(COMENTÁIOS DE DR. PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA
SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA)
Dentre os inúmeros relatos das aparições de
Nossa Senhora em Lourdes, muito significativo é o de um funcionário público
dessa localidade dos Pirineus. Sem fugir ao costume de seu tempo, era ele um
homem cético para com as coisas de Deus e da religião, até o momento em que a
Providência determinou tocar sua alma e o levou a presenciar um dos colóquios
de Santa Bernadette com a Imaculada Conceição. Seu testemunho, de insuspeitada
franqueza, é uma das eloqüentes provas da autenticidade dessas aparições. Eis
um bonito trecho de sua narrativa:
De
repente, como se um raio a houvesse tocado, ela (Bernadette) teve um
sobressalto de admiração e pareceu nascer para uma segunda vida.
(Umaluminosidade especial) a envolvia toda. Espontaneamente, sem cálculo, com
um movimento maquinal, os homens que lá estávamos tiramos nossos chapéus e nos
inclinamos como as mais humildes mulheres. A hora das objeções passara e, a
exemplo de todos os que assistiam a esta cena celeste, olhávamos da moça
estática para o rochedo, do rochedo para a moça.
Sorridente
ou séria, Bernardette aprovava com a cabeça, ou parecia mesmo interrogar.
Quando a Senhora falava, ela estremecia de felicidade. Quando, ao contrário,
era ela que fazia ouvir suas súplicas, humilhava-se e se comovia até as
lágrimas. Comumente, a vidente terminava suas preces por saudações dirigidas à
Senhora invisível. Eu conhecia o mundo talvez até demais. Encontrara já pessoas
que eram modelos de graça e distinção, mas jamais vi alguém saudar com a graça
e distinção de Bernardette. Ao terminar a visão, porém, voltamos a ter diante
de nós somente a figura amável, mas rústica, da filha dos Soubirous.
Após a
cena que acabo de descrever, eu me sentia como um homem que acabou de sonhar e
me afastei da gruta. Não conseguia voltar a mim, e um mundo de pensamentos me
agitavam a alma. A Senhora do rochedo
ocultava-se bem, mas eu sentira a sua presença, e estava convencido de
que o seu olhar maternal voltara-se para mim. Oh! hora solene de minha vida!
Perturbava-me até o delírio pensando como eu, o homem das ironias e das
presunções, tivesse sido admitido a ocupar um lugar perto da Rainha do Céu”.
O cético acreditou e
se converteu
Por suas comovedoras palavras, entende-se que
esse homem, todo embebido de orgulho e ceticismo, foi ali objeto de uma graça
insigne e se converteu. Tinha ele se dirigido à gruta . segundo confessa . mais
disposto a se divertir do que a acreditar nas aparições. Porém, ao reparar nas
atitudes de Santa Bernadette durante os diálogos com Nossa Senhora, teve ele,
por uma intuição psicológica direta, a noção de que a Interlocutora da menina
realmente existia. Ela não podia ser uma abstração, algo tirado do vácuo, uma
fantasia. A jovem camponesa estava falando com alguém, e seu modo de proceder
tinha todas as características objetivas de quem entabula uma conversa com
outra pessoa. De maneira que era inimitável a autenticidade da cena. E,
portanto, a Santíssima Virgem existia, e estava ali presenteO cético acreditou
e se converteu.
Enobrecida no trato
com Nossa Senhora
Não
deixa de ser muito interessante um dos indícios que ele aponta da veracidade
das aparições, ou seja, a também inimitável distinção de atitudes da vidente,
no momento dos colóquios.
Santa Bernadette era uma moça rústica. Quem a
vê nas fotografias, nota tratar-se fundamentalmente de uma camponesa. Pois bem,
apesar disso, ao estar com Nossa
Senhora, ela Lhe falava e A cumprimentava com uma elegância extraordinária. Tanta
que o funcionário público declara não ter conhecido pessoa . e ele privara com
muitas . mais distinta que Bernadette. Porém, terminando a visão, ela voltava a
ser a filha dos camponeses Soubirous.
Quer dizer, era uma nobreza comunicada a ela
pelo contato com Nossa Senhora. Passada a aparição, ela mudava de jeito. Seria
mais ou menos como se uma pessoa de condição muito modesta fosse chamada a
conversar com a rainha da Inglaterra e, nesse encontro, tivesse atitudes e
maneiras mais finas do que no seu cotidiano. Haveria uma espécie de filtração
dos predicados da rainha para a pessoa com quem ela se dignou estabelecer uma
interlocução. O mesmo se dava nas aparições de Lourdes.
Primeira gota de uma
inundação de graças
Outro fato interessante a salientar é a
própria conversão desse homem. Ele diz que saiu da gruta ao mesmo tempo
humilhado e pasmo, pois não podia crer que alguém tão cheio de dúvidas e
ceticismo como ele houvesse sido tão bem tratado por Nossa Senhora. Na verdade,
deu-se um milagre gratuito em favor dele, uma vez que o convertido de nenhum
modo merecia ter esta espécie de visão indireta da Virgem Imaculada. E, com o
simples reflexo da presença d’Ela sobre a figura de Santa Bernadette, Maria
comoveu a alma desse homem e acabou com todos os seus orgulhos.
Pela expressão curiosa dele, vê-se que seu
pensamento é o seguinte: ”Eu era muito presunçoso, estava contra-indicado para
receber essa graça, mas agora me sinto tocado por ela. Como é misericordiosa a
graça que bate em portas tão conspurcadas, de modo que não se possam recusar a
abrir!”.
Foi, portanto, uma obra maravilhosa feita
pela graça na alma desse homem, precursora do que se realizaria com tantos
milhares e milhares de almas que passariam por Lourdes e seriam colhidas pelo
milagre. E de tantas outras que, mesmo longe da gruta de Massabielle, se
converteriam ouvindo falar dos prodígios ali operados por Nossa Senhora. Foi a
primeira gota de uma verdadeira
inundação de graças que viria para o mundo, iniciando-se em 11 de fevereiro de
1858.
Preciosos
ensinamentos
Esses, como todos os acontecimentos de
Lourdes, são ricos em ensinamentos para nós. A mais valiosa dessas lições será,
talvez, a respeito do sofrimento.
Até nossos dias, vemos manifestarem-se em
Lourdes algumas atitudes de Nossa Senhora . e da Providência, com quem Ela vive
em íntima união . diante da dor humana. Dentro da perfeição dos planos divinos,
essas atitudes têm sua razão de ser, apesar de parecerem até contraditórias.
De um lado, chama a atenção a pena que Nossa
Senhora tem dos padecimentos físicos dos homens. Numa extraordinária
manifestação de sua insondável bondade materna, atende seus rogos e pratica
milagres para lhescurar os corpos.
Nossa Senhora tem igualmente compaixão das
almas, e para provar que a Fé Católica é verdadeira, pratica milagres a fim de
operar conversões.
Mas existe outra realidade em Lourdes, não
menos significativa: são os inúmeros doentes que de lá voltam sem o tão
almejado restabelecimento. Por que misteriosa razão Nossa Senhora devolve a
saúde física a uns e não a devolve a outros? Qual a razão mais profunda disso?
Creio que essa ausência de cura pode ser
tomada como um dos mais estupendos milagres de Lourdes, se considerarmos que,
para a imensa maioria das almas, o sofrimento e as doenças são necessários para
se santificarem. É por meio das provações físicas e morais que elas atingem a
perfeição espiritual a que foram chamadas. E quem não compreende o papel do
sofrimento e da dor para operar nas almas o desapego, a regeneração, para
fazê-las crescer no amor a Deus, não compreende absolutamente nada. É por essa
forma que, via de regra, os homens alcançam a bem-aventurança eterna.
E tão indispensável nos é o sofrimento para
chegarmos ao Céu, que São Francisco de Sales não hesitava em qualificá-lo de 8º
sacramento.
Ora, Nossa Senhora agiria contra o interesse
da salvação das almas, se as livrasse todas das doenças. Claro está que, para
determinadas pessoas, por circunstâncias e desígnios especiais, de algum modo
convém subtrair-lhes o sofrimento. São exceções. A maior parte dos que vão a
Lourdes voltam sem ter obtido a cura.
Estupendos milagres
morais
Como Mãe que ajuda os filhos a carregar seus
fardos, Nossa Senhora em Lourdes concede ao doente uma tal conformidade com o
padecimento, que não se tem notícia de alguém que, ali estando e não sendo
curado, se revoltasse. Pelo contrário, as pessoas retornam ao seus lugares de
origem imensamente resignadas, satisfeitas de terem podido fazer sua visita à
célebre gruta dos milagres, e de contemplar a bondade de Maria para com outros
infortunados.
Há mesmo o fato de não poucos doentes, vindos
dos mais distantes países da terra, vendo em Lourdes a presença de pessoas mais
necessitadas do que eles, dizerem a Nossa Senhora estar dispostos a abrir mão
da própria cura, em favor daquelas. Quer dizer, aceitam o sofrimento e a doença
em benefício do outro. É um verdadeiro milagre de amor ao próximo por amor de
Deus. Milagre moral, arrancado ao egoísmo humano; milagre mais estupendo que
uma cura propriamente dita.
Se bela é essa resignação, mais bonita ainda
é a generosidade cristã das freiras do
convento carmelita de Lourdes. São contemplativas recolhidas que têm o
propósito de expiar e sofrer todas as doenças, a fim de obter para os corpos e
almas dos incontáveis peregrinos as graças e favores que eles vão ali suplicar.
Nunca pedem sua própria cura, e aceitam todas as enfermidades que a Providência
disponha caírem sobre elas, em benefício daqueles peregrinos. Padecem horrores,
levam às vezes uma vida inteira de sofrimentos ou morrem de uma morte
prematura, com esse intuito especial de fazer bem a outras almas.
Quando deitamos um olhar no mundo a nosso
redor e consideramos as misérias da natureza humana decaída pelo pecado
original, compreendemos que semelhantes atos de abnegação se acham tão
distantes do nosso egoísmo e causam uma tal repulsa ao nosso amor-próprio, que
constituem um milagre maior do que todas as espetaculares curas verificadas em
Lourdes. Esses atos demonstram que a primordial intenção de Nossa Senhora é produzir
esses milagres de caráter moral que conduzem as almas ao Céu.
Pois Nossa Senhora não seria Ela, se
aparecesse em Lourdes para fazer bem aos corpos que perecem, e não o fazer às
almas imortais. Nem seria verdadeiro esse amor d’Ela aos homens, se não tivesse
por principal objetivo levá-los ao amor de Deus. Porque nada de melhor para nós
se pode desejar.
O grande ensinamento
de Lourdes
Então compreendemos o grande ensinamento de
Lourdes. Não é o apologético, tão imenso, tão importante. Mas é esse da aceitação
da dor, do sofrimento, e até da derrota e do fracasso, se for preciso.
Alguém objetará: .”É muito difícil
resignar-se a carregar a dor por essa forma”.
Encontramos a resposta na agonia de Nosso
Senhor Jesus Cristo, no Horto das Oliveiras. Posto diante de todo o sofrimento
que O aguardava, Ele disse ao Pai Eterno: “Se for possível, afaste-se de mim
este cálice. Mas seja feita a vossa vontade e não a minha”.
O resultado é que veio um Anjo consolar Nosso
Senhor.
Essa é a posição que cada um de nós deve ter
em face de suas dores particulares: se for possível, que elas sejam afastadas
de meu caminho. Porém, seja feita a superior vontade de Deus e não a minha. E a
exemplo do que ocorreu com Jesus no Horto, a graça nos consolará também, nas
provações que Maria Santíssima nos enviar.
Tenhamos, portanto, coragem, ânimo,
compreensão do significado do sofrimento e alegria por sofrermos: estamos
preparando nossas almas para o Céu.
(Revista “Dr.
Plínio”, nº 23, fevereiro de 2000).
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