Podemos imaginar que, naquela ocasião[1], estava Nossa Senhora
sentada numa cadeira de braços como se fosse um trono, colocado num estrado,
tendo diante d’Ela os doze Apóstolos sentados em tronos menores, dispostos mais
ou menos em semicírculo.
Todos rezavam, pois haviam feito um longo
recolhimento espiritual e suplicaram graças, as quais desceram sobre cada um
deles em torrentes, a rogos de Maria Santíssima, medianeira de todos os dons
divinos. Segundo nos ensina a doutrina católica, Nosso Senhor sempre atende os
pedidos de sua Mãe em nosso favor, e Ela tem para conosco toda espécie de
misericórdias e bondades, alcançando-nos não apenas as graças de que
necessitamos, como também o conhecimento exato e a justa ponderação de nossas
faltas e imperfeições.Em seguida, o pesar, ou seja, a contrição. Esta é
preciosa, pois torna agradável a Deus a alma até há pouco carregada de pecados.
Continuando a se dirigir a Deus, sempre por
meio da Virgem Maria, a alma recebe graças e mais graças.
Quantos e que espécie de favores divinos os
Apóstolos terão alcançado, estando assim juntos de Nossa Senhora, participando
de seu convívio e com Ela conversando?
Podemos imaginar que, nessa situação, um
deles talvez tenha se levantado, feito-Lhe uma vênia profunda, ajoelhou-se,
acusou-se de seus pecados e pediu perdão. E a Mãe de Deus, fitando-o com
bondade e delicadeza inigualáveis, lhe diz: “Filho, vou rezar por ti. Tem
certeza, teus pecados serão perdoados”. Permanecendo mais um tempo genuflexo,
ele afinal se ergue e retorna ao seu lugar...
“Grand-retour”, a
Pentecostes nos dias de hoje
Crepita um ardor na sala. E um a um, os
demais Apóstolos procedem da mesma forma. Aproveitam para contar fatos da vida
de Nosso Senhor, ocorridos no convívio deles com o Divino Mestre, que os outros
ouvem com avidez extraordinária. Nesse
ambiente – de um silêncio eloqüente, ou eloqüência silenciosa – o fervor
aumenta e em determinado momento todos se sentem mais no Céu do que na Terra.
O espírito de Nossa Senhora paira a uma
altura inimaginável, sem perder contato com os filhos d’Ela. Em certa hora, uma
luz começa a aparecer. Quando ela se torna mais intensa e se generaliza, há um
estouro harmônico e perfumado. Os anjos cantam, Nossa Senhora está
recolhidíssima, como no instante em que se deu a Encarnação do Verbo em seu
seio puríssimo, ou quando Ela segurou em suas mãos o Menino Jesus, logo após
Lhe ter dado à luz, e seus olhares pela primeira vez se cruzaram.
Tudo isso se pode imaginar com cuidado, para
não se cair em erro. Porque a imaginação voa, e é capaz de nos levar a sérios
enganos. Assim, nunca devemos conjecturar algo que não esteja de acordo com a
doutrina da Igreja baseada na Escritura, a qual foi redigida sob a inspiração
do Espírito Santo. Contudo, nossa alma pode supor coisas que alimentem seu
próprio fervor, e nos proporcionem a idéia de como os fatos se teriam passado.
Se houvesse hoje um milagre semelhante ao de
Pentecostes, o que aconteceria?
Um dado fundamental distingue nossa época
daquela. No tempo de Jesus Cristo existia o mal, como o prova a Paixão e Morte
de Nosso Senhor tramada pelos seus adversários, que tinham sido reprovados pelo
Redentor com veemência em suas pregações. Havia o mal, não porém a Revolução.
Esta é uma forma organizada, articulada, estruturada do mal, como se fosse um
país invisível. Existe por toda a parte, trama contra o bem e procura atacar
tudo quanto o represente.
Se em nossos dias sobreviesse fenômeno
parecido com o de Pentecostes, teríamos de imaginar – com quanta alegria! – os
anjos esmagando a Revolução pelo mundo afora. Seria, então, o nosso Grand-Retour, uma conversão completa, um
total repúdio a todo o mal que havíamos feito, e um amor inteiro às virtudes e
a todo o bem que éramos chamados a praticar e a realizar. Em suma, um vôo à
santidade, que abarca o perfeito amor a Deus e ao próximo, com o deliberado
propósito de extinguir a Revolução sobre a face da Terra.
Temos assim uma proveitosa reflexão para a
Festa do Pentecostes.
(Revista “Dr. Plínio”,
nº 86, de maio de 2005, pp. 22/25)
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