Plínio Corrêa de
Oliveira
Dia 20 é festa de
São Bernardo (* 1090 + 20-08-1153), Abade, Confessor e Doutor da Igreja.
Rohrbacher, em sua “História da Igreja”, traz trechos da carta em que o Santo
conclama a Alemanha e a França Oriental para a II Cruzada:
“Eu Vos escrevo por
uma questão que se refere a Jesus Cristo e à vossa salvação. Eis, meus irmãos,
um tempo favorável, um tempo de propiciação e de salvação. O mundo cristão foi
atingido; o Deus dos cristãos começou a perder um país onde Ele se tornou
visível, onde o Homem conversou com os demais homens durante 30 anos. Um país que
Ele ilustrou com Seus milagres, consagrou com Seu Sangue, ornou das primícias
de nossa ressurreição. País que nossos pecados tornaram a presa e a conquista
de uma nação sacrílega e inimiga da Cruz. Logo aí! Se não nos opusermos ao seu
furor, esse povo bárbaro tornar-se-á dono da Santa Cidade, destruirá os
monumentos sagrados de nossa Redenção, manchará os lugares santificados pelo
Sangue do Cordeiro sem mancha.
“Já a sua avareza
sacrílega busca o mais precioso tesouro da religião, aspira apoderar-se deste
berço misterioso onde o Autor da vida morreu para nos fazer viver. Que fazeis
bravos soldados? Que fazeis servidores de Cristo? Abandonareis o Santo dos
santos? (...) Quantos pecadores penitentes lavaram nesses lugares, com
lágrimas, e obtiveram perdão para si, desde que a espada de vossos pais delas
afastou os pagãos que as desonravam! O inimigo da salvação vê (...) este
espetáculo que é para ele um tormento, range os dentes de raiva. Porém, ao
mesmo tempo, ele subleva os que são seus vasos de iniquidade e se prepara em
destruir até os últimos vestígios de tão santos mistérios (da Religião Cristã),
se – Deus não o permita – ele conseguisse se apoderar destes lugares santos
entre todos, o que seria uma desgraça irreparável e uma fonte de agudíssimas
dores para todos os séculos vindouros, além de ser para nós causa de vergonha e
de opróbrio.
“O Senhor quer
provar vosso zelo e saber se há entre vós quem deplore Sua desgraça e defenda
Sua causa. Apressai-vos então a assinalar vossa coragem, de tomar as armas pela
defesa do nome cristão, vós, cujas províncias são tão fecundas em jovens e
valentes guerreiros, se é verdade o que a vossa fama diz. Mudai em santo zelo
este valor odioso e brutal que vossa arma tão frequentemente um contra o outro
maneja, e vos faz perecer com as vossas próprias mãos. Eu vos ofereço, nação
belicosa, uma ilustre ocasião de lutar sem perigo, de vencer com glória, de
morrer com vantagens. Sois ávidos de glória e sois hábeis e sábios negociantes.
Eis o expediente para vos dar fama a vos enriquecer: Tomai a Cruz!
“Ela vos faz ganhar
o perdão de todos os pecados que confessareis com arrependimento. A matéria é
de vil preço, mas se a carregais com devoção ela vos fará obter o Céu. Feliz o
que se torna cruzado, feliz aquele que se apressa a tomar este sinal salutar!”
Os senhores vêm,
por este exemplo, como mudaram os tempos! Esta é a grande oratória do grande
São Bernardo de Claraval, Doutor da Igreja, reputado um dos maiores doutores do
seu tempo. Por quê razão esta oratória se tornou meio ininteligível para nós? É
porque prevalece entre nós o sistema literário moderno, o qual entra em choque
com a oratória de São Bernardo em dois pontos.
1 - O sistema
literário moderno pede uma falsa serenidade. Os próprios oradores devem falar
com frieza, devem fingir uma espécie de neutralidade em relação ao tema de que
tratam e devem fingir que tomam um juízo imparcial a respeito do mesmo. Do
contrário, não agradam e se tem a impressão de que eles são suspeitos. Isto é
quanto ao fundo de seu estilo.
2 - Quanto à forma,
São Bernardo faz períodos longos e a oratória moderna recomenda que se faça
períodos breves. A preguiça moderna faz com que a gente só goste de seguir os
períodos breves e não os longos. Ora, os períodos longos têm um mérito especial
porque se cada pensamento do homem é como uma pedra preciosa, uma longa
concatenação de pensamentos é evidentemente mais bela do que pensamentos
avulsos.
Uma frase em que
uma série de pensamentos se dispõe artisticamente uns em torno dos outros, é
muito mais rica em valor literário do que uma espécie de picadinho de frases. E
cada frase com a sequência de sujeito, verbo, objeto e - quando muito! - um
adjetivo de vez em quando ou um advérbio. Por causa disso, nós ficamos hoje em
dia meio despreparados quando nos encontramos em face dos grandes lances de
oratória do passado.
Pois aqui está São
Bernardo de Claraval pregando a Cruzada aos franceses da França Oriental e aos
alemães. Na primeira parte da exposição de seu pensamento, ele mostra que os
maometanos são adversários do nome cristão e que por causa disto a Terra Santa
está correndo perigo.
Ele dá uma tal
quantidade de argumentos que eu teria necessidade de reler a ficha para poder
enumerar todos. Mas considerados um pouco sumariamente, ele começa por dizer
que há uma ofensa a Deus; que aquela é a terra onde o Verbo de Deus se fez
Carne e é uma terra que se tornou, por causa disto, sagrada e que portanto
constitui uma ofensa a Deus que esta terra caia na mão dos adversários. Depois
ele recorda se deu a Encarnação do Verbo e toda a vida de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Assim, cada
episódio de Sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição por si só bastaria para
tornar maldito quem fosse inimigo de Nosso Senhor e pretendesse conquistar a
Terra Santa.
Depois mostra que
os maometanos são selvagens e que destroem os lugares aonde entram. De maneira
que as Relíquias do tempo de Nosso Senhor Jesus Cristo estão ameaçadas de
destruição.
Os senhores veem
como o pensamento se estabelece com lógica. A terra é sagrada, essa Terra
Sagrada está ameaçada não apenas de uma ocupação sacrílega, mas de uma
destruição sacrílega dos monumentos. Logo, a ofensa contra Deus é suprema.
A seguir, trata a respeito
dos soldados que não vão seguir para a Terra Santa. Vê-se que São Bernardo é um
orador desconfiado.
Hoje é moderno o
orador se apresentar otimista em relação ao seu auditório, ser
"amável" para com ele, sorrir: “Vós todos que são todos bons!...” O auditório,
um pouco imbecilmente, diz: “Nós somos bons, mas o sr. também é bom”. Então – a
consequência é – somos todos bons, somos todos concebidos sem pecado original e
por acharmos isto vamos todos para o inferno...
Mas São Bernardo,
ele não. Conhecendo a miséria humana, está desconfiado que os guerreiros não
querem ir para o combate e então os interpela: “Que fazeis, bravos soldados,
diante disto?” Quer dizer eu vos conto que isto está na iminência de acontecer
ou está acontecendo e vós não fazeis nada?! E passa para a descompostura: Vós
tendes muitos pecados; é preciso expiar esses pecados. Esta ocasião é muito
boa: ide à Terra Santa para expiar os vossos pecados.
Os senhores
imaginem isto sendo pregado na televisão de hoje... Chegar para o público e lhe
dizer que ele tem muitos pecados... Não poucos ficarão ressentidos. Mas eles
não se incomodam em pecar, pecam à vontade, fazem o que entendem e quando se
lhes diz que pecaram, eles não gostam...! Isto é próprio do pecador
empedernido. Onde é que está o poder da Cátedra católica, que outrora
enfrentava as multidões como enfrentava os reis? E fazia recuar a demagogia,
assim como fazia recuar os tiranos? Como tudo isso está longe, infelizmente!
Então, primeira
razão que apresenta: vós tendes uma penitência muito grande a fazer; pois então
fazei essa penitência, ide às Cruzadas! Segunda razão: vós viveis vos matando
uns aos outros. Vós sois criminosos nas vossas lutas odiosas. Pois eu vos
apresento - já que vós gostais de lutar - um combate, mas desta vez justo e
contra um inimigo que merece ser combatido. Por todas essas razões, ide vós e
tomai a Cruz!
Esse é o sermão de
São Bernardo...
Podemos fazer uma
transposição para nossos dias desse sermão de São Bernardo? Com quanta
propriedade! Porque hoje não se trata “apenas” de libertar a Terra Santa. Nosso
Senhor não teria vindo ao mundo para salvar a Terra Santa. A alma de qualquer
homem vale mais do que a Terra Santa inteira. Pode-se dizer que hoje, de algum
modo, é a salvação do gênero humana inteiro que está em jogo e durante séculos.
Porque o que se decidir em nossos dias o será por séculos! Disto é do que se
trata.
Então, podemos nos
perguntar: nós também não somos desses guerreiros que não gostam de “combater o
bom combate” (como diz São Paulo)? Não é o caso de nós nos perguntarmos se não
é bem verdade que devemos estar dispostos aos maiores sacrifícios para esta
causa que vale mais do que a própria causa da Terra Santa? É evidente que a
resposta deve ser afirmativa. E é nesse espírito de Cruzada que eu vos convido
a considerar nossas campanhas e nossas atividades em geral, sempre dentro das
leis de Deus e dos homens.
(Santo
do Dia, 19 de agosto de 1968)
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