É comum as pessoas afirmarem expressões como
“estar com Deus”, “Deus será a minha proteção”, “O Senhor está comigo”, etc. Até
na liturgia católica há uma resposta à invocação do Sacerdote, na Missa, que
diz “O senhor esteja convosco”, a qual se responde assim: “Ele está no meio de
nós”. A afirmação pressupõe uma coisa muito elementar, a de que Deus sempre
está presente nos acontecimentos. Mas, também a de que Deus somente está ao
lado das pessoas que Ele ama, ou que seja uma boa pessoa. Então Deus não
estaria ao lado dos maus, por exemplo, ou de quem pratica pecados e O ofende.
Se “Ele está comigo”, nada tenho a temer.
Mas, será verdade que Deus realmente está
presente na vida de todo e qualquer cristão, ou mesmo de qualquer ser humano,
cristão ou pagão?
Vamos analisar em detalhes esta questão.
1. Deus
age por causas segundas
Esta verdade, defendida originalmente por São
Tomás de Aquino[1], é uma
questão pacífica entre teólogos. Quer dizer, ninguém a contesta. Então, segundo
esta afirmação tudo o que Deus faz é sempre através de Suas criaturas, Ele
nunca age diretamente. E a ação divina é prioritariamente feita através daquele
mais próximo, isto é, preferentemente Ele inspira um homem a agir sobre outro
homem, um Anjo sobre outro Anjo, ou, um superior mais próximo sobre um
inferior. A ação divina mais perfeita, segundo este princípio de agir por
causas segundas, seria Ele usar de um Santo que está no Céu para interceder a
favor de um homem. Ou então de um Anjo. Mas, sempre procurando fazer com que
chegue até determinado homem a Sua ação através daquele mais próximo dele, até
mesmo por intermédio de outro homem que ainda vive. Um dos exemplos mais
marcantes deste princípio foi a ação dos Anjos, em nome de Deus, na libertação
do povo hebreu sob o comando de Moisés. Os intercessores daquele povo eram
Moisés e os Santos Anjos, sendo que estes últimos atuavam mais eficazmente na operação
de milagres. Então, quem opera mais eficazmente em nome de Deus é aquele que
está mais próximo tanto de Deus quanto do que recebe a ação.
2. Como
Deus habita em nós
A) de forma “natural”
Segundo São Tomás de Aquino, Deus está em
nós, naturalmente falando, de três maneiras diferentes:
- por
potência (todas as criaturas estão
sujeitas a seu império);
- por
presença (por causa de sua onipresença) e
- por
essência (porque opera em toda parte e em toda parte Ele é a plenitude do
ser e causa primeira de tudo).
Estas três maneiras são as mesmas com que
Deus também está não só nos homens, mas em toda a criatura, sendo que nos
homens está de uma forma especial por sermos sua imagem e semelhança. Assim
está Ele também em qualquer homem, quer seja pagão ou cristão, pecador ou não,
até mesmo entre os condenados no inferno. Mas, esta forma de posse é própria da
Pessoa do Pai, Criador de todas as coisas e de todos os homens. Há necessidade
de que as outras três Pessoas Divinas também habitem em nós.
B) pela lei da Graça
A Santíssima Trindade faz-se presente na alma
humana, transmitindo-lhe a vida divina: o Pai vem a nós e continua em nós a
gerar o Filho; com o Pai recebemos o Filho em nosso interior, e como fruto do
amor de ambos recebemos o Espírito Santo. Fazem as três pessoas divinas sua
morada em nossa alma e nos adotam como filho: se acolhemos, pois, em nossa
morada o nosso Criador, Redentor e Santificador, transmitem-nos assim
participação na vida divina.
O mesmo São Tomás de Aquino também explica
como se dá esta outra forma com que Deus habita em nosso interior:
“Acima do modo comum, pelo qual Deus habita em toda
criatura, há um modo especial, por que Ele habita exclusivamente na criatura
racional, e é como o conhecido está naquele que conhece, e o amado no amante.
“Mas, como a criatura que conhece e ama (trata-se do
conhecimento pela fé e do amor pela caridade) alcança a Deus mesmo na sua
operação, resulta disso que Deus, por este modo de presença, não só está
presente na criatura, mas nela habita, como em um templo” [2]
Como, então, estando Deus em nosso interior
precisamos nos dirigir a Ele? Exatamente porque Ele exige que sempre O
busquemos através das causas segundas, usando de Seus intercessores entre nós e
Ele. Se precisamos de Seu auxílio o melhor meio é procurá-lo entre aqueles que
estão entre nós e Ele: nossos superiores aqui na terra e os Santos e Anjos no
Céu.
De
outro lado, Deus em Suas três Pessoas Divinas não se satisfaz em morar em nosso
interior apenas da forma natural, como fomos criados, mas principalmente da
maneira sobrenatural. A forma natural reflete apenas a ação do Pai, porém temos
que ter a posse não somente do Pai, mas também do Espírito Santo e do Filho.
Ele pede que façamos uma ascese em Sua busca para sermos perfeitos e felizes
como Ele.
3. O
juízo de nós mesmos, ou exame de consciência, condição para que atue em nós a
Santíssima Trindade
Inicialmente,
a fim de que possamos conseguir a posse completa da Santíssima Trindade em nós,
comecemos por fazer um exame de consciência. O que é o exame de consciência, uma auto-análise ou auto-julgamento? É uma
espécie de juízo de si mesmo.
Uma das regras de convívio social mais antiga
que há entre as ordens religiosas da Igreja é o famoso Capítulo de Culpas.
Trata-se da acusação dos defeitos que cada monge faz perante seus confrades,
reconhecendo-se culpado e prometendo emenda. Caso o capitulado se esqueça de
alguma de suas faltas, ou queira omiti-la por qualquer motivo, um outro monge
pode acusá-las perante a assembléia.
Esta regra é como que um ensaio do juízo de
Deus sobre nós, pois no Capítulo se aceita de bom grado ser julgado pelo seu
semelhante, o que ocorrerá no Juízo Final, pois Nosso Senhor julgará a todos
como Homem e não como Deus. No entanto, a Regra não permite que sejam ali
desvendados pecados graves sujeitos ao tribunal da consciência no
Confessionário, mas apenas as faltas comuns do dia a dia, falta de cumprimento
de obrigações, e outras oriundas apenas do convívio fraterno na comunidade.
No Capítulo, o monge aprende a sofrer
julgamento dos demais, assim como aprende também a exercer seu juízo sobre
outros de uma forma caritativa e formadora do caráter da ascese espiritual. Na
ocasião não tem lugar o respeito humano ou qualquer tipo de susceptibilidade
que temos diariamente sempre que vemos nossos defeitos aparecer perante os
outros. E, no final, a virtude que resplandece é a da humildade.
É como se a comunidade estivesse fazendo um
“exame de consciência” de si mesma através do capítulo de culpa de seus membros.
Isso que as ordens religiosas da Igreja utiliza como forma de auto-regência de
seus membros nada mais é do que a extensão do exame de consciência praticado
individualmente por cada um para o âmbito coletivo..
O exame de
consciência
Consciência
– Segundo
Royo Marin, a palavra “consciência” parece provir do latim “cum scientia”, isto
é, “com conhecimento”. Cícero e Tomás de Aquino lhe dão o sentido de
“consciência comum com outros: “Unde conscire dicitur quase simul scire” (Santo
Tomás, De veritatis, 17.1).
Realmente pode tomar-se em dois sentidos
principais:
a)
Para expressar o conhecimento que a alma tem de
si mesma ou de seus próprios atos. É a chamada “consciência psicológica”. Sua
função é testificar, e inclui o sentido íntimo e a memória;
b)
Para designar o juízo do entendimento prático
sobre a bondade ou maldade de um ato que temos realizado ou vamos realizar. É a
chamada “consciência moral”.
A seguir, define o que seja a natureza da
consciência moral nestes termos:
Natureza . A consciência moral pode definir-se:
o dictamen ou juízo do entendimento prático acerca da moralidade de um ato que
vamos realizar ou temos já realizado, segundo os princípios morais.[3]
Ainda no mesmo tratado de Royo Marin, ele diz
que a consciência não é uma potência (como o entendimento ou um hábito como a
ciência), mas um ato produzido pelo
entendimento por intermédio do hábito da prudência adquirida ou infusa.
Consiste este ato em aplicar os princípios da ciência a algum fato particular e
concreto que realizamos ou vamos realizar. Define ele a consciência como
verdadeira quando “é de si a única regra subjetiva e próxima dos atos humanos”,
porque nessa classe de consciência reside o único e verdadeiro dictamen da lei
eterna, origem e fonte de toda moralidade. Como a lei divina não suprime, mas
confirma a lei natural, toda consciência verdadeira é também conforme esta
última. Examinar a consciência é, pois, confrontar os atos que praticamos com o
que conhecemos da lei divina ou natural e deduzir se fomos fiéis ou não a tais
leis. Para que isto seja feito é necessário que haja “conhecimento” prévio
destas leis, daí chamar-se “exame de consciência”, quer dizer, verificar o que
praticamos em função do que sabemos sobre a moralidade de nossos atos e
atribuir a cada um deles um grau de
gravidade perante o que diz a Lei. Trata-se, pois, de um juízo de si mesmo, um
ato de co-regência feito com auxílio da Graça, pois necessitamos desta para
iluminar a nossa alma e secundar a natureza de nossas ações.
4. Complementar
o exame de consciência com Confissão e Comunhão
De
nada adianta fazer o exame de consciência se a pessoa não prosseguir nos passos
seguintes após o mesmo. Há necessidade de expor ao Sacerdote todos os seus
pecados, tudo aquilo que seu juízo interior lhe fez ver como mau e ofensivo a
Deus, exigindo-se assim que um representante do próprio Deus seja nosso
coadjutor neste juízo (que é divino agora), inclusive com a pronúncia de uma
sentença, absolvição ou não de nossas faltas. Avança-se, desta forma, mais um
passo em direção de uma regência perfeita de si mesmo, buscando a co-regência
do Confessor, representante legítimo de Deus entre os homens. Por que? Porque
temos necessidade da presença de um juiz humano que, juntamente conosco, exerça
o poder de julgar sobre nosso procedimento, sobre nossas ações. O homem nunca
conseguirá. sozinho, ser perfeito juiz de si mesmo enquanto viver neste mundo,
haverá sempre necessidade de um outro juiz, sendo este sempre outro homem.
Embora a Doutrina Católica afirme que a sentença dada pelo Sacerdote é do
próprio Cristo, que usa o confessor como instrumento, no entanto também é
verdade que este instrumento foi útil para que se exerça a regência sobre o
homem ali presente. O próprio Jesus Cristo nos julgará na eternidade como
Homem, segundo diz São Tomás de Aquino.
E,
também, não ficaria completo tal procedimento se a pessoa não realizar uma
Comunhão, se não receber o próprio Cristo, em corpo, sangue, alma e divindade,
na Hóstia Consagrada. Algumas das razões são estas:
A) No
ato do auto-julgamento ou juízo de si mesmo (o exame de consciência), a pessoa
está sob influência e regência do Pai Eterno, que nos inspira a melhor forma de
fazê-lo;
O Padre Eterno, a
primeira revelação divina no templo da alma
As manifestações de Deus Pai, no Novo Testamento,
sempre mostram uma relação de afeto e veneração com o Filho e revelada aos
homens. Manifestou-se no batismo de Jesus (Mt 3, 17), dizendo: “este é o meu
Filho amado em quem pus minhas complacências”, frase repetida na Transfiguração
sobre o Monte Tabor (Mt 17, 5), parecendo ter sido estas as únicas vezes em que
Deus Pai se manifestou publicamente para dar testemunho de Jesus. Aliás, tais
cenas revelam uma manifestação da Santíssima Trindade e não só do Pai Eterno.
Nosso Senhor disse que tudo o que fazemos ou
o que imaginamos, tudo o que pensamos, enfim, é segredo do Pai (Mt 6, 1-4). Por
isso, recomenda orar ao Pai em segredo (Mt 6,6 e 6, 18), pois não serão nossos
gestos ou palavras que O farão nos ouvir (Mt 6,7-8). O Pai perdoa a quem perdoa (Mt 6, 14/15) e só nos concede coisas boas
(Mt 7, 11). Por fim, só entrará no reino
dos céus quem faz a vontade do Pai (Mt 7, 21).
A ação de Deus Pai (que, aliás, é sempre
conjunta com as outras duas pessoas divinas, pois todas Elas agem ao mesmo
tempo) se circunscreve sempre ao interior mais profundo das almas. E da mesma
forma procede do Pai as revelações mais importantes, pois é Ele quem revela (a
Sabedoria) aos pequeninos e as esconde aos “sábios” (Mt 11,25).
Foi Deus Pai quem revelou a São Pedro o caráter divino da natureza de
Jesus (Mt 16, 17): “Não foi a carne e o sangue que to revelou, mas meu Pai que
está nos céus”,
De outro lado Pai e Filho têm tal união que
se completam, pois “ninguém conhece mais o Pai do que o Filho” (Mt 11, 26-27) e
vice-versa. Assim também como todas as coisas que são reveladas, inclusive a
própria revelação feita a São Pedro, Ele o faz através do Filho, e é o Filho
quem revela o Pai (Mt 11,27).
Enfim, Deus Pai se revela no interior de seus
filhos verdadeiros, trata-se da luz primeira, dos primeiros conhecimentos que o
homem tem em seu interior sobre Deus. Esta imagem primeira, estes sinais mais
recôndito de Deus, o homem o encontrará dentro de sua própria alma. Para tanto
basta que use a “luz da razão” e consulte sua consciência..
Aquele, pois, que procurar obscurecer sua
própria luz da razão e apagar em seu interior a imagem de Deus, estará
destruindo o templo divino e, como conseqüência, construindo o de satanás em
seu lugar. É um homem morto não só para a vida da Graça, mas até mesmo para a
vida natural para a qual foi também criado.
O nome de Pai é mais apropriado a Deus do que
o nome de Deus, conforme escreveu São Cirilo de Alexandria:
“O
Filho não manifestou o nome do Pai apenas revelando-o e dando-nos uma instrução
exata sobre a Sua divindade, uma vez que tudo isso tinha sido proclamado antes
da vinda do Filho, pela Escritura inspirada. O Filho também nos ensinou, não só
que Ele é verdadeiramente Deus, mas que é também verdadeiramente Pai, e que é
assim verdadeiramente chamado, pois tem em Si mesmo e produz para fora de Si
mesmo o Filho, que é co-eterno com a Sua natureza.
O nome
de Pai é mais apropriado a Deus do que o nome de Deus: este é um nome de
dignidade, aquele significa uma propriedade substancial. Porque quem diz Deus
diz o Senhor do universo. Mas quem nomeia o Pai específica a característica da
pessoa: mostra que é Ele que gera. Que o nome de Pai é mais verdadeiro e mais
apropriado que o de Deus mostra-no-lo o próprio Filho pelo modo como o usa.
Pois Ele não dizia: «Eu e Deus», mas: «Eu e o Pai somos um» (Jo 10, 30). E
dizia também: «Foi a Ele, ao Filho, que Deus marcou com o Seu selo» (Jo 6, 27).
Mas,
quando mandou os seus discípulos batizarem todos os povos, ordenou
expressamente que o fizessem, não em nome de Deus, mas em nome do Pai, do Filho
e do Espírito Santo (Mt 28, 19)”..[4]
É comum nos depararmos com este paradoxo: não
conhecemos e nem sequer sabemos onde encontrarmos a nossa própria intimidade, o
âmago de nossa própria alma. Se não sabemos nem sequer onde se encontra o
âmago, o mais profundo das cogitações de nossa alma, como podemos, pois, saber
onde se encontra também o próprio Deus dentro de nós? O homem desconhecendo a si mesmo, não sabendo
quem ele realmente é, também não poderá conhecer seu Criador.
“Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14, 2)
O que significa a expressão “Casa do meu
Pai?”. Trata-se do Templo de Deus. Foi assim que Ele se expressou ao expulsar
os vendilhões do Templo de Jerusalém: “Está escrito: a minha casa é uma casa de
oração e vós fizestes dela um covil de ladrões” (Lc 19, 45-46). A Casa de Deus,
o Templo de Deus e as moradas celestes são a mesma coisa, embora o Templo
citado acima diga respeito ao edifício de Jerusalém. E, no entanto, diz-se que
o Templo de Deus encontra-se no interior do homem; à semelhança de como está
Ele também no céu, encontra-se no coração e na alma do homem. Vale a mesma
afirmação para o coração, este interior profundo do homem, que sendo templo de
Deus deve ser antes de tudo “casa” de oração.
Existem várias passagens no Evangelho em que
Nosso Senhor fala das moradas, ora referindo-se às moradas celestes, ora às do
interior do homem. Por exemplo: “Na casa de meu pai há muitas moradas. Se assim
não fosse, eu vo-lo teria dito. Vou preparar o lugar para vós. Depois que eu
tiver ido e vos tiver preparado o lugar, virei novamente e tomar-vos-ei comigo
para que, onde eu estou, estejais também vós” (Jo 14, 2-3). E mais adiante: “Se
alguém me ama, guardará a minha palavra, meu Pai o amará, nós viremos a ele e
faremos nele morada” (Jo 14, 23).
A morada pode ser entendida como um lugar
geralmente destinado a acolher pessoas de uma forma permanente. Assim como as
moradas celestes são destinadas a acolher os bem-aventurados por toda a
eternidade, as moradas de Deus no nosso interior são destinadas a acolhê-Lo com
o fim de adorá-Lo, reverenciá-Lo, obedecê-Lo, prestar-Lhe culto, etc, isto tudo
de uma forma permanente, com intenções de tornar-se eterna na outra vida. Desta
forma, as moradas celestes, a que se referia Nosso Senhor nas passagens acima,
queria dizer tanto os lugares destinados aos bem-aventurados na outra vida
quanto as moradas que existem no interior de nossa alma. No Céu, são os tronos
celestes para o descanso eterno de nossa alma, e em nós são as moradas
interiores para que nelas Deus reine e seja adorado.
Da mesma forma, o fato de Nosso Senhor dizer
que são muitas as moradas, quer também significar a grande diversidade de vida
espiritual que cada um pode ter para se chegar até Deus, ou, como são diversas
as batalhas para conquistá-las até chegar a Ele. Neste sentido também, existem
tanto as moradas celestes quanto as de Deus no interior de nossa alma. Nosso
interior pode ter, neste sentido, dois grandes castelos senhoriais: um
destinado a ser templo de Deus e outro destinado à Sua morada. Melhor ainda, a
mesma morada pode servir ela mesma de templo. Aliás, uma só, não, várias
moradas, como disse o próprio Nosso Senhor. Assim, mesmo tendo Deus Pai em
nosso interior como luz primeira de nossa existência, precisamos preparar uma
morada para Deus Filho e o Espírito Santo. São Paulo disse: “Por essa causa dobro os meus joelhos diante
do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família, quer nos céus,
quer na terra, toma o nome, para que, segundo as riquezas de sua glória, vos
conceda que sejais corroborados em virtude, segundo o homem interior, pelo seu
Espírito, e que Cristo habite pela fé nos vossos corações, de sorte que,
arraigados e fundados na caridade, possais compreender, com todos os santos,
qual seja a largura e o comprimento, a altura e a profundidade; e conhecer
também o amor de Cristo, que excede toda a ciência, para que sejais cheios de
toda a plenitude de Deus” (Ef 3, 14-19)
Qual a finalidade das moradas celestes? Dar
descanso, gozo e paz (descanso não só como fim de nossas tribulações, mas como
êxtase nas coisas de Deus; gozo dos bens eternos e paz que é fruto da
tranqüilidade da ordem), pois esta é a finalidade de toda morada. E permitir à
contemplação do Eterno sem qualquer obscuridade de nosso espírito humano.
Por
causa disso, as moradas celestes devem ser compostas de substâncias espirituais
e corporais próprias do Empíreo (destinadas a acolher também as propriedades do
corpo ressurreto: translucidez, sutileza, agilidade, ubiqüidade etc.), além de
dons, virtudes e graças para sustentar, alimentar e engrandecer corpo e
alma. Os quais foram necessários à
ascese na terra de uma forma imperfeita quanto ao nosso uso, mas perfeitíssimos
no céu por causa de estarmos imersos em Deus.
Temos no interior de nossa alma os reflexos
das celestes moradas de Deus, as quais se tornam realidade com a vinda da
Santíssima Trindade para morar em nós.
Assim, Deus pode morar em nosso interior de uma forma natural, como
reflexo de Suas perfeições (somos imagem e semelhança de Deus) e também de uma
forma completa através da ascese. Nós somos também uma morada de Deus no
verdadeiro sentido da palavra, como citamos acima (Jo 14, 23).
Como, então, poderemos chegar às moradas
divinas existentes no interior de nossa alma? Veremos que devemos travar
numerosas e renhidas batalhas para o mister. Devemos seguir não somente o
Decálogo, mas os conselhos evangélicos e andar nos passos de Nosso Senhor.. E
neles vamos encontrar a fórmula que fará com que o próprio Nosso Senhor venha
fazer em nós a Sua morada e nos leve para a Morada d’Ele:
“Depois
que eu tiver ido e vos tiver preparado o lugar, virei novamente e
tomar-vos-ei comigo para que, onde eu estou, estejais vós também. E vós
conheceis o caminho para ir onde vou” (Jo 14, 3-4):
Pelo que se viu acima, somente iremos depois
que Nosso Senhor foi, e somente iremos para o lugar que Ele nos preparou
juntamente com Ele mesmo. Da mesma forma, só iremos com Ele depois de “conhecer
o caminho” que Ele também já trilhou (quer dizer, o da Cruz e da santificação);
Como é este caminho? Ele mesmo o responde: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida,
ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo
14, 6). Para se ir ao Pai (portanto, para as moradas celestes) tem-se
primeiro que seguir o caminho (que é a Cruz), a verdade (que é a Fé) e a vida
(que é o amor a Deus, a caridade), e tudo isto ninguém o fará se não for por
intermédio de Nosso Senhor Jesus Cristo.
B) No
ato da Confissão (exposição ao Confessor dos fatos vistos no exame de consciência
como pecados e conseqüente arrependimento e absolvição) quem opera é o Divino
Espírito Santo, responsável pela nossa santificação e, portanto, auto-regência;
Através do exame de consciência fazemos um
auto-julgamento, mas é na Confissão que cumprimos a vontade de Deus,
submetendo-nos à justiça divina por intermédio do confessor. É um “tribunal”
tão poderoso, o da confissão, que, após o mesmo, todos aqueles pecados são
apagados da alma, é como se nunca tivessem sido cometidos. O perdão é total.
Ninguém vai ainda ser argüido no Juízo após a morte sobre aqueles declarados ao
confessor e absolvidos, pois naquele momento a pessoa já foi submetida a seu
julgamento, que é divino, pois Nosso Senhor Jesus Cristo deu este poder aos
sacerdotes.
C) Por
fim, está nossa alma pronta pare receber a Terceira Pessoa da Santíssima, o
Filho, na forma da Hóstia Consagrada, completando assim a total regência da
Trindade Santíssima em nós.
Feito isso, está perfeita a regência divina
em nós. Deus reina completamente em nosso coração pela presença da Trindade
Santíssima. O templo divino, presente em nosso coração, vai a partir daí
encontrar-se completamente ocupado pela Santíssima Trindade, não apenas nas
formas naturais, como visto acima, mas sobrenatural, fazendo-nos partícipe da
vida divina pela Graça e posse do mesmo Deus. Deus Pai nos inspirou e nos regeu
quando fizemos o exame de consciência; Deus Espírito Santo também nos regeu na
hora da Confissão, cumprindo assim a vontade divina; finalmente, a regência se
completou com a posse do Verbo Encarnado, o Filho de Deus Verdadeiro, ao
recebê-Lo na forma Eucarística, na comunhão sacramental. Está completa a
regência da Santíssima Trindade em nós.
A terceira vinda de Cristo
É desta
forma que se conclui a terceira vinda de Cristo, imaginada por São Bernardo:
“Virá a nós a palavra de Deus.
Sabemos de uma tripla vinda do Senhor. Ademais da primeira e da
última, há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta não. Na primeira,
o Senhor se manifestou na terra e conviveu com os homens, quando, como o
afirmou Ele mesmo, O viram e O odiaram. Na última, todos verão a salvação de
Deus e verão ao que traspassaram. A intermediária, em troca, é oculta, e nela
somente os eleitos vêem o Senhor no mais íntimo de si mesmos, e assim suas
almas se salvam. De maneira que, na primeira vinda o Senhor veio em carne e
debilidade; nesta segunda, em espírito e poder; e, na última, em glória e
majestade.
Esta vinda intermediária é como uma estrada por onde se passa da
primeira para a última: na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última,
aparecerá como nossa vida; nesta, é nosso descanso e nosso consolo.
E para que ninguém pense que é pura invenção o que estamos
dizendo desta vinda intermediária, ouvi-o a Ele mesmo: o que me ama – nos disse
– guardará minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele. Li em outra
parte: O que teme a Deus obrará o bem; mas penso que se disse algo mais daquele
que ama, porque este guardará sua palavra. E onde vai guardá-la? No coração,
sem dúvida alguma, como disse o Profeta: Em meu coração escondo teus conselhos,
assim não pecarei contra ti.
Assim é como hás de cumprir a palavra de Deus, porque são
ditosos os que a cumprem. É como se a palavra de Deus tivesse que passar pelas
entranhas de tua alma, teus afetos e tua conduta. Faz do bem tua comida e tua
alma desfrutará com este alimento substancioso. E não esqueças de comer teu
pão, não ocorra que teu coração se torne árido: pelo contrário, que tua alma
repouse completamente satisfeita.
Se é assim como guardas a
palavra de Deus, não cabe dúvida que ela te guardará a ti. O Filho virá a ti em
companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém, O que o faz
todo novo. Tal será a eficácia desta vinda, que nós, que somos imagem do homem
terreno, seremos também imagem do homem celestial. E assim como o velho Adão se
difundiu por toda a humanidade e ocupou ao homem inteiro, assim é agora
necessário que Cristo o possua todo, porque Ele o criou todo, o redimiu todo, e o
glorificará todo”.[5]
5. “Estar com Deus” é o mesmo que estar em estado de graça
Concluímos
então que para que possamos afirmar categoricamente que “estamos com Deus” ou
que “Deus está conosco” em sua forma perfeita é necessário que nos encontremos
em perfeito estado de graças. De outro modo, Deus somente estará conosco
naquelas formas naturais como vimos acima, a mesma que está em toda e qualquer
criatura.
[1]
Summa Q XXII Art III e IV
[2]
Suma Teológica I, Q XLIII, a. 3
[3] V.
“Teologia Moral para Seglares – Moral fundamental e especial – BAC, vol I – págs. 156/158
[4]
São
Cirilo de Alexandria (380-444), bispo e Doutor da Igreja Comentário ao
evangelho de João, 11, 7; Pg 74, 497-499 (a partir da trad. Delhougne, Les
Pères
[5] Dos sermões de São Bernardo, Sermão 5 no
Advento do Senhor, 1-3; Opera Omnia, edições cistercienses, 4, 1966, 188-1905
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