A Margem do 13
de maio
O “Legionário” oferece,
hoje, aos seus leitores um documento que dificilmente se encontra, e que, no entanto, é do maior valor para se
apreciar devidamente a acentuada influência da Igreja na abolição dos escravos
cujo cinqüentenário se celebrou na sexta-feira passada.
Ainda
está para ser feita uma História da Igreja no Brasil. No dia em que tal se
fizer, e em que for possível pôr à mostra as raízes religiosas de muitos dos
principais acontecimentos históricos de nosso País, ver-se-á o quanto a
História oficial se empenhou em desfigurar a verdade, para arrancar à viva
força à tradição nacional aquele caráter fundamentalmente católico que é a sua
mais importante característica.
O
gesto da Princesa Isabel, libertando bruscamente os escravos com perigo para o
trono que um dia deveria ocupar, tem sido comentado sob os mais variados
aspectos. Os positivistas e congêneres se comprazem em glorificá-la como grande
benfeitora da humanidade, sem cogitar dos motivos religiosos pelos quais a
grande Princesa assumiu a atitude que a imortalizou.
Os republicanos, não raras vezes, elogiando embora o 13 de Maio, deixam transparecer ardilosamente que a Princesa Isabel foi conduzida a ele pelo curso inexorável dos acontecimentos, e que se prestou a fazer de bom grado em 1888 o que em 1890 ou 1895, inevitavelmente, ela teria de fazer. Os monarquistas se preocupam, freqüentemente, em pôr em relevo as vantagens da forma de governo monárquico, argumentando com as virtudes da Princesa, sem dar o devido valor, na sua apologética política, às virtudes santificadoras da Religião Católica que inspiraram na realidade o nobre ato de desinteresse com que Da. Isabel sacrificou o seu trono. E os católicos - como dói dize-lo - sejam eles monarquistas ou republicanos, se esquecem quase sempre de procurar discernir nesse acontecimento histórico, como nos demais, a influência benéfica da Igreja, que outros são perspicazes em ocultar, enquanto os filhos da luz se mostram tão indiferentes em ver e glorificar.
Se Leão XIII tivesse sido devidamente atendido, a situação religiosa e moral da raça negra no Brasil seria muito outra.
Os republicanos, não raras vezes, elogiando embora o 13 de Maio, deixam transparecer ardilosamente que a Princesa Isabel foi conduzida a ele pelo curso inexorável dos acontecimentos, e que se prestou a fazer de bom grado em 1888 o que em 1890 ou 1895, inevitavelmente, ela teria de fazer. Os monarquistas se preocupam, freqüentemente, em pôr em relevo as vantagens da forma de governo monárquico, argumentando com as virtudes da Princesa, sem dar o devido valor, na sua apologética política, às virtudes santificadoras da Religião Católica que inspiraram na realidade o nobre ato de desinteresse com que Da. Isabel sacrificou o seu trono. E os católicos - como dói dize-lo - sejam eles monarquistas ou republicanos, se esquecem quase sempre de procurar discernir nesse acontecimento histórico, como nos demais, a influência benéfica da Igreja, que outros são perspicazes em ocultar, enquanto os filhos da luz se mostram tão indiferentes em ver e glorificar.
Se Leão XIII tivesse sido devidamente atendido, a situação religiosa e moral da raça negra no Brasil seria muito outra.
Sirvamos
a causa dos negros, não por uma série de elogios ao feiticismo das macumbas,
mas pelo trabalho ativo em prol de sua integração cada vez mais perfeita na
santa Igreja de Deus.
A
figura da Princesa Isabel tem sido mantida em um esquecimento censurável, nesse
belo jubileu que há dois dias atrás comemoramos. Empenhados em comemorar o 13
de Maio, parece que muitos de nossos pró-homens só se lembraram em falar sobre
superstições negras, macumbas e candomblés. Isto é, sobre um dos mais
humilhantes frutos da escravidão para a raça negra. Por que, em lugar disto,
não falam do belíssimo ato de piedade e de justiça cristãs que foi na realidade
o 13 de Maio?
E,
no entanto, a este propósito muito haveria que dizer. A Princesa Isabel tem
sido mal conhecida. Na realidade, ela mostrou, na alta posição de Princesa
Imperial, qualidades que fariam honra a qualquer estadista católico. Colocada,
por seu sexo, em uma atitude de natural reserva que os costumes da época
acentuavam imensamente; obrigada pelo caráter constitucional da monarquia então
vigente (naquele tempo, o poder absoluto causava horror no Brasil) a uma linha
de conduta de extrema circunspecção em todos os acontecimentos políticos;
forçada ainda a muita prudência para não colidir com a autoridade de seu Pai,
ainda reinante, a Princesa Isabel poderia ter encontrado fáceis desculpas
perante sua consciência, para se iludir a si própria, e recusar ao Brasil e à
Igreja muitos dos serviços que lhes prestou.
A Princesa, entretanto, tinha uma firmeza de caráter muito acentuada, e soube mais de uma vez, dentro dos limites ditados por sua situação, fazer valer bem alto seus direitos de católica e de herdeira do trono imperial, contrariando ao mesmo tempo o liberalismo rançoso que infestava o século XIX e certos preconceitos injustos que tendiam a retirar à mulher qualquer influência, ainda quando a Providência a tivesse feito nascer nos degraus de um trono.
Provou-o, por exemplo, a conduta modelar da Princesa por ocasião da questão religiosa. Enquanto D. Pedro II e o Ministério, de mãos dadas com a opinião regaliana e maçônica, com o liberalismo e todos os fatores de desordem do Brasil, se empenhavam em perseguir os Bispos do Recife e do Pará, a Princesa Isabel fez notar sempre sua desaprovação ao que se passava, rodeando constantemente com as maiores atenções os altos dignitários da Igreja, e dando publicamente provas tais do vigor de suas convicções católicas - naquele tempo os inimigos da Igreja diziam-se anticlericais mas afirmavam ser católicos; hoje em dia alguns deles cometem uma aberração não menor, ostentando-se anticatólicos mas escondendo que são anticlericais – e, portanto, de sua desaprovação pelo que acontecia, que a Princesa Isabel ficou assinalada pela maçonaria como vítima destinada a nunca ocupar o trono do Brasil.
Conquanto os móveis de ação da Princesa, nessa difícil emergência, tenham sido religiosos, a experiência mostrou mais tarde que ela procurou abrir para a monarquia o único caminho viável, que seria o da restauração religiosa do Brasil, única base sólida de todas as instituições humanas. Na realidade, a Princesa Isabel não agiu apenas como uma grande católica, mas ainda como uma estadista de larga envergadura.
A Princesa, entretanto, tinha uma firmeza de caráter muito acentuada, e soube mais de uma vez, dentro dos limites ditados por sua situação, fazer valer bem alto seus direitos de católica e de herdeira do trono imperial, contrariando ao mesmo tempo o liberalismo rançoso que infestava o século XIX e certos preconceitos injustos que tendiam a retirar à mulher qualquer influência, ainda quando a Providência a tivesse feito nascer nos degraus de um trono.
Provou-o, por exemplo, a conduta modelar da Princesa por ocasião da questão religiosa. Enquanto D. Pedro II e o Ministério, de mãos dadas com a opinião regaliana e maçônica, com o liberalismo e todos os fatores de desordem do Brasil, se empenhavam em perseguir os Bispos do Recife e do Pará, a Princesa Isabel fez notar sempre sua desaprovação ao que se passava, rodeando constantemente com as maiores atenções os altos dignitários da Igreja, e dando publicamente provas tais do vigor de suas convicções católicas - naquele tempo os inimigos da Igreja diziam-se anticlericais mas afirmavam ser católicos; hoje em dia alguns deles cometem uma aberração não menor, ostentando-se anticatólicos mas escondendo que são anticlericais – e, portanto, de sua desaprovação pelo que acontecia, que a Princesa Isabel ficou assinalada pela maçonaria como vítima destinada a nunca ocupar o trono do Brasil.
Conquanto os móveis de ação da Princesa, nessa difícil emergência, tenham sido religiosos, a experiência mostrou mais tarde que ela procurou abrir para a monarquia o único caminho viável, que seria o da restauração religiosa do Brasil, única base sólida de todas as instituições humanas. Na realidade, a Princesa Isabel não agiu apenas como uma grande católica, mas ainda como uma estadista de larga envergadura.
Justifica-se,
pois, nossa afirmação de que suas qualidades honrariam qualquer estadista
católico.
* * *
Vejamos,
agora, o 13 de Maio. Se há um gesto da Princesa Isabel em que preponderou a
força das convicções religiosas, esse gesto foi o 13 de Maio. Nabuco contou, em
entrevista concedida à imprensa do Rio naquela época, que foi à procura de Leão
XIII, a fim de obter uma Encíclica contra a escravatura. Conhecedor profundo do
coração católico da Princesa, Nabuco, que já conhecia a manifesta solidariedade
que a ligava aos abolicionistas, não duvidava de que a palavra do Papa a
moveria aos mais enérgicos lances para libertar a raça negra. A entrevista
entre Leão XIII e Nabuco realizou-se. O relatório que dela fez Nabuco é
memorável e mereceria uma longa análise. Digamos, porém, simplesmente, que o
fruto da entrevista foi a resolução de Leão XIII de publicar quanto antes sua
palavra de ordem a todos os católicos do Brasil. Data daí o memorável documento
que hoje publicamos. Ele foi o móvel mais seguro da ação da Princesa Isabel.
Encontrando nos seus sentimentos intensamente católicos e caritativos da
Regente um eco profundo, as palavras do papa foram decisivas. A nobre e
inteligente manobra de Nabuco fora bem sucedida. E o 13 de maio não tardou a
vir.
Conta-se
que quando se dirigia para a porta de saída do Palácio, na triste noite de 16
de Novembro, a princesa passou pela sala em que se encontrava a mesa na qual
foi assinado o decreto de 13 de maio. E, num gesto de admirável firmeza
católica, ela exclamou: “Ainda que a libertação dos escravos tenha sido a causa
da queda do trono, não me arrependo por um só momento do que fiz; antes pelo
contrário, repeti-lo-ia se necessário fosse”.
Qual o episódio da História do Brasil que seja mais belo? E, no entanto, quão poucos são os que se lembram neste momento do grande Papa e da grande Princesa que, de modo tão destacado, contribuíram para o 13 de Maio?
À margem destes fatos históricos, não podemos deixar de fazer uma reflexão. Em sua Encíclica, Leão XIII recomenda expressamente um regime de especial proteção espiritual e material ao elemento liberto, que muito teria a sofrer de uma liberdade repentina, como o Papa claramente acentuou.
Veio a República. Com ela, Da. Isabel foi atirada ao exílio e a influência da Igreja foi coarctada por todos os modos possíveis quanto à sua ação na esfera legislativa.
Qual o episódio da História do Brasil que seja mais belo? E, no entanto, quão poucos são os que se lembram neste momento do grande Papa e da grande Princesa que, de modo tão destacado, contribuíram para o 13 de Maio?
À margem destes fatos históricos, não podemos deixar de fazer uma reflexão. Em sua Encíclica, Leão XIII recomenda expressamente um regime de especial proteção espiritual e material ao elemento liberto, que muito teria a sofrer de uma liberdade repentina, como o Papa claramente acentuou.
Veio a República. Com ela, Da. Isabel foi atirada ao exílio e a influência da Igreja foi coarctada por todos os modos possíveis quanto à sua ação na esfera legislativa.
E
a raça negra ficou sem o amparo que seria indispensável para que o 13 de Maio
fosse para ela, na totalidade de seus efeitos, uma reparação benéfica
simultaneamente imposta pela justiça e pela caridade.
E,
hoje em dia, essa grande obra do reerguimento moral do negro ainda parece
esquecida de muita gente, que acha divertido glorificar a abjeção das macumbas
e dos candomblés, em lugar de trabalhar positiva e concretamente pela elevação
do nível moral da raça negra.
Artigo “À
Margem do 13 de maio” , de Plinio Corrêa de Oliveira
“Legionário”,
No 296, 15 de maio de 1938
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