão destas em larga escala, com o
propósito de suscitar a tal respeito controvérsias esclarecedoras.
Igualmente
é necessária, para a formação da opinião nacional, a cooperação dos meios de
comunicação social que, por sua própria natureza, dispõem de peculiar
influência na missão de informar e de formar seus leitores ou ouvintes. Para
tal, devem eles refletir as principais tendências da opinião e, pelo diálogo
como pela polêmica, manter o público informado da atuação e das metas das
várias tendências ou opiniões.
É
necessário ainda que tais instituições e órgãos de comunicação social se
empenhem em erradicar do espírito público certa imprevidência otimista e
sistemática, muito disseminada em nosso povo. Baseada no pressuposto de que
"Deus é brasileiro", essa atitude imprevidente induz a negligenciar
temerariamente o estudo e a reflexão sobre os problemas do bem comum, e a
imaginar suficiente o mero "palpite" (emitido em via de regra tão-só
com base em simpatias ou fobias pessoais) para dar fundamento ao voto. Voto
este que, assim obviamente inidôneo e irrefletido, só pode dar origem a leis
ineptas e governos incompetentes, que singrem despreocupadamente os mares do
absurdo.
A falta
de seriedade no clima pré-eleitoral, simbolizada com dramático poder de
expressão pela presença cada vez mais marcante de shows nos comícios políticos, prova que, no Brasil hodierno, o debate sério tende
rapidamente a desaparecer. E, quando existe, interessa pouco. O que constitui uma
prova a mais de quanto urge extirpar de nosso País o voto não sério,
tornando freqüente, interessante, conclusiva a exposição — quando não o debate
dialético ou polêmico dos grandes temas nacionais.
Se tal
não se fizer, não adianta clamar, bradar ou uivar a favor da democracia. Presentemente, o principal fator da precariedade dela
não reside em seus adversários, porém nela mesma, isto é, no estado de espírito
com que a praticam tantos e tantos dos que a louvam e aclamam.
* * *
Considerada
a problemática do ponto de vista não do processo eleitoral, mas dos
representantes, deve-se observar que, no Brasil, "político"
tornou-se freqüentemente sinônimo de "político-profissional",
sobretudo quando se trata de político que não tem haveres pessoais suficientes
para se manter sem o concurso dos honorários correlatos com o exercício de
funções na vida pública.
Político
profissional é aquele que dedica
à atividade política uma parcela muito preponderante (quando só isto) de seu
tempo e de suas energias; que no êxito da carreira política põe o melhor de
suas esperanças e ambições; e ao qual resta, para outras atividades, uma
parcela pouco expressiva de sua atuação no exercício de alguma profissão
rendosa.
Assim,
mesmo fora dos períodos pré-eleitoral e eleitoral, de si tão absorventes, o
político-profissional passa o tempo cultivando o seu eleitorado para conseguir
eleger-se, ou reeleger-se.
Sobretudo
está o político-profissional atento em conseguir favores para os seus cabos
eleitorais, a fim de que estes lhe consigam, por sua vez, os eleitores de que
precisa.
Uma vez
eleito, o exercício do mandato lhe absorve quase todo o tempo. E pouco lhe
resta para outras atividades. Tanto mais quanto, logo depois de eleito, deve
começar a preparar sua reeleição. A situação normal do político-profissional é
a de um candidato permanente.
Em
relação a tais políticos-profissionais, a opinião pública se mostra — por
motivos diversos — bem pouco entusiasmada. Se bem que essa disposição de alma
seja eventualmente injusta em relação a este ou àquele político-profissional, o
fato é esse. E não há exagero em dizer que grande parte dos votos em branco
ou nulos, das últimas eleições, se deveu à verdadeira saciedade que
o público sente em relação a candidatos que figuram habitualmente no amplo rol
dos políticos-profissionais.
* * *
O que
seria, de outro lado, um político não profissional? Alguém que, financeiramente
independente, só faz política por amor à arte, pelo gosto da fama, ou até da
celebridade com que o macrocapitalismo publicitário premeia os políticos do
inteiro agrado dele? Ou o homem abonado, e ao mesmo tempo lutador
desinteressado, que fosse levado à ação política por mero idealismo religioso
ou patriótico? Ou, por fim, o homem idealista que, embora não abonado, arrisca
para si e para sua família a aventura de sacrificar gravemente sua profissão
habitual, com o objetivo de se consagrar, com honestidade modelar, ao serviço
da Pátria?
Tal é a
elevação desse último gênero de perfil moral que, por isso mesmo, o político
não profissional é inevitavelmente raro em nossos tristes e convulsionados
dias.
Ademais,
parece certo que a essa última categoria não se ajusta bem o qualificativo de
"profissional". Pois, por homem "financeiramente
independente" parece entender-se mais bem o que vive de rendas, sem
profissão definida. E, portanto, com possibilidade de consagrar à política todo
o seu tempo. O que contribui obviamente para serem ainda mais raros os
políticos não profissionais. Pois o número de pessoas "financeiramente
independentes", ou seja, abonadas, vai decrescendo rapidamente dia a dia.
Talvez
fosse preferível qualificar esse gênero de homem público, de político por mero idealismo.
* * *
Entretanto,
além dos políticos-profissionais
e dos políticos por mero idealismo,
há que considerar ainda um terceiro gênero. Ou seja, o daqueles a quem, sem
fazer mero jogo de palavras, se poderia designar como profissionais-políticos.
Trata-se,
neste caso, de profissionais que, tornando-se insignes pela categoria e
abundância de seu trabalho profissional, adquirem realce na própria classe ou
meio social.
Tendo
atingido esta situação, é normal que neles pensem muitos eleitores para o
exercício de altas funções públicas de caráter eletivo.
Quando
alguém se destaca de modo notável em qualquer setor de atividade, na respectiva
profissão por exemplo, adquire com isso uma autêntica representatividade
daquele setor.
Assim,
se um Carlos Chagas, ou um Oswaldo Cruz, estivesse vivo hoje, ele se destacaria
certamente como representante natural da classe médica em todo o País. Na
Câmara, pela natureza de sua celebridade, e pelo cunho específico de seu
mandato, seria ele o porta-voz dos colegas. Porém não só deles. Os habitantes
da região onde nasceu, seus companheiros e amigos no campo das relações sociais
e do lazer etc., todos os brasileiros inteirados de seus feitos e de seus
méritos através da mídia, se sentiriam — a um título ou a outro — representados
por ele.
Análoga
coisa se pode dizer de outras profissões, como comerciantes, industriais, agricultores,
professores, militares, diplomatas, bem como funcionários públicos das mais
diferentes atividades, engenheiros, advogados e técnicos de toda ordem.
Esta
enumeração, meramente exemplificativa, de modo nenhum exclui, a seu modo, os
representantes de quaisquer outros grupos sociais ou profissionais, desde os
mais elevados na escala social, até os mais modestos: proprietários rurais
tanto como bóias-frias ou colonos, proprietários urbanos tanto quanto
locatários, empresários industriais ou comerciais como trabalhadores na
indústria ou comércio. E há que incluir ainda, nessa lista, grupos ou
categorias naturais de outra índole, como associações de filatelia, de
enxadrismo, de esportistas, de atividades recreativas honestas etc.
Enfim, as
pessoas notáveis de todos os ramos de atividade devem ser particularmente
viáveis como candidatos a um mandato eletivo, especialmente quando este tem
missão constituinte.
Por sua
vez, estes não aspiram naturalmente a ser deputados ou senadores ad aeternum.
A
eleição para um mandato legislativo lhes é honrosa, lhes enriquece o curriculum
vitae. Mas a necessidade de estar sempre na vanguarda da profissão ou campo de
atividade em que adquiriram destaque, impede que eles dediquem toda a sua
existência à política. Sua notabilidade profissional é o pedestal de seu êxito
político.
E,
portanto, é só excepcionalmente que eles limitam tal atividade em benefício de
sua notoriedade política. A notoriedade é a causa do seu mandato; não é o
mandato a causa de sua notoriedade.
É a
esse elevado tipo de profissional que se deve designar honrosamente de profissional-político.
* * *
Já
aludi anteriormente à missão das grandes instituições sociais, em tal matéria.
Convém tratar mais especialmente de duas delas.
Em
primeiro lugar, cumpre ressaltar o papel de uma instituição de importância
ímpar, ainda mesmo nos dias que correm, isto é, a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB).
Este
organismo episcopal se vem utilizando do enorme prestígio — do qual gozou antes
de eclodir a atual crise na Santa Igreja, e que, em certa medida, ainda
conserva — para modelar a seu gosto a opinião pública, no tocante a
determinados problemas sócio-econômicos de relevo. Entretanto, com isto tem ele
relegado para segundo plano uma série de temas de primordial importância
religiosa e moral no que diz respeito, não só ao bem comum espiritual, como ao
bem comum temporal.
Essa
inversão de valores é gravemente responsável pelo minguamento progressivo do
prestígio da CNBB.
Fizesse
ela cessar essa inversão, e reprimisse eficazmente tantas extravagâncias e
abusos que, sob a ação da crise na Igreja, se tem alastrado no Brasil como
alhures, e esse prestígio poderia voltar ao seu primitivo esplendor.
Em
segundo lugar, cabe falar da mídia, a qual se tem mostrado muito uniforme.
Uma
mídia mais ricamente diferenciada, do ponto de vista ideológico, doutrinário e
cultural, poderia servir de meio de expressão e de conseqüente aglutinação de
inúmeras almas que se calam. E a vida pública brasileira adquiriria assim a
amplitude e a vitalidade que lhe faltam.
Não é
difícil admitir que toda essa vida, comprimida pelo anonimato a que a relega o
capitalismo publicitário, se "vingue", recolhendo dentro de si as
riquezas de pensamento que muitas vezes possui.
Daí
resulta em parte a monotonia da nossa vida pública: "monotonia" no
sentido etimológico do termo. A "mono-tona ", sim, que instila o
tédio político no grande público. E produz a "a-tonia" de
considerável parte do eleitorado.
Concluindo.
Um país que fosse movido muito mais por intuições do que por um pensamento
político e por uma cogitação doutrinária séria, não poderia chamar-se um
país-de-idéias. A ser ele democrático, constituiria uma democracia-sem-idéias.
______________________________
Plinio
Corrêa de Oliveira: o que a TFP pensa da
Democracia-sem-idéias
A
distinção entre democracia-com-idéias e democracia-sem-idéias leva a um tema
que deve ser analisado com particular objetividade.
Extrapartidária
por definição, a TFP não opta por formas de governo. Ela aceita o ensinamento
de Leão XIII, confirmado por São Pio X, de que nenhuma das três formas de
governo — monarquia, aristocracia ou democracia — é intrinsecamente injusta.
Segundo
a doutrina tradicional da Igreja, qualquer dessas formas é legítima "desde
que saiba caminhar retamente para seu fim, a saber, o bem comum, para o qual a
autoridade social é constituída" (Leão XIII, Encíclica Au Milieu des Solicitudes, de
16-2-1892, Bonne Presse, Paris, vol. III, p. 116).
A tese
de que "só a democracia inaugurará o reino da perfeita justiça!",
esposada pelo movimento modernista Le
Sillon, foi explicitamente condenada pelo Papa São Pio X, em princípios
deste século: "Não é isto uma injúria às outras formas de governo que são
rebaixadas, por este modo, à categoria de governos impotentes, apenas
toleráveis?"— exclama, em candente apóstrofe, o imortal Pontífice (Carta
Apostólica Notre Charge Apostolique,
de 25-8-1910 — Coleção Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 1953, 2ª.
ed., vol. 53, p. 14. Cfr. também Leão XIII, Encíclica Diuturnum lllud, de 29-6-1881. Coleção Documentos Pontifícios,
Vozes, Petrópolis, 1951, 3ª. ed., vol. 12, pp. 5-6).
A TFP
não exorbita de sua posição extrapartidária ao pleitear que, uma vez instalada
uma forma de governo, esta seja aplicada com coerência.
Assim,
posto que estamos em regime democrático, cumpre que seja ele coerente. O que
certamente conduz à vigência da democracia-com-idéias. E à rejeição da
democracia-sem-idéias.
Manda a
verdade que se reconheça não ter o regime republicano, nestes cem anos de
vigência, conseguido formar, nas camadas profundas do País, um conjunto de
hábitos intelectuais e morais, bem como de instituições partidárias, culturais,
e outras que criassem entre nós um ambiente cívico-político denso de cogitações
patrióticas, quer filosóficas, religiosas e culturais, como também políticas,
econômicas, sócio-políticas, voltadas para os grandes problemas do mundo
contemporâneo, bem como para as realidades concretas do País.
Cumpre
confessar – sem qualquer eiva de partidarismo – que o ambiente político do
Brasil-Império apresentava, a esse respeito, maior riqueza de conteúdo
intelectual. Questões como a libertação dos escravos, ou a alternativa
monarquia-república, interessavam muito mais ao quadro eleitoral, nos dias
remotos do Brasil-Império, do que a Reforma Agrária, a Urbana e a Empresarial
vão interessando a massa da população nas grandes cidades do País.
O
Brasil-Império foi muito mais autenticamente uma democracia-com-idéias, do que o
é, ao cabo de cem anos, o Brasil-República”.
______________________________
[1]
Poder-se-ia argumentar que o governante, hoje, pode ser destituído por aqueles
que o povo deu procuração para representá-lo, exercendo indiretamente tal
mandato de destituir. Mas, por que para eleger é de uma forma direta e para
destituir é assim por meio de procuradores?
[2]
Extraído de conferência feita por Dr. Plinio Corrêa de Oliveira em 1957, sobre
o Igualitarismo, Aula VI sobre a organização do Estado, sem revisão do
Autor, pág. 77/78
[3] “Catolicismo”, N° 491 – Dezembro de 1991 – Ano XLI,
pags. 17-21. O
texto deste artigo é uma condensação bastante sucinta da primeira parte da obra
do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira "Projeto de Constituição angustia o País", Editora Vera Cruz, São Paulo, 1987.
Esta obra empolgou a opinião pública a tal ponto, que os propagandistas da TFP
chegaram a vender, dela, mais de mil exemplares diários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário