Reproduzimos a seguir um dos comentários de Plínio Corrêa de Oliveira sobre a arte da conversa, que o mesmo desenvolveu em tão alto grau:
"Como vimos em
anterior ocasião, a conversa deve ser considerada como uma verdadeira arte, e
sobre ela se levantam algumas questões que merecem aprofundamento.
Acordo e desacordo numa conversa
Por exemplo, qual a
atitude mais apropriada a se tomar em face de um interlocutor que não concorda
conosco e está disposto a discutir?
A importância de
coincidirem as opiniões depende do tema contemplado. Certos assuntos são
banais, inócuos, não estabelecem vínculo algum de alma, nem qualquer ligação
pessoal. Digamos, a escolha do trajeto mais curto para se ir a determinado
local. Trata-se de uma trivialidade.
Há temas que podem
conduzir a ponderações mais elevadas. Imaginemos dois colegas, alunos de um
mesmo professor de Química. Esta matéria, de si, não implica em nenhum laço
particular entre os rapazes. Ambos estão concordes quando o mestre ensina que a
água é composta de hidrogênio e oxigênio, expressa pela fórmula H2O. Um
conceito elementar.
Porém, quanto ao
modo de lecionar e de tratar os estudantes, a apreciação a respeito da pessoa
do professor toma outro vulto, pois o assunto é mais profundo. Com efeito, a
maneira de ensinar indica maior ou menor clareza de inteligência. Se o
instrutor é sábio, e os dois colegas o prezam por isso, estabelece-se uma ponta
de vínculo entre estes. Mas, se um deles afirmar: "Prefiro tal outro
professor que conta anedotas; esse de Química é muito sério", pode haver
uma divergência nesse relacionamento, porque surgiu o desacordo acerca da
maneira ideal de ser do professor.
Todo aluno – pelo
menos no Brasil – procura discernir o tipo humano do seu mestre. Seja qual for
a matéria, na primeira aula o rapaz não presta muita atenção no que ouve, pois
a sua capacidade de análise está voltada para apreender a personalidade daquela
figura junto ao quadro negro. Ele fica observando atentamente os mínimos
detalhes que deixem entrever a psicologia, a mentalidade, o caráter do novo
professor. Assim sendo, as considerações sobre este envolvem algo mais
complexo, às vezes uma verdadeira concepção da vida.
Ora, quando os
colegas concordam no tocante à concepção da vida – como deve ser ela, o homem,
a autoridade, o ensino, etc. – surge uma maior afinidade de alma, pois o tema é
mais profundo. E quanto mais significativo é o tema, maiores afinidades se vão
estabelecendo entre ambos.
Religião, o ponto máximo de consonância
Ampliando os
horizontes dessas reflexões, é preciso ressaltar que as consonâncias se
verificam, sobretudo, a propósito da religião. Esta constitui o assunto mais
importante e mais próprio a atingir o íntimo da alma humana. Quando um
indivíduo é seriamente católico, ele possui maneiras de pensar, sentir e agir
decorrentes de sua posição religiosa, e se torna verdadeiro irmão do próximo, se
percebe nele as mesmas disposições. Forma-se, então, a plena e real amizade
entre os dois.
Nesse sentido,
evoco meu exemplo pessoal. Não tive irmão de sangue, mas muitos primos com os
quais mantinha assíduo relacionamento. Porém, como não praticavam a religião,
achava-me isolado no meio deles, pois não havia essa união de almas
característica do convívio entre católicos. Diferente de quando ingressei na
Congregação Mariana de Santa Cecília e passei a conhecer rapazes deveras
piedosos, em cujo relacionamento encontrei os irmãos que procurava.
Essa situação,
aliás, verifica-se na vida de qualquer jovem. Nas ocasiões em que conversa com
outro e percebe a sintonia de pensamentos e de Fé católica, abrem-se as vias de
uma grande amizade, pois a mesma crença é o que realmente os une.
"Teu coração é
igual ao nosso!"
Um fato histórico
ilustra, de modo muito bonito, essa ponderação.
No século XVI os
católicos chegaram ao Japão, com alguns padres da companhia de Jesus e uns
tantos leigos. Durante anos evangelizaram aquele país asiático, convertendo bom
número de pessoas. Erigiram uma igreja católica, a qual funcionou até o momento
em que houve intrigas fomentadas por protestantes holandeses. Estes eram
comerciantes, freqüentadores das costas nipônicas e concorrentes dos espanhóis,
conterrâneos daqueles jesuítas. Os batavos urdiram desavenças entre os padres
católicos e o imperador, que, convencido pelas insídias, determinou a proibição
e abolição do culto católico, além de condenar à morte todos os seus súditos
que não abjurassem a Fé cristã.
Travou-se uma
guerra na qual os católicos se defenderam heroicamente, tendo toda a razão de
seu lado. Mas, por fim, sucumbiram ao poderio numérico e militar das tropas
imperiais. Na fortaleza de Shimabara, último reduto deles, a resistência
encarniçada terminou com um massacre de católicos, martirizados por sua
fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Tudo indicava a
extinção do catolicismo naquelas paragens. Passaram-se duzentos anos sem que
ele despontasse novamente. Até que outro imperador, liberando os portos
japoneses para navios estrangeiros, permitiu também o proselitismo das
religiões, entre elas a Católica. Em vista disso, missionários para lá se
dirigiram e reencetaram o trabalho com o povo. De início, a pequena igreja que
abriram era visitada apenas por europeus negociantes ou turistas. Católicos
japoneses quase não os havia, e poucas eram as conversões.
Tempos depois,
deu-se este lindo fato, consignado por um padre em carta escrita a um amigo. Na
igreja vazia entram alguns nipônicos cautelosos, observando tudo no interior do
templo. Após a detida análise, procuraram o único sacerdote ali presente e lhe
fizeram uma série de perguntas sobre a Sagrada Eucaristia, Nossa Senhora e o
Papa. Como as respostas conferiam com o que haviam aprendido sobre a doutrina
católica, suas faces se iluminaram, e disseram essa frase de extrema beleza:
"Então teu coração é igual ao nosso!"
Diante da surpresa
do sacerdote, eles explicaram: "Somos descendentes de católicos japoneses
que se esconderam das autoridades e praticavam a religião na surdina. Do último
padre que aqui esteve esses nossos antecessores receberam a promessa da vinda
de novos ministros da Igreja. Porém, advertiu-os quanto aos protestantes. Para
distinguir uns dos outros, deveriam perguntar sobre esses três pontos. Se
respondessem como ele havia ensinado, seriam católicos."
Como se pode
imaginar, foram recebidos com imenso agrado, e dali a pouco os familiares de
todos ingressavam no grêmio da Santa Igreja, sendo batizados, crismados, etc.
Recomeçou assim a comunidade católica no Japão.
Atrair as almas pelas afinidades
Esse tocante
episódio nos mostra quão vigoroso é o liame determinado pelas consonâncias de
Fé. Leva-nos, igualmente, a compreender o aspecto mais alto envolvendo a arte
da conversa. Pois para um apóstolo que dela se serve como instrumento de sua
ação junto às almas, constitui motivo de alegria notar as afinidades e as
sintonias que vão se firmando entre ele e seus interlocutores. Mesmo que estes
não pratiquem ainda a religião católica como era de se desejar.
Por exemplo, tal
jovem cuja vida de piedade não é um modelo de perfeição, mas demonstra um raro
pudor nas suas atitudes. É exigente e idealista no que diz respeito à pureza, e
se agrada no contato com pessoas castas. O apóstolo pensa: "Embora este
apresente tantas lacunas, nesse ponto vejo brotar nele o elemento fundamental
de um bom católico". Se é assim, cumpre dedicar-se no trato com ele, para
que aquela semente se dilate, germine e dê todo o fruto esperado por Deus e
Maria Santíssima.
Como já vimos, daí
nasce um traço de ligação entre essas almas, o qual deve ser cultivado da
seguinte maneira: conversar amiúde sobre o que as une, exaltar e elogiar a
virtude da pureza nas suas diversas manifestações, criticar imoralidades, etc.
Aos poucos, estender essas conversas a outros gêneros de assuntos, relacionando
a pureza com as demais virtudes e qualidades que lhes são conexas. Digamos,
explicar ao jovem a relação entre castidade e ordem, impureza e desordem, e
procurar desenvolver no espírito dele o senso da ordenação, do bom gosto, das
maneiras gentis, amáveis, do heroísmo, da coragem. Ao incrementar tudo isso,
faremos com que desse tronco inicial – o amor à pureza – brotem galhos
frondosos, isto é, as muitas virtudes ligadas à castidade.
Para o apóstolo,
essa situação se assemelha à visão de um nascer do sol. É o espírito católico
que, como o astro-rei, levanta-se num determinado ponto do horizonte espiritual
da pessoa evangelizada, vai se alargando, alargando, alargando, até tomar a sua
mentalidade inteira. Com um encanto especial: ele, apóstolo, é quem contribui
para o nascimento desse sol naquela alma.
Imaginemos quanto
júbilo teria um homem que, por qualquer artifício, pudesse apressar o erguer do
sol nas regiões ásperas e difíceis da Antártica! Que alegria o tomaria ao ver
brilharem sobre ele os fulgores da grande estrela, acalentando-o e o animando
para o novo dia!
Ora, podemos nós
levantar sóis naqueles em que percebemos algo de bom, colaborando para ampliar
e desenvolver nele essa bondade, até que ela o tome por inteiro. E uma das
maiores felicidades reservadas para nós nessa vida é vermos esse sol
resplandecendo no coração do próximo. Então nos lembramos daquelas
arrebatadoras palavras: "O irmão que salva seu irmão, salva sua própria
alma e brilhará no Céu, como um sol, por toda a eternidade..."
Devemos, pois,
analisar naquele com quem conversamos, o que lhe agrada ou não, os acordos e
desacordos, as consonâncias de assuntos, etc., para, nos encontros
subseqüentes, abordar os temas de interesse mútuo. E agir assim de modo
progressivo, permitindo aos fios que ligam a alma dele à nossa se tornarem mais
fortes e consistentes.
Dessa forma, o
apostolando sentirá desejo de se encontrar conosco, porque nota a afinidade
estabelecida entre nós. Ele, provavelmente incompreendido e isolado no seu
meio, passa a se ver benquisto, apoiado e revigorado. Donde a sua presença em
nosso ambiente adquirir para ele imenso significado. Mais uma alma terá sido
atraída para se afervorar na devoção ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa
Senhora.
E tudo começa pela
boa consonância, o bom acordo estabelecido na conversa conduzida com tato e
discernimento pelo apóstolo"
(Extraído de http://www.tfp.org.br/dr-plinio/cultura-e-civilizacao-cristas/a-conversa-e-o-apostolado-de-afinidades/pagina-3)
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