Um exemplo bem marcante da educação religiosa que recebiam as jovens no
decorrer do século XIX, principalmente aquelas de elevada posição, tivemos na
Imperatriz Leopoldina. Não se trata de uma educação dada no Brasil, mas na
culta e católica Áustria. No entanto, espelha a realidade de uma época, que se
refletiria futuramente também entre nós. A arquiduquesa Leopoldina casou-se com
Dom Pedro I e veio morar no Brasil, transformando-se na saudosa e querida
Imperatriz. Após o seu falecimento foi encontrado entre seus pertences um
livrinho de percalina vermelha com bordas de ouro, onde se lê os propósitos que
ela, ainda noiva, fizera para sua futura vida de casada. O livrinho foi escrito
em francês, contendo ainda a seguinte nota em alemão:
"Do dia 13 de maio, meu dia de casamento, em diante proponho-me:
1o. Reprimir a minha veemência, ser boa para com o meu
pessoal a fim de acostumar-me à brandura e condescendência.
2o. Quero evitar todo pensamento menos casto, pois deste dia
em diante pertenço ao meu marido.
3o. Quero esforçar-me com zelo por trabalhar no meu
aperfeiçoamento.
4o. Quero aplicar todos os esforços para falar sempre a
verdade".
O livro contém na capa as armas das Casas imperiais Habsburgo e Bragança
(famílias reais de D. Leopoldina e D. Pedro I), e uma pintura expressando o Evangelista São João oferecendo o
sacrifício da Santa Ceia a Nossa Senhora.
Eis a versão integral do texto:
"Minhas
resoluções - Viena 1817
Lembrai-vos! - Que
tendes um deus a glorificar, Jesus a imitar e vossa alma a salvar (S. Mateus,
XXII, 37-40).
Para todos os dias
1. Procurarei ter
sempre uma hora determinada para me levantar e para me deitar, evitando o
excesso de sensualidade durante o repouso.
2. Desde o despertar
o meu primeiro pensamento será a lembrança da presença de Deus; minhas
primeiras palavras serão: Ó Santíssima e adorável Trindade! Eu vos dou meu
coração e minha alma, eu Vos adoro com todos os coros dos Anjos. Ó Jesus! Meu Salvador! Tende piedade de mim! Minha primeira
ação será o sinal da cruz, que farei então desta maneira: em nome do Pai, que
me criou à Sua Imagem, e do Filho, que me remiu com seu sangue precioso, e do
Espírito Santo, que me tem santificado.
3. Para começar o
dia com um ato de mortificação me levantarei prontamente e convencida de estar
inteiramente diante de Deus, vestir-me-ei com toda a modéstia possível. Se
estiver fraca de saúde que eu não possa me levantar rápido, ocupar-me-ei dos
santos exercícios de um cristão, que deve começar seu dia santamente.
4. Tomando água
benta, que terei sempre em meu quarto, por-me-ei de joelhos perante meu crucifixo,
e penetrada da presença de Deus rezarei com fervor minha oração matinal.
5. Farei todas as
manhãs uma meditação sobre uma leitura espiritual.
6. Assistirei à
Missa com modéstia e piedade exemplares, comungando sempre, nem que seja
espiritualmente.
7. Após meus
exercícios de piedade empregarei o resto do tempo em observar os deveres de meu
estado, e dos cuidados que a ele estão ligados. Nada de despesas inúteis que
desorganizam a economia; mas da esmola farei tanto quanto possível; me reservarei daquilo que for frívolo para
poder socorrer melhor os infelizes.
8. Farei muitas
vezes atos de fé, de esperança e de caridade. Formarei sempre em meu coração
tais sentimentos: Ó meu Deus! Penetrada
de Vossa infinita Majestade eu Vos adoro com os santos Anjos, que rodeiam Vosso
trono. Jesus! Meu Salvador! Uno-me a Vós
em todas as minhas ações.
9. Aproveitarei
todas as ocasiões, que se me apresentarem, para fazer atos de humildade, e
mortificações exteriores e interiores. Me esforçarei do mesmo modo, no que for
possível, para adorar Jesus Cristo em seus Santos tabernáculos, sobretudo em meu
oratório, quando o Santo Sacramento estiver nele encerrado.
10. Farei minhas
orações da noite como as da manhã, diante de uma imagem do Crucificado e da Santíssima
Virgem, as quais terei sempre no meu quarto, e aí acrescentarei o exame
especial de minha conduta do dia. Mudando a roupa modestamente na presença de
Deus terminarei o dia com estas palavras: "Ó meu Jesus crucificado. Recebei-me em Vossas Santas
chagas. Sagrado Coração de Jesus!
Escondei-me no abismo de Vosso amor para passar esta noite sem Vos
ofender. Ó Maria, Mãe da Graça e da
Misericórdia. Eu me entrego com a maior
confiança em Vossos
Santos braços. Dai-me Vossa santa bênção maternal. Anjo da
Guarda, eu Vos recomendo minha alma e meu corpo; Amáveis Padroeiros e
Padroeiras! Bem-aventurados do céu! Rogai por mim, por meus amigos, por meus
inimigos, por meus parentes e benfeitores e por todos os antepassados. Eu vos
recomendo todos aqueles que caírem em agonia neste noite". Enfim, fazendo
com devoção o sinal da cruz dormirei num pensamento cristão, após haver tomado
água benta, que trarei sempre próxima de meu leito.
Para todas as semanas
Às sextas e sábados
farei pequenas mortificações, como de me privar de qualquer coisa na refeição,
ou de guardar o silêncio durante algum tempo ou de privar de uma
distração; entretanto, sem que ninguém
note. Farei tais coisas para me lembrar particularmente daqueles dias da Santa
Paixão de Nosso Senhor, e para me preparar melhor para comemorar os Domingos.
Para todas as Festas
Para lhes santificar
evitarei tudo que possa lhes profanar; assistirei ao ofício divino e ao sermão
com toda edificação, dedicando mais tempo à meditação e à leitura espiritual,
sobretudo ao cumprir minha devoção. Abster-me-ei nos dias de festas de todos os
prazeres, espetáculos, festins, etc., que possam profanar estes santos dias ou
impedir sua santificação. Não negligenciarei
as obrigações que assumi como membro da Ordem da cruz estrelada[1],
e observarei no que for possível os estatutos que são prescritos a todos os
membros.
Para todos os anos
Terminarei o último
dia do ano com uma revisão geral de minha conduta; farei com ardor a preparação
para a morte segundo orientação de meu Diretor de consciência, e lerei de novo
minhas resoluções para gravá-las mais tempo no coração e no espírito.
Para todos os tempos
1. Conservarei no
meu coração as boas instruções que tenho recebido de meus parentes e das
pessoas encarregadas de minha educação.
2. Terei sempre que
for possível um confessor, ao qual obedecerei com exatidão e que o consultarei
sempre nas coisas que concernem a minha salvação.
3. Evitarei todas as
leituras que sejam contrárias à minha Santa Religião, que ferem a delicadeza da
consciência e que excitem à sensualidade ou uma paixão qualquer.
4. Jamais o respeito
humano me impedirá de me declarar abertamente pela Santa Religião
Católica; empregarei, ao contrário,
todos meus esforços e todas minhas rendas supérfluas para a propagar, para
construir ou decorar as igrejas, sobretudo para sustentar os Institutos que se
consagrem á educação da juventude ou que faça profissão de assistir os
necessitados.
5. Meu coração será
eternamente fechado ao espírito perverso do mundo; assim, bem longe de mim os
gastos inúteis, o luxo nocivo, os adornos indecentes e as mundanidades e
vestimentas escandalosas. Minha virtude tão necessária será sempre a modéstia
para conservar a pureza de meu coração, sem a qual jamais agradarei a Deus.
6. Não me cansarei
de combater minhas paixões, começando pela dominante, e para lhes destruir mais
rápido voltarei contra elas todas as armas espirituais: a vigilância sobre meu
coração e sobre meus sentidos, o exame quotidiano, a contrição e a penitência
depois de cada queda, a leitura, a meditação, a freqüência usual ao Santíssimo
Sacramento, as orações fervorosas, enfim, a invocação dos santos, que se
destacaram na virtude oposta ao vício que quero destruir.
7. Principiarei todas as ações na presença de
Deus, unindo-as às de Jesus Cristo, mesmo aquelas que me sejam agradáveis, como
o beber e o comer, o repouso, as recreações e divertimentos. Vigiarei que a
sensualidade e o amor próprio não me roubem o mérito, mas que seja santificado
por coisas sobrenaturais.
8. Na conversação
falarei com muita prudência, para não falar muito, e para não ficar calada, que
possa ferir a verdade, a caridade, e a modéstia; e se outros começarem
conversas contrárias a essas virtudes, que não possa evitar ou impedir, eu
farei ao menos com meu olhar um imperioso respeito, e pelo silêncio o desprazer
que tenho nisso.
9. Lembrar-me-ei
sobretudo das promessas que fiz no dia de meu casamento perante a Igreja e das
obrigações ali contraídas. Guardarei inviolavelmente a fidelidade devida a meu
marido e evitarei todas as familiaridades com as pessoas de outro sexo. Deus me
guarde de estar jamais a sós com outro homem, por mais sábio que pareça, num
local ermo; não terei amigos que não sejam pessoas virtuosas.
10. Se a Providência
me favorecer dando-me filhos, eu lhes protegerei como uma dádiva preciosa do
céu, que Deus cobrará um dia de minhas mãos. Terei cuidado de lhes dar uma educação
muito cristã, e longe de fazer qualquer frivolidade em suas presenças tratarei
de lhes imprimir o respeito que os filhos devem a seus pais.
11. Nenhuma
familiaridade com meus domésticos; mas lhes tratarei com clemência, e,
dando-lhes bom exemplo, exortando-os á virtude, em lhes reprimir todas as
ocasiões criminosas, tratarei de salvar ou de santificar minha casa.
12. Considerarei
sempre a mentira como a obra-prima do diabo, e como uma peste na sociedade. Eu me guardarei de sentir-me culpável. Se
Deus pede uma conta rigorosa de cada palavra que é proferida, quanto mais das
mentiras.
13. Longe de mim
todo ar de grandeza e de altivez; mas serei grave e modesta para todos,
honesta, doce, afável, e polida com os grandes e os pequenos.
14. Aceitarei todas
as penas e aflições da mão de Deus, unindo-as aos sofrimentos de Jesus Cristo;
não comentando isto a não ser a Jesus e a meu confessor.
15. Jamais falarei
demasiado em meu proveito, ou daquele que me olha, e se alguém me elogiar eu
lhe reportarei a Deus, bem persuadida que todos os bens da natureza e da graça
que tenho recebido, mesmo aqueles da fortuna, se me pertencem não vêm senão
dEle, e que, no fundo, eu tenho de nascimento o pecado e as más inclinações.
16. Todos os
momentos da vida dados para minha salvação eu lhes empregarei segundo as vias
de Deus. Assim, longe de mim os vestidos
escandalosos e longos, visitas perniciosas e inúteis. Terei os divertimentos convenientes á minha
idade; nunca terei o gozo das maneiras que me sejam nocivas, mas somente para
descansar meu espírito e meu corpo, a fim de lhes deixar mais capazes de servir
a Deus com mais ardor. Todo o resto do tempo será reservado às ocupações úteis.
Minha piedade não será pouco sociável nem sombria, mas grave e agradável. Eis
aí, Jesus Cristo, meu divino Senhor, as resoluções que Vós me destes a graça de
me inspirar. Eu Vos ofereço com meu coração. Abençoai e concedei-me os socorros
necessários para lhes colocar em prática. Assim seja". [2]
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