Comentando sobre os bons frutos que nos podem causar a admiração, Dr. Plínio Corrêa de Oliveira imagina como isso poderia ocorrer com um grande personagem da História como Carlos Magno:
Pois
bem, há um instinto na alma humana profundo, chamado instinto de sociabilidade,
que faz com que os semelhantes se procurem. Este instinto também leva o homem a
alegrar-se e a relacionar-se quando nota em alguém qualidades aparentemente
opostas às dele, mas que o completam harmoniosamente.
Imaginem
Carlos Magno preparando os planos para uma invasão em terra de infiéis.
Sozinho
na sua sala, caminhando de um lado para o outro com passos firmes e cadenciados,
sobre um chão de mármore ou de granito polido, está o monarca de barba florida.
O recinto, ainda com influência românica, possui arcadas que dão para um pátio
interno onde há um pequeno chafariz sobre o qual pousa um pássaro que começa a
saltitar. O Imperador interrompe seu caminhar, olha o passarinho e sorri
amavelmente.
O
passarinho é tão diferente dele! Entretanto Carlos Magno não olhou apenas para
a ave, mas sentiu suas próprias vastidões interiores e compreendeu melhor a si
mesmo.
O
Imperador senta-se, manda vir um pouquinho de vinho e diz:
- Chame
Alcuíno, meu ministro e conselheiro. Quero expor-lhe os planos de uma
universidade e de uma batalha, porque as duas coisas eu resolvi agora.
O homem
se completou.
Entra
Alcuíno, monge famoso que organizou a renovação da cultura católica ocidental
como ela se desenvolveu na Idade Média; foi o Carlos Magno da cultura. Podemos
imaginá-lo como um homem venerável, de rosto comprido, fino, olhar que fita do
fundo de arcadas oculares onde olhos pequenos e pretos dardejam, ou olhos azuis
e inocentes sonham.
Alcuíno
se inclina ante Carlos Magno, que faz um gesto e diz:
-
Sentai-vos!
O sábio
Monge pede licença para ficar ajoelhado, ao que o Monarca responde:
- Sois
clérigo. Não é bom que um clérigo se ajoelhe diante um leigo. Sentai-vos!
Alcuína
afirma:
- Por
vossa ordem e em obediência a Deus, que deseja que o clero seja reverenciado,
senhor, eu me sento.
Começa
a conversa durante a qual Carlos Magno apresenta as metas gerais para uma
universidade. Alcuiíno ouve embevecido e pensa: “Que largueza de pensamento,
que homem! Vejo todo um continente formando-se atrás da fronte desse Imperador.
Que felicidade ter conhecido Carlos Magno!”
Dali a
pouco o Monarca vai falando menos e o Monge toma a palavra. Enquanto a voz de
Carlos Magno lembra espadas e escudos que se entrechocam, a de Alcuíno remonta
a sinos que tocam. Diz o douto conselheiro:
-
Senhor, para realizar as vossas imperiais e cristianíssimas intenções, que
julgo ter bem apreendido, tenho o intuito de vos propor tais matérias, e tal
outra tem tal riqueza...
De
repente é Carlos Magno quem está entrando pelo mundo da cultura e do saber, e
pergunta algo a respeito de Aristóteles, Santo Agostinho, São Jerônimo. Depois
quer saber alguma coisa sobre o Concílio de Nicéia, tal pormenor concernente à
virgindade da Mãe de Deus, e tal outro detalhe a propósito da união
hipostática. Nesse momento Carlos Magno está longe... Não pensa mais no
passarinho, nem na batalha contra os germanos ou os árabes. Ele tem apenas
diante de si o mundo da cultura e a alma de Alcuíno que desdobra imensa diante
dele, sabendo tudo, explicando tudo. Carlos Magno virou passarinho e saltita na
cultura de Alcuíno, encantado!
É
natural que isso tenha acontecido desse modo, porque assim é a alma humana.
Carlos está diante de quem tem mais cultura do que ele. O passarinho o
encantava por ser pequenino, e despertava na alma dele todas as afinidades
harmonicamente opostas que o grande tem com o pequeno. Agora é o grande que tem
alegria de sentir-se pequeno ao considerar alguém maior do que ele, não
absolutamente falando, mas num ponto.
O
grande Monarca tem a alegria de admirar e de crescer à medida que admira,
saindo dessa conversa mais elevado de espírito e pensamento: “Agora sei tal
coisa e tal outra. Hoje não conquistei nenhuma província, mas fiquei conhecendo
Santo Agostinho. Quando morrer não conduzirei comigo uma província, mas levarei
para o Céu o que eu soube e admirei da “Águia de Hipona”. Que grande dia este
em que conversei com o Monge Alcuíno!”
Ao admirar os que lhe são iguais o homem tende à sua
plenitude
Imaginemos
agora outra cena que historicamente não se deu, mas poderia ter-se dado: o encontro
dos dois imperadores, do Oriente e do Ocidente, em Constantinopla.
Vendo a
cidade maravilhosa na praia do Bósforo, parado num cais o Imperador do Oriente
espera a chegada de Carlos Magno.
Chega a
hora em que desce do navio uma passarela com um tapete sobre o qual Carlos
Magno caminha. Ambos de coroa na cabeça se cumprimentam, com ar de um rei que saúda
outro rei. Nesse aperto de mãos os dois monarcas cristãos, Oriente e Ocidente,
eles sentem a presença de Jesus Cristo e estreitam a amizade. Carlos Magno vê
seu igual como seu irmão. Sua alma cresceu numa outra dimensão. De igual a
igual, cada um deles é mais ele mesmo.
Houve
interesse nisso? Não, mas houve vantagem. Essa alma tinha necessidade disso
para crescer inteiramente. Todo ser vivo tende à sua plenitude, e Carlos Magno
ganhou plenitude no que ele tinha de mais essencial nesses três episódios de
sua vida. Ele ficou mais pleno, mais ele mesmo.
Voltando
de Constantinopla, algum escudeiro do grande Carlos poderia dizer a alguém que
não viu a cena: “Vós não sabeis o que é glória! Vós conheceis um imperador só –
Carlos, o Grande – tratando com os que são inferiores a ele. Mas não vistes a
glória de nosso Imperador quando ele tratou com um igual. Tinha-se a impressão
de um arco-íris que ia de um ponto a outro! Aquilo é glória, quando se viu a
soma dessas duas majestades altivas e cordiais entre si. Como é grande isso!”
Sem
dúvida, houve vantagem para quem presenciou isso porque cresceu. Mas é preciso
ter um espírito tal que se queira isso ainda que não houvesse vantagem; pela
homenagem desinteressada e encantada em relação àquilo que é maior, igual ou
menor em relação a nós”. (revista Dr. Plínio, junho de 2020, páginas 18/19)
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