A invocação de Nossa Senhora das Graças,, cuja festa se prende à aparição da Santíssima Virgem a Santa Catarina Labouré, em 27 de novembro de 1830, muito fala às nossas almas de filhos e devotos d’Ela, porém não diz tudo. Já o título de “Mãe da Divina Graça”, rezado na Ladainha Lauretana, exprime de modo extraordinário a augusta prerrogativa de Maria enquanto medianeira e dispensadora universal dos dons de Deus.
Significado da palavra “graça”
Para melhor compreendermos e amarmos esse
atributo de Nossa Senhora, todo voltado a nosso favor, devemos antes analisar
os dois sentidos da palavra “graça” na linguagem católica.
Numa primeira acepção, ela quer dizer favor.
Por exemplo, se alguém sofre de uma doença,
suplica ao Céu a cura e a obtém, pode afirmar: “Recebi uma graça”. É um favor
que pediu e no qual foi atendido.
Outra pessoa se encontrará em grava apuro
econômico, precisando de auxílio para financiar urgentes necessidades de sua
família, e roga a Nossa Senhora que lhe dê a oportunidade de ganhar o dinheiro
indispensável. A ocasião se apresenta, ele alcança a soma desejada e resolve
seus problemas. Foi uma graça, um favor que lhe foi proporcionado pela Divina
Providência.
Há contudo, um sentido muito mais elevado da
palavra “graça”. Refere-se a uma dádiva tão imensa, tão suprema, que é a graça
por excelência. O que vem a ser?
Na sua infinita misericórdia, e sempre a rogos
de Nossa Senhora, Deus concede a todas as almas uma força espiritual que é uma
participação na própria vida incriada d’Ele.
Essa poderosa assistência divina é a graça santificante, que Ele infunde
nas almas no momento do batismo, e que pode ser enriquecida pelo homem ao longo
da vida, mediante reiterados atos de virtude, a freqüência aos Sacramentos,
etc.
Recebendo essa participação na própria vida de
Deus, a criatura humana é favorecida por um vigor, uma elevação e uma coragem
de alma que caracterizam os santos e santas, beatos e beatas que, em grande
quantidade, reluzem no firmamento da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Se procedêssemos a um recenseamento de quantos bem-aventurados existem no Céu, tomando apenas em consideração o
calendário litúrgico, o resultado já seria de milhares. Na verdade, porém, o
número de santos é muito maior do que o registrado nas hagiografias.
Com efeito, por santo deve-se entender não só
aquele que a Igreja proclamou como tal, elevando-o à honra dos altares, mas
também todas as almas que, embora desconhecidas, praticaram em vida a perfeição
heróica. Passaram pelo mundo de maneira humilde e apagada, não deixaram
vestígios pelas veredas da terra. Contudo, ao chegar ao Céu, brilham com luz
extraordinária, porque observaram a virtude de um modo igualmente
extraordinário.
Esses santos serão por todos conhecidos no dia
do Juízo Final, e muitos deles nos aparecerão como estrelas de primeira
grandeza. Talvez surpreendidos pela formosura de alguns deles, perguntemos ao
nosso Anjo da Guarda:
- Mas, aquele admirável que está lá, quem é?
- Ah, aquele? Foi um lixeiro na Terra. Porém,
teve tanta resignação carregando o lixo, desempenhou tão bem a missão de limpar
a cidade em que trabalhava, era tão atencioso para com as pessoas com quem
tinha de tratar, e de tal maneira fazia isto só por amor de Deus, que toda vez
que punha uma carreta de lixo no caminhão da limpeza era como se acendesse uma
estrela no Céu. Ou seja, colecionava méritos para a eternidade...
Outro terá sido um homem cheio de poder,
riquezas, talentos e posições, recebendo a todo momento elogios e referências
às suas grandes qualidades, e a todo instante exposto à tentação do orgulho e
da vanglória. Era-lhe fácil tornar-se ébrio de tanto entusiasmo por sua pessoa
e posição, todavia compreendeu que o homem nada possui do que se orgulhar: tudo
o que lhe pertenceu, recebeu de Deus e se destinava a servir a seu Eterno
Benfeitor. Se não tivessem sido
empregados em vista deste fim supremo, seus dotes e tesouros não teriam valido
coisa alguma. Por isso, aceitando essa verdade, ele nunca consentiu num
movimento de presunção e de amor-próprio, levando toda a sua existência na mais
perfeita humildade e no desprendimento dos bens terrenos. Santificou-se.
Um terceiro foi, digamos,, um governante
magnífico. À passagem dele, as multidões se desatavam em cânticos e entusiasmos
por suas realizações e seus triunfos. Ele venceu batalhas nas quais lutou pelo
bem, pela justiça; construiu cidades, socorreu populações castigadas por
inundações, epidemias, e as mais diversas catástrofes. A isto era levado não só
pelo fato de ser o chefe da nação, com meios de fazê-lo, mas também porque o
movia um intenso amor ao próximo e uma grande sabedoria.
Assim, se era preciso debelar uma peste que assolava certa região de seu país, ele mandava procurar os melhores médicos, conhecedores das melhores técnicas, a fim de que se combatessem com toda a rapidez possível aquele mal. Era um homem, enfim, possante em idéias e realizações, mas, sobretudo, em amor de Deus e em caridade fraterna. Virtuoso, ele passou por esta terra sem sujar-se com enlevos e comprazimentos consigo mesmo, faleceu santamente e subiu ao Céu como uma estrela. E ali refulgirá por toda a eternidade.
Como um enxerto da vida divina no homem
Todos esses santos, canonizados ou não, todas
essas vitórias do espírito sobre a carne, da virtude sobre o pecado, todos os
atos meritórios que qualquer fiel pratica, são frutos desta participação criada
na vida incriada de Deus, ou seja, da graça. Uma participação altíssima, que
poderia ser comparada, vagamente, a um enxerto.
Tome-se uma árvore comum, n a qual é enxertada a muda de uma outra árvore que dá frutos preciosíssimos. Quando chegar a hora da frutificação, esses valiosos rebentos nascerão na árvore que recebeu o enxerto. Assim também é a graça, um como que enxerto da vida incriada de Deus em cada um de nós. Se lhe correspondemos,,ele frutifica em nós, elevando-nos a inimagináveis alturas.
A santidade, fruto da correspondência à graça
Essa correspondência à graça significa praticar
a virtude, significa evitar a todo custo o pecado. Não deve nos preocupar,
neste mundo, se somos muita ou pouca
coisa. O único que importa é saber se cumprimos ou não os Mandamentos de Deus,
e os desígnios d’Ele a nosso respeito.
Ainda há alguns anos, a Igreja inteira celebrou a glorificação de mais uma heroína da Fé: Santa Ana Maria Taigi. Quem foi ela? Uma distinta senhora, conceituada na sociedade em que viveu, generosa nas esmolas que distribuía? Não. Foi uma cozinheira, uma modesta doméstica no palácio dos príncipes Colona de Roma, no século XIX. Desempenhou de modo perfeito as suas humildes funções, trabalhou incentivada por um ardente amor a Deus, e teve uma vida semeada de dificuldades e sofrimentos – pois ninguém vai para o Céu sem padecer – santamente suportados. Carregou de modo admirável a sua cruz, tornou-se sana e hoje está na bem-aventurança eterna. Uma simples cozinheira, diante de cuja alma, se lhes fosse dado contemplá-la, se poriam de joelhos os maiores potentados da terra...
O excelso papel de Nossa Senhora das Graças
E aqui se faz notória a gloriosa prerrogativa
de Nossa Senhora que hoje recordamos.
Como acima entendida, a graça é um imensíssimo
favor de Deus que nos é outorgado a todos, desde o momento do batismo, e que
não nos é negado ao longo de nossa existência inteira. Até o derradeiro
instante do homem, na hora de ele exalar seu último suspiro, a graça o
acompanha, o convida, chama e atrai. Mesmo no fundo dos piores pecados, ainda
lhe é dado ouvir o solícito apelo da graça, incitando-o à conversão.
Ora, essa recepção desse grandíssimo favor e
nossa correspondência a ele, não nos é possível sem que nos venha pelas
maternais e misericordiosas mãos de Maria.
Ela é a Mãe da Divina Graça, porque Mãe de
Nosso Senhor Jesus Cristo, fonte, princípio e autor de toda graça. Além disso,
por disposição da Providência, Ela é também a dispensadora dos dons e favores
celestiais, cuja totalidade constitui inexaurível tesouro que Deus confiou à
gerência d’Ela. Nossa Senhora é, portanto, a tesoureira das riquezas divinas.
Esse magnífico predicado mariano nos faz
desfrutar, junto a Deus, de uma privilegiada posição. Pois temos a interceder
por nós, continuamente, aos pés d’Ele Aquela que detém a chave de todas as
graças, Aquela que é a onipotência suplicante e sempre nos obtém aquilo que,
por nossos próprios méritos, jamais alcançaríamos. O valor de Nossa Senhora é
tal que todas as nossas orações feitas por meio d’Ela são atendidas, de modo
particular as preces e os pedidos que se referem à nossa santificação.
Por outro lado, Ela é especialmente Mãe dos que
necessitam das preciosas dádivas do Céu. Mãe dos que pugnam sob o estandarte da
fé, Mãe dos que se debatem contra as tentações, Mãe dos miseráveis, Mãe dos
pecadores, Mãe dos desamparados, Mãe daqueles que quase perderam a esperança da
salvação eterna – e para todos, sem exceção, obtém Ela o poderoso auxílio dos
dons de Deus.
Essa é Nossa Senhora das Graças, essa é a Mãe
da Divina Graça, que tem para com cada um de seus filhos solicitudes e bondades
inimagináveis!
(Revista “Dr. Plínio”,
nº 32, novembro de 2000)
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